Opinião (José Lúcio-Juiz): Comarca de Beja – umas notas e algumas queixas.
O Tribunal da Comarca de Beja completou já três anos e meio de funcionamento, período de tempo que justifica um breve olhar sobre a experiência e os factores que a condicionam.
(Juiz Presidente da Comarca de Beja)
Como é do conhecimento geral, o novo Tribunal Judicial da Comarca de Beja foi instituído pela Lei de Organização do Sistema Judiciário que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2014.
Veio então substituir, e absorver as competências, dos anteriores tribunais judiciais instalados no Distrito de Beja (em Almodôvar, Cuba, Beja, Ferreira do Alentejo, Odemira, Ourique, Mértola, Moura e Serpa), desse modo concretizando nesta área geográfica o objectivo de reorganização do mapa judiciário.
Um só tribunal passou a existir no lugar de dez que foram extintos.
Consequentemente, e desde o referido dia 1 de Setembro de 2014, data da sua entrada em funcionamento, ao Tribunal Judicial da Comarca de Beja, com os seus diversos juízos centrais e locais, está confiada a administração da Justiça no Distrito de Beja, no âmbito das suas competências (cível, criminal, laboral e família e menores).
Quanto ao modo como o tem feito não entraremos aqui e agora em balanços, sendo certo porém que, como temos vindo a sublinhar quando a oportunidade surge, qualquer balanço que se faça terá que reconhecer os factos inegáveis do melhor aproveitamento dos recursos existentes e da consequente melhoria da capacidade de resposta dos serviços, seja qual for o indicador a que se recorra.
Importa todavia, até para salvaguardar os progressos apontados e defender a sua continuidade no tempo, insistir sem descanso junto dos responsáveis políticos para que as carências detectadas desde o início e constatadas no dia a dia do tribunal venham a ter a indispensável solução.
As insuficiências aludidas concentram-se essencialmente em duas vertentes, que são concretamente as deficiências ao nível das instalações físicas e as faltas referentes a pessoal de secretaria.
Como é sabido, a centralização operada pela reforma fez ressaltar as insuficiências já há muito conhecidas do parque judiciário em Beja.
Concretamente, no Palácio da Justiça de Beja passaram a funcionar os juízos locais cível e criminal e os juízos centrais cível e criminal, com um total de oito juízes.
Obviamente o edifício não estava preparado para este quadro, contando apenas com duas salas de audiência e com instalações escassas, incapazes de albergar as secretarias, os gabinetes e outros espaços necessários para processos, magistrados, funcionários e público utente.
Também em Beja, mantém-se indefinidamente a situação do Juízo do Trabalho, instalado num canto do edifício do antigo Governo Civil sem as características adequadas ao funcionamento de um tribunal e em estado de notória degradação física.
Finalmente, ainda no núcleo de Beja, verificou-se a deslocalização do Juízo de Família e Menores para Ferreira do Alentejo, decidida “transitoriamente” no final de Agosto de 2014, precisamente para contornar a impossibilidade da sua instalação física no parque judiciário existente em Beja.
Esta deslocalização choca frontalmente com as intenções expressas da reforma, onde vem justificada a escolha das capitais de Distrito para instalação das novas unidades orgânicas exactamente por essas capitais constituírem “centralidades que são objecto de uma identificação clara e imediata por parte das populações e dispõem de acessibilidades fáceis e garantidas” (Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária, 15 de Junho de 2012).
O funcionamento do Juízo de Família e Menores em Ferreira do Alentejo trouxe ao de cima precisamente a ausência das tais “acessibilidades fáceis e garantidas”, sacrificando as expectativas legítimas das populações que a essa instância precisam de recorrer, facto tanto mais grave quanto é sabido que os utentes da jurisdição de Família e Menores em regra se identificam com os sectores da população mais fragilizados economicamente.
O diagnóstico resultante do quadro descrito tem sido perfilhado unanimemente por todos os responsáveis do sector: é preciso criar as condições em Beja para resolver a saturação do espaço do velho Palácio da Justiça, a deslocalização de Família e Menores em Ferreira e a precariedade das instalações do Trabalho. Dessa concordância no diagnóstico nasceu o projecto e a promessa solene de construção de raiz de um novo edifício em Beja que possa albergar os Juízos do Trabalho e de Família e Menores e parte dos serviços que agora ocupam o velho Palácio da Justiça.
Todavia, a concretização do prometido não está ainda à vista. E assim justificam-se os maiores receios sobre a eternização da situação presente.
Soma-se ao problema das instalações a falta de preenchimento dos quadros do pessoal oficial de justiça que atinge todos os juízos e secções (e também as procuradorias, circunstância que muito afecta o Tribunal visto que a ausência de colocação de funcionários do MP força as secretarias judiciais a suprir essa falta com elementos seus).
Percorrendo o mapa, constata-se que nesta altura permanecem vagos um total de 29 lugares de oficial de justiça, considerando os quadros legalmente definidos.
Ora, como é bom de ver, se a fixação do quadro de pessoal efectuada oficialmente, tendo em vista o funcionamento desejável dos serviços do Tribunal de Beja, estabeleceu para este um total de 104 (cento e quatro) oficiais de justiça, não pode deixar de concluir-se que a falta desses 29, reduzindo o pessoal efectivamente ao serviço para uns meros 75 (espalhados pelas diversas unidades existentes), tem que afectar negativamente o funcionamento do conjunto.
Significa isto, na prática, que os serviços funcionam em regra com menos um terço do pessoal legalmente previsto.
Se pensarmos nos normais desligamentos de serviço para efeitos de aposentação e nas dificuldades verificadas com a respectiva substituição, se tivermos também em conta inevitáveis baixas temporárias por doença ou licenças, justifica-se a preocupação em relação a este permanente défice de pessoal.
Tendo presentes os objectivos e finalidades associados à reforma judiciária pelos responsáveis políticos, nomeadamente a melhoria da qualidade da prestação dos serviços de justiça, e o aumento da eficácia e celeridade desses serviços, não se pode deixar de reclamar pela satisfação das condições objectivas mínimas indispensáveis para tal, nomeadamente com a resolução dos problemas acima indicados.
(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)