Opinião (José Lúcio/ Juiz): Informação e desinformação.
De vários lados ouvem-se agora vozes preocupadas com o fenómeno a que chamam ultimamente de fake news. O alarme não é destituído de razão, mas as suas manifestações concretas também justificam apreensão.
Juiz
É que normalmente logo se vê que para cada um as notícias falsas são sempre as dos outros, e as propostas que aparecem acabam irremediavelmente por cair na tentação de criar mecanismos de controlo da informação, sob esse nobre pretexto de combater a desinformação.
Na realidade estes nossos tempos caracterizados pela existência de veículos de informação impensáveis ainda em época recente acabaram por trazer, paradoxalmente ou talvez não, novos instrumentos e acrescidos problemas em matéria de desinformação.
Se a informação é hoje mais fácil e mais rápida, disponível à distância de um clique, com a desinformação passa-se o mesmo. E nunca faltarão forças, gentes, grupos, pessoas empenhadas precisamente em desinformar, distorcer, manipular.
A utilização das técnicas de comunicação para induzir em erro, para disseminar visões deturpadas da realidade, de maneira a influenciar a opinião alheia, é tão velha como a própria comunicação. Quer nos situemos nos domínios das ciências da comunicação, das relações públicas, da propaganda, da psicologia de massas, do jornalismo, da publicidade, esse constituiu sempre e continuará para o futuro a constituir tema recorrente.
Não há a este respeito nada de novo, a não ser os terrenos onde se travam as novas batalhas da informação. Há poucos anos não havia internet, hoje esta é um campo de batalha onde se disputam desafios essenciais para o mundo contemporâneo.
Convém, por todas as razões, estar atento à desinformação mas não estar menos atento aos que se apresentam como apóstolos desinteressados voluntariando-se para redes de verificação de conteúdos, centros de fact-checking, comissões para implantação de “regras e orientações comunitárias”, mecanismos de redução da difusão de notícias falsas, etc.
Normalmente a tentativa de estabelecimento de “padrões” nesta ou naquela plataforma (de que é exemplo o facebook) acabam por mostrar-se como novas formas de censura destinadas claramente a limitar os conteúdos definidos como permitidos e eliminar tanto quanto possível aqueles que forem definidos como alvo.
Muito simplesmente, trata-se de obter vantagem ganhando para o nosso lado a etiqueta da objectividade e da respeitabilidade e associando ao adversário a rotulagem negativa. Nem mais nem menos que uma estratégia clássica de desinformação. A atitude em face dos pretensos verificadores não pode deixar de ser céptica.
Parece-me na verdade que a criação de mecanismos de controle do fluxo informativo mais facilmente se insere numa estratégia de desinformação do que num empenhamento desinteressado em prol da informação. Basta observar os seus arautos e proponentes, os interesses que sevem, para concluir que não são de modo algum neutros ou isentos.
Em campanha contra as fake news já deparamos até com muitos que sem exagero poderíamos considerar como notáveis exemplos de criativos produtores de fake news. Não nos iludamos, pois. A intenção não consiste em assegurar apenas informação fidedigna e verdadeira, mas sim em conquistar para o seu lado formas de controle do fluxo informativo no espaço público.
É mais uma vez a política a vir ao de cima. Como sempre, o que caracteriza essencialmente a política é a oposição amigo/inimigo. E nisto das condenações virtuosas às fake news voltamos a encontrar a distinção: as notícias boas são as nossas e dos nossos amigos, as outras são fake.
Lamento, mas creio que fake news sempre as teremos entre nós. Bom mesmo é aprender a conhecê-las.
(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)