(Opinião (José Lúcio/ Juiz): Novo tribunal em Beja – promessa e realidade.


A esperança de construção de novas instalações judiciárias em Beja, renovada pelas repetidas promessas das entidades responsáveis, torna oportuna a partilha de algumas breves notas sobre o assunto.

José Lúcio

Juiz

Em 2014, quando tomei posse das funções de juiz presidente da nova Comarca, a necessidade de novas instalações judiciárias na capital do distrito estava há muito diagnosticada. Constatava-se que a evolução da orgânica judiciária e dos quadros de pessoal nos sessenta anos anteriores tinha esgotado a capacidade de resposta do edifício do Largo Duarte Pacheco, que o Tribunal do Trabalho desde a sua criação continuava alojado precariamente (décadas passadas) num canto insalubre do velho Governo Civil, e que o próprio Tribunal Administrativo e Fiscal tinha ficado provisoriamente instalado em alojamento inadequado, desde o seu início.

Com a reforma judiciária entrada em vigor em Setembro de 2014 mais se acentuariam as necessidades já conhecidas, por força da centralização de competências nos novos Juízos Centrais de Beja, implicando a transferência de significativa massa processual das antigas comarcas periféricas para a sede.

Deste modo, o velho Palácio da Justiça ficou apinhado de processos e sem lugar onde dignamente trabalhassem funcionários e magistrados, ou onde os utentes fossem atendidos e servidos devidamente (não há espaços para o público, faltam salas de espera ou de testemunhas, faltam casas de banho, falham as acessibilidade para deficientes, não chegam as salas de audiência, faltam gabinetes de trabalho, não há mais sítio para arquivos ou para garagem).

A insuficiência das instalações judiciárias em Beja ficou ainda mais realçada pela entrada em funcionamento de uma nova valência, o Juízo de Família e Menores, que por força das circunstâncias teve nesse Verão de 2014 que ficar transitoriamente instalado em Ferreira do Alentejo.

Em suma, o panorama obrigava a que em todas as instâncias públicas fosse reconhecida a exigência prática que era avançar para novas instalações na cidade de Beja destinadas especificamente à administração da Justiça. Não havia já lugar para qualquer dúvida.

Feitas também diligências para localizar eventuais alternativas disponíveis, facilmente se chegou à conclusão da inviabilidade de recorrer à adaptação de edifícios já existentes. Consensualizou-se e ficou assente que teria que enfrentar-se o problema através da construção de raiz de novas instalações judiciárias.

Obviamente que não era fácil passar à prática essa intenção. Não esqueçamos que eram tempos de severa contenção financeira, e os custos associados não são negligenciáveis. E havia que resolver previamente questões de localização, de projecto, de decisão política. Havia acordo sobre o que era preciso, tornava-se complicado fazê-lo.

O caminho que viria a ser encontrado começou a desenhar-se em 16 de Junho de 2014, numa conversa à margem da cerimónia da minha tomada de posse como juiz presidente da Comarca. Nessa altura ficou o compromisso verbal de se desenvolverem os contactos entre o Município e o IGFEJ de forma a que em colaboração estreita fossem ultrapassados os obstáculos que se perfilavam.

É justo dizer que esse compromisso foi cumprido e que o objectivo foi assumido e prosseguido por todos os intervenientes. Se ainda agora, passados quase cinco anos, não se descortina no plano das realidades o almejado edifício novo, não foi por falta de empenhamento dos então envolvidos. Tudo se deve, impõe-se reconhecer, à lentidão de movimentos que caracteriza a nossa administração pública – e mais não é preciso dizer.

Pela parte do poder local, a Câmara Municipal tratou de assegurar a resolução das questões pertinentes à localização e ao projecto da pretendida edificação. Tudo considerado, temos que agradecer um contributo de custos muito elevados para o Município, que este manteve sem tergiversações apesar das mudanças de poder entretanto ocorridas.

Também a nível do poder central não foi questionada a ideia, apesar da sucessão de ministros e outros altos cargos. O projecto do novo Tribunal de Beja revelou-se pacífico e transversal aos múltiplos responsáveis políticos e técnicos da administração.

Nessa sequência viria a celebrar-se com naturalidade o protocolo sobejamente conhecido entre o Município de Beja e o Ministério da Justiça, sendo já titular a actual Ministra. Foi no âmbito deste protocolo que foram elaborados os projectos para as instalações e formalizada a afectação dos terrenos para esse efeito. E lançado o concurso público para a adjudicação da obra, que veio a ficar deserto em Dezembro de 2018.

Agora, resta relançar o concurso em moldes que possam suscitar o interesse dos empreiteiros potenciais. Cabe ao poder central essa tarefa, e todos me asseguram que o empenhamento se mantém. Cumpre-nos aguardar, com esperança e serenidade, e ao mesmo tempo tudo fazer para que a esperança se torne realidade.

Entretanto, e ao abrigo do mesmo protocolo que estabeleceu a cooperação entre Município e Poder Central, foram postas em funcionamento no final de Agosto último as instalações provisórias que permitiram transferir o Juízo do Trabalho e o Juízo de Família e Menores dos sítios onde se encontravam. É solução temporária e provisória, sem dúvida, mas é justo dizer que se tratou de um passo da maior importância – basta pensar em quantos anos o Tribunal do Trabalho tinha funcionado no velho pardieiro degradado, ou nos quatro anos inteiros que o Juízo de Família e Menores levava deslocalizado em Ferreira do Alentejo.

Deste forma duas das valências mais relevantes do Tribunal da Comarca encontraram momentaneamente resposta para os seus problemas mais candentes, o que já não é pouco. O público utente também ficou evidentemente beneficiado com a mudança (todos, e não só aqueles que precisem de fazer um exame médico em processo por acidente de trabalho ou os que antes teriam que viajar até Ferreira para regular responsabilidades parentais).

 Só pela parte do caminho já percorrida cremos poder dizer que o balanço é positivo. Falta a parte restante, o que não é pouco. Mas acreditamos que a esperança se justifica, e que um dia destes vai tornar-se realidade.

 (Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)


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