Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): ALIENAÇÃO PARENTAL.
A situação que nas próximas linhas descreverei é fictícia e qualquer semelhança com a ocorrência que aconteceu faz hoje oito dias numa praia em Caxias é pura coincidência.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
“Em novembro do ano passado, um casal desentende-se e a mulher é posta fora de casa, pelo companheiro, cidadão português, que a seguir solicita à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima ajuda, alegando que é vítima de violência doméstica, por parte da sua companheira e mãe de duas crianças pequenas, sendo uma das crianças também vítima de abusos sexuais, por parte da progenitora.
A APAV presta ao referido cidadão e alegada vítima de violência doméstica, toda a ajuda solicitada, bem como aos seus filhos, indicando-lhe no entanto a necessidade de promover junto das autoridades a respetiva participação criminal.
O cidadão após ser quatro vezes atendido na APAV deixa de a contactar, perdendo-lhe esta o rasto, no entanto cumprindo as suas indicações, dirige-se à GNR, autoridade policial com responsabilidades na área da sua residência, onde participa que foi vítima de violência doméstica por parte da sua companheira e mãe dos seus filhos, assim como o seu filho mais velho foi também vítima de abusos sexuais, por parte da agressora.
Os militares da GNR atendem a alegada vítima de violência doméstica e como é da sua responsabilidade nestas situações aplicam-lhe o instrumento de “Avaliação de Risco” em uso na GNR, na PSP e no Ministério Publico, e que tem como objectivo facilitar a análise das situações concretas de violência doméstica, introduzindo uma maior objetividade, identificando o nível de risco presente e assim melhor orientar a intervenção policial no sentido de promover a segurança das vítimas.
Este instrumento permite avaliar o risco de forma rápida e prática, de modo a perceber qual o nível de risco associado à vítima de violência doméstica, podendo ser elevado, médio ou baixo e que de acordo com o nível de risco, deverão ser executadas determinadas medidas de segurança de proteção às vítimas.
Da avaliação de risco efectuada pela GNR resulta um nível de risco elevado, tendo por isso sido elaborado um “Plano de Segurança” para a vítima e para os seus filhos, sendo também informada dos recursos/respostas de apoio que tem à sua disposição, atribuindo-lhe ainda o respectivo “Estatuto de Vítima”, fornece-lhe os contatos dos números de emergência e da própria GNR, devendo esta, a partir desse momento estabelecer contatos regulares com a vítima e os seus filhos, de forma presencial ou por telefone, bem como acompanhá-la quando solicitado, aos locais onde tenha de ir (ex: tribunal, segurança social, hospital, etc.), até que seja aplicada uma medida de coação à agressora ou de teleassistência à vítima através do Serviço de Teleassistência a Vítimas de Violência Doméstica.
E porque no referido caso, a avaliação de risco resultou ser elevado, para além das medidas anteriormente referidas, e porque a ofensora não pode ser detida em flagrante delito ou fora de flagrante delito (após verificados que não estavam reunidos os pressupostos para a sua detenção fora de flagrante delito), foi considerada a hipótese da vítima se afastar da ofensora, tendo-lhe sido aconselhada recorrer a uma casa-abrigo ou uma casa de familiar/amigo/colega da sua confiança nos primeiros dias, tendo ainda sido proposto à vítima a aplicação da medida de teleassistência, posteriormente validada pelo Ministério Público, mas que recusa, não justificando a razão.
A GNR ficou ainda com a responsabilidade de executar nova avaliação de risco nos próximos 3 a 7 dias, por motivo do risco ser considerado elevado, bem como sinalizar à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ) a duas crianças, conforme resulta das suas obrigações no âmbito do Sistema de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, cujo sistema beneficia desde os finais do ano passado de uma nova Lei.
A CPCJ ao receber a sinalização efectuada pela GNR, notifica a alegada vítima e os seus filhos, mas não lhe aplica uma “Medida de Promoção e Proteção” onde são definidas um conjunto de medidas de acordo com a situação conhecida, com o objectivo de garantir o superior interesse das crianças, remetendo o processo directamente ao Ministério Público, porque para cumprimento das medidas, é necessário o consentimento de ambos os progenitores, não sendo possível nesta situação, envolver a progenitora, por esta estar a ser acusada da prática de abusos sexuais, deixando assim de acompanhar a situação.
E a GNR perde também o rasto à vítima, por motivo desta se ausentar da sua residência e não comunicar a sua nova localização, desconhecendo o seu paradeiro.
