Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): A GNR E AS ARMAS.


O presente artigo podia ser sobre as “armas de Tancos”, mas não é. É sobre a necessidade de reformar a Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro (Lei das Armas).

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Sobre o envolvimento da GNR na recuperação das “armas de Tancos”, limitamo-nos a dar eco às palavras do Exmº Sr. Primeiro-Ministro, Dr. António Costa, que felicitou a GNR por esse facto, conforme peça da Rádio Renascença de 20 de outubro, com o título “António Costa felicita trabalho da PJM e GNR por causa de Tancos”, onde é referido que “O primeiro-ministro, António Costa, felicitou esta sexta-feira ‘o trabalho desenvolvido pela Polícia Judiciária Militar (PJM) e pela Guarda Nacional Republicana (GNR) que permitiu recuperar’ o material militar furtado nos paióis de Tancos.”

A colaboração prestada pela GNR à PJM na operação de recuperação das “armas de Tancos”, não é surpresa para ninguém, tendo em conta as excelentes relações entre estes dois órgãos de polícia criminal (OPC), sendo normal a PJM solicitar a colaboração da GNR nas várias investigações que desenvolve, pelo simples facto de existirem militares da GNR a prestarem serviço na PJM.

Mas conforme referido no início, o presente artigo é sobre a GNR e as armas de fogo e substâncias explosivas, tendo este assunto sido abordado no nosso artigo com o título “As mortíferas fábricas de pirotecnia” publicado no dia 27 de setembro, onde tivemos oportunidade de sugerir uma profunda reforma na Lei das Armas, nomeadamente no que diz respeito à exclusividade do licenciamento e controlo sobre o uso e transporte de armas, munições e substâncias explosivas, por motivo da necessidade aumentar a segurança nas fábricas de pirotecnia, de modo a diminuírem os acidentes mortais, que ocorrem com frequência neste tipo de industria.

Para além desse motivo apresentamos no presente artigo outros fundamentos para a necessidade de atribuir à GNR as mesmas competências no licenciamento e controlo sobre o uso e transporte de armas, munições e substâncias explosivas que à PSP, uma vez que essa competência não deve estar atribuída em exclusividade a um único OPC.

A GNR tem á sua responsabilidade cerca de 94% do território nacional e mais de metade da população, que é servida por uma rede de 500 Postos Territoriais da GNR onde qualquer cidadão se pode deslocar, encurtando assim as distâncias entre a administração e o cidadão, fundamental para uma grande fatia da população com poucos recursos, onde se incluem os idosos.

A maioria das atividades que usam substâncias explosivas localizam-se na área à responsabilidade da GNR, como por exemplo as já referidas fábricas de pirotecnia e as pedreiras.

A maior atividade que a população portuguesa desenvolve com recurso a armas de fogos é o ato venatório, que é praticado na área de jurisdição da GNR, não sendo no entanto a sua fiscalização, uma exclusividade da GNR, conforme resulta da “Lei da caça”, onde consta “O policiamento e a fiscalização da caça competem ao Corpo Nacional da Guarda Florestal, à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, aos guardas florestais auxiliares, à Polícia Marítima, à polícia municipal e aos vigilantes da natureza, nos termos das suas competências, bem como às autoridades a quem venham a ser atribuídas essas competências”. 

Sobre a fiscalização da caça damos eco à última operação que a GNR desenvolveu, conforme artigo do Diário de Noticias de 13 de outubro, com o título “GNR deteta mais de uma centena de infrações em operação dirigida à caça” onde consta que “A GNR instaurou 107 autos de contraordenação por desrespeito da lei da caça, falta de registo de canídeos e infrações à lei das armas, durante ações de fiscalização a nível nacional”, tendo a operação de fiscalização, denominada de “Operação Artemis”, sido realizada pelo militares pertencentes ao Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), dias 5, 8 e 12 de outubro, onde foram detidas 12 pessoas e apreendidas 22 armas de caça.

Este tipo de operações desenvolvidas pelo SEPNA têm como “objetivo compatibilizar a atividade cinegética com a conservação da natureza e da biodiversidade, prevenindo, detetando e reprimindo situações em desconformidade com a lei”, sendo a fiscalização do armamento e do seu acondicionamento uma das áreas fiscalizadas pela GNR, revestindo este tipo de operações especial importância, tendo em conta a existência de 1,5 milhões de armas de fogo licenciadas em Portugal, sendo a sua maioria, armas de caça, conforme artigo do Diário de Notícias de 23 de maio do ano passado, com o título “Portugal tem cerca de 1,5 milhões de armas legais”.

Se existem 1,5 milhões de armas legais, um estudo de 2010, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra estimou que existiriam em Portugal 1,2 milhões de armas de fogo ilegais, conforme dava conta o artigo do Jornal de Notícias de 20 de maio de 2010, com o título “Portugal terá 1,2 milhões de armas de fogo ilegais”, concluindo-se que um quarto da população portuguesa possui uma arma legal ou ilegal, sendo que outra das conclusões do estudo “indica que a maioria das armas ilegais é espingardas de caça”.

O artigo do JN refere que “o estudo do CES é tido como o primeiro trabalho de base científica realizado, em Portugal, sobre a realidade das armas”, concluindo também “que muitas das armas ilegais já foram legais. A mudança é explicada, em boa medida, pelo furto e extravio dessas armas. Entre 2004 e 2007, contabilizam as investigadoras, foram furtadas ou extraviadas 5913 armas de fogo, o que deu uma média de quatro por dia (70% de caçadeiras, 17% de pistolas e 9% de revólveres)”.

Sobre a apreensão de armas, o Relatório Anual de Segurança Interna de 2016 (RASI-2016) dá conta que em 2016 foram apreendidas 9172 armas de fogo, em resultado de 7895 ações (fiscalizações, buscas e ações de sensibilização), referindo ainda o RASI-2016 que no âmbito das “Operações Especiais de Prevenção Criminal – Lei das Armas”, cujo objectivo é “efectuar o controlo, detecção e fiscalização da regularidade da situação das armas, seus componentes ou munições, ou substâncias ou produtos a que se refere a Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, reduzindo o risco de prática de ilícitos”, foram realizadas 323 operações, onde foram empenhados 7209 militares da GNR e agentes da PSP, detidas 397 pessoas e apreendidas 108 armas de fogo, representando 1,2% de todas as armas de fogo apreendidas em 2016, concluindo-se que a maioria das apreensões resulta de fiscalizações e de buscas, tendo as referidas “Operações Especiais de Prevenção Criminal – Lei das Armas” uma eficácia de 1,2% e o rácio de 67 militares/agentes para cada arma apreendida.

Pelo exposto e ainda pela natureza militar da GNR voltamos a referir que o licenciamento e controlo sobre o uso e transporte de armas, munições e substâncias explosivas, deverá ser extensivo à GNR, aumentando dessa forma a eficácia da Lei das Armas.

 


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