O sargento José Ramos prestou serviço durante muitos anos na BA11 (Beja). A Força Aérea “escondeu” o feito e as autoridades não assumiram o ato por se tratar de um voo comercial. Militar podia ter sido preso.
Foi há 20 anos que um português, controlador aéreo militar da Base Aérea (BA) 4 nas Lajes, Ilha Terceira, salvou 306 pessoas que vinham a bordo de um Airbus A330, da Air Transat do Canadá ao fazer planar a aeronave que ficou sem combustível por cima do Atlântico. Foi o voo planado mais longo da história da aviação comercial, num voo sem motores que durou cerca de meia hora, ao longo de 120 quilómetros (62 milhas).
José Ramos, então primeiro-sargento da Força Aérea Portuguesa (FAP), agora com 60 anos e já reformado, recordou ao Lidador Notícias (LN) aquele dia 21 de agosto de 2001 e foi peremptório: “hoje fazia rigorosamente o mesmo, incluindo todas as ilegalidades que me podiam ter levado à prisão”. Não guardando rancor a ninguém, o ex-militar deixa críticas à forma como foi tratado pelas diversas autoridades do sector aeronáutico, incluindo a Força Aérea “que não reconheceram o trabalho feito e tudo fizeram para esconder o caso”.
O voo Air Transat 236 procedia de Toronto e tinha como destino Lisboa, mas a dada altura fica sem combustível suficiente para chegar ao então Aeroporto da Portela. Ao piloto, Robert Piché, a primeira ideia que ocorreu foi amar no meio do Oceano Atlântico, com consequências imprevisíveis para as três centenas de ocupantes do avião da companhia de bandeira canadiana.
O A330 estava a ser controlado pelo controle de Santa Maria (Açores), mas como não têm radar, passaram a informação às Lajes e é aí que entra o controlador José Ramos. “Ao receber a mensagem percebi que era uma situação complicadíssima, começando por uma série de coisas ilegais que viria a fazer”, recorda o “dinossauro dos radares”, ou não tivesse nascido na Lourinhã, desfiando o rol atropelos que cometeu: “assumi o controlo de uma aeronave civil num espaço aéreo que não era da minha responsabilidade. Depois perdi o contato com a aeronave e não o informei o piloto”, recorda. “As ilegalidades que fiz foram todas com o objetivo de salvar as mais de 300 pessoas a bordo. Pensei e decidi: vou arriscar, se correr mal o mais que me acontece é ir preso”, lembra o experiente militar.
Aquando do primeiro contato, a aeronave estava a 120 quilómetros das Lajes e ninguém acreditava que um avião daquele porte pudesse chegar. Nessa altura ainda tinha combustível, “mas não dava para chegar a lado nenhum”, relembra José Ramos, que depois de fazer contas percebeu que o A330 podia chegar, mas, “um erro de uma milha (cerca de 1.800 metros) podia fazer com que o avião em vez de chegar à base podia cair em cima da cidade da Praia da Vitória. Era uma tragédia e o Ramos era preso”, conclui.
Sem querer sozinho os louros do maior voo planado da aviação comercial, o militar desmente Robert Piché, o piloto da aeronave quando esteve escreveu num livro que “foi ele que decidiu ir para as Lajes. Não é verdade. Quem o informou onde estava e onde seria possível chegar com sucesso, aterrando nas Lajes, fui eu”, concluiu. “A primeira informação que me deu era a de que ia amarar e disse-lhe indo amarar faço-o o mais perto da Ilha Terceira, o que em termos de salvamentos era mais operacional para os helicópteros”, lembrando que o seu trabalho terminou quando o piloto teve contato visual com a pista e passou para a frequência da torre de controlo, fase em que o avião estava “praticamente no chão”, remata.
Mas o militar não se fica pela FAP nas críticas aos esquecimentos. “As autoridades que não reconheceram o trabalho feito, de certeza que teria sido as primeiras a apontar o dedo e a dizer que não tinha nada que me meter em coisas que não me diziam respeito, nomeadamente a NAVE e o INAC”, atira.
Para o militar, que terminou a carreira como sargento-ajudante (SAJ), “as medalhas mais valiosas” foram o reconhecimento dos passageiros que vinham na aeronave. “Na altura um casal ofereceu-me o colete salva vidas que usou naquele dia no avião e uma família de oito pessoas, pais, filhos e sobrinhos, que passaram férias em Portimão e casualmente falaram com uma pessoa e contaram a história vivida. Essa pessoa era o meu irmão e acabei por os conhecer a agradeceram felizes por estarem vivos”, descreveu.
Além de um louvor das chefias militares norte-americanas a Base das Lajes, também recebeu o reconhecimento do Aero Clube de Portugal e da Aero Condor. Já a Air Transat ofereceu um boné americano e um avião de plástico, para ser montado.
No passado mês de agosto, quando passaram 20 anos sobre a efeméride, por iniciativa do Clube de Sargentos da BA4, foi prestada uma homenagem ao SAJ José Ramos, tendo no Salão Nobre da unidade sido descerrada uma placa assinalando e perpetuando o importante momento.
Ao longo dos quase 40 anos de vida militar, 6 dos quais na reserva, José Ramos, esteve em todos os grandes teatros de operações da FAP em Portugal, com particular incidência nas de Beja (BA11), Lajes (BA4), Ota (antiga BA2), Tancos (antiga BA3), Monsanto (Comando Aéreo), tendo terminado a carreira em Ovar (AM1). O SAJ Ramos passou à reforma em fevereiro do corrente ano e vive pacatamente em Portimão.
Teixeira Correia
(jornalista)
Fotos do Avião Air Transat e Placa Homenagem: Direitos reservados