Opinião (Rogério Copeto): A “NOVA” LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO.
A Assembleia da República aprovou na última 6ª-feira, dia 5 de junho, a segunda alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) desde a sua entrada em vigor em 1 de setembro de 2001, tendo sido alterados 76 artigos, no total de 128 e introduzidos 6 novos artigos.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
Apesar de não se tratar de uma nova Lei, verifica-se que as alterações introduzidas em mais de metade do diploma são significativas, constituindo-se como alterações, que mantendo a matriz e os princípios do Sistema de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo (SPCJP), vêem melhorar substancialmente esse mesmo sistema.
Não pretendendo fazer uma revisão de todos os artigos que foram alterados, mas sim dar conta daquelas, que em nosso entender serão as alterações que mais benefícios trarão ao SPCJP, sendo também aquelas que todos os operadores do sistema já há muito ansiavam.
Desde logo a alteração à definição de “interesse superior da criança” que passa a ter em consideração “a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas”. Também a definição de situação de emergência é alterada, passando a ser um conceito mais abrangente, exigindo no entanto, sempre uma protecção imediata nos termos dos procedimentos de urgência do artº 91, que também sofreu alterações, que serão mais à frente referidas, como não poderia deixar de ser.
As Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude (ECMIJ) ganham uma nova definição, vendo ainda reforçado o seu papel na prevenção de situações de perigo para crianças e jovens.
No que diz respeito à intervenção das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ), essa intervenção continua a depender sempre do consentimento dos progenitores, sendo agora esse consentimento, melhor esclarecido, facilitando a intervenção das CPCJ’s.
No âmbito da intervenção judicial são introduzidas novos motivos para que as CPCJ´s solicitem a intervenção do Ministério Público, sendo nesses casos o processo remetido sempre ao Tribunal.
A colaboração dos serviços públicos, autoridades administrativas e entidades policiais com as CPCJ´s é alargado ao dever de informar e emitir, sem custas, quaisquer documentos por estas solicitados, sendo para isso introduzido ainda um novo artigo sobre acesso aos dados pessoais sensíveis.
Outro novo artigo que é introduzido obriga as CPCJ´s a possuir nos termos da lei um livro de reclamações, cabendo à Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) apreciar todas as reclamações apresentadas.
Uma das alterações mais relevantes é a que é feita no âmbito do apoio ao funcionamento das CPCJ´s, deixando de estar previsto o mero “apoio logístico” por parte dos municípios, alargando-se o apoio à vertente financeira e administrativa, com todas as consequências que advêm dessas novas responsabilidades para o município, vendo as CPCJ’s ampliados os apoios recebidos, tão necessários para o seu bom funcionamento, podendo ainda as CPCJ´s protocolar a afectação de recursos humanos, com as entidades representadas na comissão alargada, mecanismo inovador que permite colmatar os constrangimentos com que as CPCJ´s sempre se debateram.
Também inovador é a possibilidade de passarem a existir CPCJ´s intermunicipais, em municípios adjacentes com menor número de habitantes, tendo como intuito potenciar a qualificação da resposta protectiva a crianças e jovens locais.
A composição da CPCJ é alargada em número de membros, passando o Ministério da Administração Interna a estar representado por todos as forças de segurança representadas na área de competência territorial da CPCJ’s, concluindo-se que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras passará a integrar a modalidade alargada das CPCJ´s.
As competências da comissão alargada também são aumentadas, assim como o seu funcionamento é alterado, devendo as mesmas reunir agora todos os meses e os seus membros afectarem oito horas de trabalho efectivo, integradas no seu período normal de trabalho.
Também a composição da comissão restrita é aumentada, verificando-se que a saúde e a educação passam obrigatoriamente a estar representadas, para além da segurança social, bem como as suas competências são alargadas, cabendo-lhe agora decidir da abertura e da instrução do processo de promoção e protecção, sendo criada a figura do “Gestor de Processo”, com a introdução de um novo artigo, que lhe confere a competência de mobilizar os intervenientes e os recursos disponíveis para assegurar todos os apoios de que a criança e a sua família necessitam.
O presidente da CPCJ vê o seu cargo “profissionalizado”, passando o membro eleito a exerce-lo a tempo inteiro, nos casos em que na área da sua CPCJ existam 5.000 ou mais habitantes com pelo menos 18 anos de idade, sendo a entidade de origem do presidente eleito, notificada através da acta da reunião que o elegeu, vendo ainda o membro eleito como presidente a sua avaliação valorizada, pelo desempenho como presidente da CPCJ.
Para fortalecimento das CPCJ´s os comissários vêem o seu trabalhado reconhecido como prioritário, relativamente ao que exercem nos respetivos serviços, constituindo-se como serviço público obrigatório, sendo ainda considerado como prestado na sua profissão, passando os seus mandatos a ser de três anos, renovável por duas vezes, sendo o mandato do presidente renovável por uma única vez, permitindo dessa forma um melhor aproveitamento do conhecimento e experiência dos comissários.
No âmbito das medidas de promoção, o “acolhimento institucional” muda de nome para “acolhimento residencial”, sendo ainda alterado a medida promoção de “confiança de pessoa seleccionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção”, possibilitando agora esta medida também a confiança a família de acolhimento com vista a adoção, viabilizando-se desta forma uma transição harmoniosa entre o acolhimento familiar e o projecto adoptivo.
As “medidas provisórias” passam a denominar-se de “medidas cautelares” sendo aplicadas pelo Tribunal em situações de emergência e pelas CPCJ’s enquanto procedem ao diagnóstico da situação.
Ainda no âmbito das medidas de promoção e protecção, elas não poderão ter uma aplicação temporal muito extenso, por motivo de sucessivas medidas aplicadas, cabendo ao Ministério Público avaliar a estratégia implementada, tendo em conta o “tempo da criança”.
Conforme referido no início do presente texto, não era intenção fazer uma revisão exaustiva de todas as alterações introduzidas à LPCJP, mas sim aquelas que um texto de 3 páginas permite, não podendo terminar sem abordar as alterações ao famigerado artigo 91º “Procedimentos urgentes na ausência do consentimento”.
As alterações que o artº 91º sofreu, apesar de subtis, alteram a sua aplicação na forma como sempre defendemos, passando a ser um procedimento obrigatório para todas as ECMJI, que verifiquem uma situação de perigo actual ou iminente para a vida da criança ou jovem, deixando de ser, como alguns autores defendiam, exclusivo das Forças de Segurança. Também a sua aplicação é alargada às situações de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou do jovem, e não só à integridade física, como na anterior redacção.
Mas a alteração que mais diferença fará é a substituição na letra da lei das palavras “…e haja oposição…” por “…na ausência de consentimento…”, o que alarga a sua aplicação, uma vez que não há necessidade da oposição expressa dos pais, bastando a ausência do consentimento, o que muitas vezes acontece, por os mesmos não estarem presentes, aquando da situação de perigo e por isso inibir a aplicação do artº 91º.
Conforme referido, as alterações introduzidas ao artº 91º, apesar de subtis, são essenciais para esclarecer um procedimento que pode salvar vidas e que por diferentes interpretações do mesmo, motivaram no passado alguns conflitos entre as ECMJI, as Forças de Segurança e o Ministério Público, que estamos em crer deixarão agora de existir.
Como principal conclusão, verifica-se que apesar de não ser uma “nova” LPCJP, as alterações nela introduzidas, vêm sem dúvida melhorar o “Sistema de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, merecendo por isso o nosso aplauso.