Opinião de Rogério Copeto: “CÓDIGO PENAL PARA TOTÓS”


Existe um provérbio português que diz “Com coisa séria não se brinca”. Deve ser por isso que ainda nenhum autor publicou um livro chamado ”Código Penal para Totós”.

Roger Copeto_800x800Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação

Numa rápida pesquisa na internet é fácil perceber que existem livros sobre tudo e mais alguma coisa, dirigidos aos “totós”, menos sobre legislação penal. Por isso parece-nos que faz todo o sentido juntar-se essa publicação à grande colecção que já existe, de que fazem parte, por exemplo, “Contabilidade para Totós”, “Gestão para Totós”, “Inglês para Totós”, “Matemática para Totós” e “Windows para Totós”.

Tendo em conta a quantidade de assuntos que já foram alvo de publicações e cujos destinatários são os “totós”, que segundo o dicionário são aqueles “que demonstram falta de habilidade, inteligência ou desembaraço”, conclui-se que o termo “totó” aplica-se, neste caso, a quem não tendo um conhecimento profundo sobre determinado assunto, necessita de uma publicação, que em linguagem simples, precisa e concisa, consiga explicar esse tema de forma a que qualquer comum cidadão o perceba.

Como se sabe o Direito é uma área que não é acessível ao comum dos cidadãos, sustentada num conjunto enorme de diplomas, que podem ser leis, decretos e portarias, cada um com a sua importância e hierarquia, onde também alguns desses diplomas se constituem como códigos.

Alguns desses códigos devido à sua importância merecem ainda por parte dos juristas, uma maior atenção, anotando-os, para melhor interpretação do seu conteúdo, que não raras vezes, aumentam a complexidade do mesmo, em vez de o tornarem mais simples de perceber, sendo por isso unicamente utilizados, por quem se dedica ao estudo do Direito e não pelo cidadão comum.

Mas o que mais afasta o cidadão do Direito é a linguagem usada nos diplomas, que não é perceptível, nem entendível, para quem não tem conhecimentos nessa área, e mesmo para quem os tem, as interpretações que se fazem dos artigos, que compõem os diplomas, podem ser as mais variadas, inclusivamente opostas, por isso é possível, num determinado conflito, ouvirem-se argumentos opostos, mesmo fazendo-se uso da mesma legislação, do mesmo diploma e do mesmo artigo.

A área do Direito tem muitos ramos, sendo o ramo do Direito Penal, um dos mais complexos, existindo dois diplomas essências, o Código Penal e o Código Processual Penal, que se constituem como os dois códigos fundamentais para quem estuda Direito Penal ou exerce funções nessa área, seja magistrado, advogado ou autoridade policial.

Dos dois códigos atrás indicados, será o Código Penal aquele que mais vezes é referido, seja em conversas, seja através dos Órgãos de Comunicação Social, em virtude do mesmo prever um grande conjunto de crimes e respetivas punições, que com frequência são apresentados, quer nos jornais, quer nas televisões ou em conversas entre amigos, nomeadamente aqueles que maior indignação nos causam e por esse motivo, serem quase sempre notícia de abertura de telejornais, como é o caso dos homicídios.

Mas a ideia da necessidade da existência de um “Código Penal para Totós”, não nasceu de uma notícia sobre homicídios, mas sim de um artigo sobre o crime de ameaças, que tive oportunidade de ler, da autoria do jornalista Pedro Rainho, publicado no jornal I, na edição de 12 de outubro e com o título “Cuidado com as Ameaças verbais. Pode acabar na cadeia”.

O referido artigo que achamos muito bem escrito e em linguagem simples, consegue explicar que aquilo que se diz, pode ter consequências criminais, nomeadamente quando alguém ameaça outra pessoa, mesmo quando as ameaças são escritas nas redes sociais, por exemplo.

Para esse efeito o artigo faz referência, como não podia deixar de ser, ao Código Penal, que prevê no seu artigo 153º, o crime de ameaças e no artigo 155º a conduta que o agrava.

No artigo são apresentadas várias situações reais de pessoas que proferiram ameaças contra outras pessoas, e que por isso foram condenadas, tendo a preocupação de referir que este tipo de crime é semipúblico, necessitando que a vítima apresente queixa. E no caso de ser considerado crime público, não necessita que a vítima apresente queixa, sendo o conhecimento da prática do crime, por parte do Ministério Público, suficiente para continuar com o processo criminal, mesmo contra a vontade da vítima, conforme um dos casos relatados no artigo.

Para que o leitor perceba a diferença entre crime semipúblico e crime público, o que não é fácil, mesmo para quem tem conhecimento na área, o jornalista Pedro Rainho, sentiu por isso a necessidade de explicar essas diferenças, recorrendo a um conjunto de perguntas, que qualquer cidadão comum faria a um jurista, tendo sido a forma como fez as perguntas, que nos pareceu muito inteligente e bem-humorada, conseguindo esclarecer a diferença entre crime particular, semipúblico e público, e por esse motivo, a seguir transcrevemos a coluna “P&R”, que acompanha o artigo, mas só na versão em papel:

P&R

Pelos Caminhos da Legislação

A ameaça é considerada um crime público?

Por si só, não. O Código Penal (CP) prevê que “o procedimento criminal depende de queixa”. Insere-se, por isso, no grupo dos crimes semipúblicos. No entanto, o artigo 155 consagra que a “agravação” das ameaças, tendo em conta certas situações (o suicídio ou tentativa pelo ameaçado), são promovidas a crime público. Isto surge com a reforma legislativa de 2007.

Um crime é considerado público porque acontece na rua?

Não. O acórdão do Juiz Neto Moura, do Tribunal da Relação do Porto, explica que “a gravidade do crime é factor que está na base da distinção entre crimes públicos (…), semipúblicos (…) e particulares”. Mas acrescenta que esse não é o único elemento a considerar. “A qualidade do agente passivo do crime também justifica que, em muitos caos, se atribua natureza pública ao crime”. É o caso de ameaças proferidas contra deputados ou policias, por exemplo.

O contrário de um crime público é um crime privado?

Quase. Além dos crimes públicos existem crimes semipúblicos e particulares.

Qual é a diferença?

No que diz respeito à sua apreciação criminal, os crimes públicos não requerem apresentação de queixa por parte das vítimas. Os semipúblicos requerem queixa e os particulares requerem, além da queixa, a dedução de uma acusação particular.

E quando se desiste da queixa?

Nos crimes públicos esse passo atrás não interfere na investigação do crime. Nos restantes casos, põe termos à acção do Ministério Público.

Para quem não percebe a diferença entre crime público, semipúblico e particular, uma leitura às perguntas e respostas atrás transcritas, ficará com certeza esclarecido, conseguindo o que possivelmente um qualquer Código Penal anotado, por um reconhecido jurista, não conseguiria, devendo ser esta a linha de orientação, que deveria seguir o tal “Código Penal para Totós”, que sugerimos no inicio do presente artigo, e como estamos em maré de sugestões, parece-nos que uma “Constituição da República Portuguesa para Totós” também faz falta.

Se alguma vez editarem as referidas publicações, irei com certeza adquiri-las, a primeira para uso no âmbito da minha profissão e a segunda seria para oferecer.


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