Opinião de Rogério Copeto (Oficial da GNR): A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, OUTRA VEZ
Voltamos ao tema da Violência Doméstica (VD), por motivo da publicação na semana passada do “Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica”, referente ao ano de 2014 e primeiro semestre de 2015.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
Da análise à estatística criminal referente aos crimes de VD registados pela GNR e pela PSP, verifica-se que até 2010, o número de crimes aumentou todos os anos, atingido nesse ano o máximo histórico de 31 235 crimes, tendo em 2011 essa tendência se invertido (28 980), continuando a descer em 2012 (26 678), sendo que em 2013 aumentou ligeiramente, atingindo os 27 318, no entanto ainda longe dos valores de 2010 e no ano passado a GNR e a PSP registaram 27 317 crimes, menos 1 que em 2013.
No primeiro semestre de 2015 a GNR e a PSP registaram 12 998 crimes, verificando-se um decréscimo de 73 crimes, tendo em conta que no 1º semestre de 2014 foram registados 13 071 crimes, podendo-se concluir que o ano de 2015 terminará com uma previsível ligeira redução dos crimes de VD e assim manter-se o registo de crimes de VD ligeiramente acima dos 27 000.
Outro dado a ter em consideração é o número de detenções realizadas pela GNR e pela PSP que desde 2009 tem sempre crescido, verificando-se que nesse ano foram detidas 215 pessoas pelo crime de VD e no ano passado foram feita 618 detenções.
Para além destes indicadores, muitos mais podem ser conhecidos através de uma leitura ao referido Relatório, como por exemplo que é no Verão e nos fins-de-semana que há mais registos de queixas de VD. Como dado positivo está a percentagem de crianças que assistem às situações de VD, que tem diminuído nos últimos anos.
O Relatório confirma que é a GNR ou a PSP que quase sempre são a primeira entidade a quem é reportada as situações de VD, que envolve geralmente repetidos episódios de violência e em diversos casos resultam lesões graves para a vítima ou até mesmo a sua morte.
São também a quem mais as vítimas recorrem para pedir apoio, o que acarreta responsabilidades acrescidas no âmbito da prevenção da sua revitimização, nomeadamente ao nível da primeira linha de intervenção.
Por isso a GNR e a PSP passaram a poder recorrer, desde 1 de novembro de 2014, a um instrumento que permite avaliar o risco de forma rápida e prática, de modo a perceber qual o nível de risco associado à vítima, que pode ser elevado, médio ou baixo e de acordo com esse nível de risco, são executadas diversas medidas de segurança, dado esse relevante para análise das conclusões do Relatório.
Esse instrumento denominado de Avaliação do Risco VD (RVD), obriga independente do nível de risco, que deve ser sempre elaborado um Plano de Segurança com a vítima para além de ser informada dos recursos/respostas de apoio à vítima, a atribuição do estatuto da vítima e ser informada dos contactos da GNR ou da PSP mais próxima da sua residência.
No âmbito da avaliação de risco a GNR e a PSP devem também providenciar a apreensão de armas, caso existam e estabelecer contatos regulares com a vítima, de forma presencial ou por telefone, bem como acompanhá-la quando solicitado, aos locais onde tenha de ir (ex: tribunal, segurança social, hospital, etc.), até que seja aplicada uma medida de coação ao agressor/a (Prisão Preventiva ou Vigilância Eletrónica) ou de teleassistência à vítima, através do Serviço de Teleassistência a Vítimas de Violência Doméstica, já aqui abordado numa artigo anterior.
No caso do nível de risco ser elevado, para além das medidas anteriores, e se o ofensor/a não tiver sido detido em flagrante delito ou fora de flagrante delito, após verificados se estavam reunidos os pressupostos para a sua detenção fora de flagrante delito, deve ser considerada a hipótese da vítima se afastar do ofensor/a, recorrendo por exemplo a uma casa-abrigo, casa de familiar/amigo/colega da sua confiança nos primeiros dias, propor ao Ministério Público que seja aplicado ao agressor/a o afastamento da residência da vítima e/ou proibição de contatos com a mesma e a aplicação da medida de teleassistência à vítima.
Como se sabe a VD é dos fenómenos criminais que na nossa sociedade, tem tido mais visibilidade, e pelas piores razões. Não por se tratar de uma realidade nova, mas, essencialmente, por apresentar novos contornos, quanto mais não seja, pela maior consciência da sua existência e do desvalor que representa para a dignidade humana.
Por isso, a Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) em parceria com a GNR e a PSP vai realizar nos dias 17 e 18 de novembro, uma conferência subordinada ao tema “Violência Doméstica… que Caminhos ainda a Percorrer?”, aberta ao público e que conta com a participação de vários peritos nacionais e internacionais, para debater estratégias possíveis de luta contra a violência doméstica.
Todas as instituições que lutam contra a VD têm como objectivo aumentar a consciência da população da necessidade de denunciar este tipo de crime, sendo por isso essencial continuar com as campanhas de consciencialização da população para o fenómeno da VD, que por ser crime público, a denúncia é obrigatório para quem dela tem conhecimento, sendo que só com a sua denúncia é possível investigar e punir os seus autores.