Assim, entre novembro/dezembro de 2015 até o passado dia 15 de fevereiro a vítima continua a contactar a ofensora, bem como comunica a familiares e amigos o seu receio pelo facto da mesma referir querer ficar-lhe com os filhos, motivo pelo qual, muda com frequência de local de residência, para evitar que a ofensora tenha contactos com os seus filhos, não recorrendo no entanto, à ajuda das autoridades, quer da GNR ou da CPCJ ou mesmo da APAV.
No dia 15 de fevereiro o referido cidadão e alegada vítima de violência doméstica, é socorrido por um pescador, ao sair de uma barragem do interior do país, em avançado estado de hipotermia, gritando pelos seus filhos, que alegadamente estariam dentro de água.
O pescador consegue socorrer o cidadão transportando-o para fora de água e chamar o socorro, que aparece minutos depois, mas nada consegue fazer para salvar as duas crianças, que entretanto aparecem já cadáveres.
O caso é notícia em todos os órgãos de comunicação social, sendo que as primeiras notícias dão conta de um provável acidente, para pouco depois se noticiar que o cidadão seria vítima de violência doméstica e os seus filhos vítimas de abusos sexuais, por parte da sua companheira e mãe das crianças que faleceram, tendo-lhe por isso sido apontado o dedo como única responsável por tamanha tragédia, “um monstro”.
Entretanto os jornais, as rádios e as televisões procuram explicações, convidando especialistas e peritos, que rapidamente concluem que o “sistema falhou”, por terem falhado todas as entidades que acompanharam aquela vítima de violência doméstica e os seus filhos, porque não conseguiram salvar aquelas crianças.
Com o decorrer do tempo vão-se conhecendo mais pormenores, nomeadamente a falta de provas dos alegados abusos sexuais, assim como o resultado das diligências realizadas pelo Ministério Público, coadjuvado pela Policia Judiciária, a quem foi entregue a investigação da morte das duas crianças, tendo como uma das primeiras diligências realizadas a detenção do pai das crianças, para ser interrogado pelo Juiz de Instrução Criminal (JIC).
No primeiro interrogatório de arguido detido, o pai das crianças não presta declarações, e no final é-lhe aplicada a mais gravosa medida de coacção, a prisão preventiva, pela prática de dois crimes de homicídio qualificado.
O JIC não teve dúvidas em considerar que aquele cidadão matou os seus filhos, nem considerou qualquer atenuante, sendo que uma das provas mais evidentes do duplo homicídio foi o facto do pai das crianças, quando encontrado pelo pescador só estava molhado da cintura para baixo, tendo o Ministério Público informado posteriormente que os elementos probatórios reunidos indiciam a prática de dois crimes de homicídio qualificado cometidos em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, como sejam a qualidade de progenitor dos menores, e a muito especial fragilidade e vulnerabilidade das vítimas motivada pela sua tenra idade e inerente impossibilidade de se defenderem.
Após conhecimento de todos estes factos e da versão da alegada agressora, que nega todas as acusações, passados 5 dias as notícias passam a dar conta que aquele individuo matou os seus filhos para se vingar da sua companheira, porque não pretendia que ficasse com os seus filhos, e presumindo que todo o seu comportamento desde novembro pudesse ter esse desfecho, preferiu matar os seus filhos, a ter que os entregar à sua própria mãe.
Fim”.
Termino o artigo, que já vai longo, referindo que hoje dia 22 de fevereiro se assinala o “Dia Europeu da Vítima de Crime” e por isso a GNR realiza várias ações de sensibilização, com o objetivo de consciencializar a população para a importância da denúncia dos crimes e para os direitos das vítimas, podendo essa denuncia ser feita de diversas formas, presencialmente ou online, podendo encontrar toda a informação, com garantia da necessária confidencialidade da denuncia, nomeadamente no Portal Queixa Electrónica, no Portal Infovítimas, no Portal do cidadão, na GNR, na PSP e na APAV.
Para aqueles que não perceberam o motivo pelo qual o presente artigo tem como título “Alienação Parental”, não se preocupem porque não são os únicos, fazem parte daqueles que tendo acompanhado a Sónia e as filhas, não conseguiram diagnosticar correctamente a situação, sendo que algumas dessas pessoas, diga-se em abono da verdade, não tem a necessária formação, nem isso lhes é exigido, como é o caso dos jornalistas, aconselhando a todos uma visita á página da “Associação para a Igualdade Parental”, para melhor esclarecimento.