Cabeça Gorda/ Beja: Família cigana quer ver punido autarca que terá impedido enterro.
Uma família cigana pretende avançar com uma ação em tribunal contra o autarca de Cabeça Gorda (Beja) por alegadamente ter impedido o velório e o enterro de um familiar na aldeia, revelou ontem a Associação de Mediadores Ciganos.
Segundo a edição online do Jornal de Notícias (JN), através da ação, a família quer que o presidente da Junta de Freguesia de Cabeça Gorda, Álvaro Nobre, eleito pela CDU, seja “punido” pela decisão “muito grave” que tomou e que situação semelhante não se repita, disse à agência Lusa o presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal, Prudêncio Canhoto.
“A família quer punir o presidente por aquilo que fez, que foi muito grave e não se faz”, afirmou o também mediador cigano na Câmara de Beja, referindo tratar-se de um “ato de discriminação racial” de uma pessoa por ser de etnia cigana.
De acordo com Prudêncio Canhoto, a família vai avançar com a ação, mas primeiro, e por razões financeiras, tem de pedir apoio judiciário à Segurança Social para lhe nomear um advogado e pagar os respetivos honorários.
A Lusa tentou hoje contactar sem sucesso Álvaro Nobre, ligando várias vezes para o seu número de telemóvel, que não atendeu, e para a Junta de Freguesia de Cabeça Gorda, tendo sido informada de que o autarca está de férias esta semana.
Segundo uma notícia divulgada na edição desta sexta-feira do jornal “Público”, Álvaro Nobre não autorizou o velório na casa mortuária e o enterro no cemitério de Cabeça Gorda, no concelho de Beja, de um homem de etnia cigana, José António Garcia, de 55 anos, alegando que não era natural nem residia na aldeia.
José António Garcia, que era pastor da Igreja Evangélica de Filadélfia e fazia parte da comunidade cigana residente na freguesia de Cabeça Gorda, morreu no passado dia 13, no Centro de Saúde de Moura, para onde foi transportado depois de ter sentido “uma dor muito forte no peito” quando se preparava para realizar um culto marcado para as 20 horas na vila de Pias, no concelho de Serpa, no distrito de Beja, segundo contou ao Público um membro da família.
No dia seguinte, a família, enquanto aguardava pela realização da autópsia no Gabinete Médico-Legal do Baixo Alentejo, situado no hospital de Beja, pediu a Álvaro Nobre autorização para velar na casa mortuária e enterrar no cemitério de Cabeça Gorda o corpo de José António Garcia.
Segundo a família, Álvaro Nobre, baseando-se no regulamento do cemitério de Cabeça Gorda, terá dito que o corpo não podia ser velado nem enterrado na aldeia, porque José António Garcia não tinha família nem residência na freguesia, e sugeriu que fosse velado e enterrado onde morreu ou na terra natal (Mértola).
De acordo com o “Público”, o regulamento refere que o cemitério de Cabeça Gorda destina-se à inumação dos restos mortais de pessoas falecidas na freguesia ou fora da circunscrição atribuída ou do concelho de Beja desde que se “destinem a jazigos particulares ou sepulturas perpétuas” ou “mediante autorização” do presidente da junta de freguesia “concedida em face de circunstâncias que se reputem ponderosas”.
Segundo disse à Lusa Prudêncio Canhoto, José António Garcia era casado com uma mulher natural de Cabeça Gorda e tinha mudado a residência e a morada de Mértola para a aldeia “há cerca de dois anos”.
No entanto, disse Prudêncio Canhoto, Álvaro Nobre manteve-se intransigente e ficou incontactável, inclusive para a advogada Margarida Amador, a quem a família de José António Garcia pediu apoio para tentar que o velório e o enterro se realizassem na Cabeça Gorda.
O corpo foi entregue à família cerca das 11:00 da passada segunda-feira, “mas o agente funerário não sabia para onde o podia levar”, contou Prudêncio Canhoto ao Público, referindo que, para evitar um conflito, apelou ao presidente da Junta de Freguesia de Salvada, Sérgio Engana, também eleito pela CDU, para deixar que os restos mortais de José António Garcia fossem depositados num jazigo que uma família cigana disponibilizou no cemitério desta aldeia vizinha de Cabeça Gorda.
O pedido teve acolhimento “de acordo com a lei” e os restos mortais foram depositados num jazigo no cemitério de Salvada, disse Sérgio Engana ao Público, referindo que José António Garcia era membro de uma família com “ramificações” nas aldeias de Salvada e Cabeça Gorda.
Em declarações à Lusa, a advogada Margarida Amador disse que, segundo informações prestadas pela família, que, até hoje, não lhe pediu para avançar com qualquer ação em tribunal, José António Garcia residia e recebia o Rendimento Social de Inserção em Cabeça Gorda.
A advogada disse tratar-se “de um caso de evidente exclusão social” e que é “inconstitucional” impedir a deposição de um corpo num cemitério e lamentou que Álvaro Nobre, que também é advogado, não tenha respondido às suas tentativas de contacto.