Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): DENUNCIAR AS PRAXES ABUSIVAS.


De acordo com o artigo do Jornal de Notícias de 14 de setembro as “Queixas por praxe abusiva duplicaram”, verificando-se da leitura do mesmo, que foram apresentadas 18 queixas no ano lectivo 2016/2017, tendo no ano letivo anterior sido apresentadas 10. E sendo a matemática uma ciência exata, não é correto dizer-se que 18 é o dobro de 10, mesmo quando se pretende destacar que as queixas por praxe abusiva estão a aumentar.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

No referido artigo consta que “no último ano letivo, a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) recebeu através de email e linha telefónica, criados em 2015, 18 comunicações relativas a praxes abusivas”, tendo esta “linha telefónica” recebido 80 queixas referentes ao ano lectivo 2014/2015, conforme tivemos oportunidade de referir aqui no LN, no artigo de setembro de 2015, denominado “Praxe violenta é crime”, por motivo de um artigo publicado no JN no dia 24 de Setembro de 2015 com o título “Caloira no hospital após praxe com álcool na praia”, que denunciava uma praxe que consistia em enterrar os jovens na areia enquanto lhes eram administradas bebidas alcoólicas.

A referida “linha telefónica”, consiste não só num número de telefone (213 126 111), mas também num endereço de correio eletrónico (praxesabusivas@mec.gov.pt), e foi criada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), na sequência dos trágicos acontecimentos ocorridos na Praia do Moinho, no concelho de Sesimbra em dezembro de 2013 e que vitimou 6 jovens, juntamente com uma campanha, lançada em 2014, denominada “Tolerância zero à praxe violenta e abusiva”, para combater as “praxes violentas e abusivas”, onde foi recomendado aos estabelecimentos de ensino superior, “a inclusão nos respetivos regulamentos disciplinares de normas que explicitem que o estudante tem o dever de não praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica sobre outros, designadamente no âmbito das praxes académicas, e que tal prática, por ação ou omissão, deve considerar-se infração disciplinar“.

Esta campanha, que presumimos ainda estar em vigor, não estará a ter os resultados pretendidos, porque se verifica que os números de queixas continuam a ser muito baixos, tendo nos últimos dois anos letivos sido recebidas 10 e 18 queixas, respectivamente, quando no ano lectivo 2014/2015 tinham sido recebidas 80 queixas, pelo que se pode concluir, que nos últimos dois anos letivos, foram apresentadas 18 queixas, representando um número muito reduzido de queixas, porque se pretende que todas as praxes abusivas sejam denunciadas.

Já na altura referimos que para o insucesso da campanha “Tolerância zero à praxe violenta e abusiva” terá eventualmente contribuído, a transmissão da ideia de que “…praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica…deve considerar-se infração disciplinar”, sabendo que apesar de alguém considerar que enterrar pessoas na areia é praxe, é também sinónimo de tortura, muito mais do que “praxe violenta e abusiva”, consiste numa conduta, que pode ser tipificada como crime, não podendo as tradições académicas, que fazem falta em qualquer estabelecimento de ensino superior, consubstanciar a prática de crime de ofensas à integridade física, de ameaças, de coacção ou de injúria.

No entanto importa referir que todos os crimes indicados são semipúblicos, necessitando que a vítima apresente a respetiva queixa, bem como o eventual consentimento da vítima na participação dessas atividades, expresso ou presumido, que funciona como causa de exclusão da ilicitude do eventual crime, e para que o autor seja punido deve provar-se que o mesmo foi cometido com intenção (dolo) ou pelo menos que o autor sabendo que as circunstâncias do seu comportamento eram perigosas, ainda assim se conformou com os eventuais resultados (dolo eventual).

Independentemente do atrás referido, os crimes sejam eles semipúblicos ou públicos devem ser comunicados às autoridades por quem deles tiver conhecimento, porque cabe depois ao Ministério Publico determinar inicio o inquérito crime ou arquivar a participação por ausência do desejo por parte da vítima em apresentar queixa.

Para inverter esta situação, somos da opinião, que a campanha deveria referir que as “praxes violentas e abusivas” poderão eventualmente constituir a prática de um crime previsto e punido pelo Código Penal, devendo nesse caso serem comunicadas ao Ministério Público ou às autoridades policiais, ou preferindo usar a internet acedendo ao portal da Queixa electrónica, e participar os fatos.

Assim, consideramos que quando são praticadas “praxes violentas e abusivas” poderão ser cometidos crimes, e por isso têm de ser tratados como tal, de acordo com o previsto na legislação penal, e não num qualquer regulamento interno, como infracção disciplinar, levando a que nenhuma dessas condutas seja realmente punida, provocando nos autores um sentimento de impunidade.

Também para reforço do combate a este fenómeno das “praxes violentas e abusivas”, tivemos oportunidade de em 2015, sugerir o alargamento do “Programa Escola Segura” (PES), aos estabelecimentos de ensino superior, com os mesmos objectivos que existem para os estabelecimentos de ensino básico e secundário, que entre outros, visa prevenir e combater a prática de crimes no interior e fora dos estabelecimentos de ensino, tendo essa sugestão sido referida pela jornalista Joana Costa, do jornal Sol, no seu artigo denominado “Praxes sem controlo”, publicado no dia 7 de outubro de 2015, onde deu ainda eco às palavras de investigadores, responsáveis por estabelecimentos de ensino superior, do Presidente do Conselho de Reitores e do Presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, tendo sido todos unânimes em condenar as praxes violentas.

Também no nosso artigo com o título “De volta às aulas, volta a praxe” de 7 de Setembro do ano passado, reiteramos essa sugestão, assim como demos eco à carta aberta do Ministro da Ciência e Ensino Superior, dirigida a todos os estabelecimentos de ensino superior, onde é referido que “não quer que as instituições de ensino superior reconheçam as comissões de praxe e outros órgãos que regulam as praxes académicas” criticando “o ‘abuso e humilhação’ associados às tradições académicas” e defendendo “que devem ser feitos programas de recepção aos novos alunos centrados na cultura e na ciência que sirvam de ‘alternativa’ aos ritos habituais no início do ano lectivo”.

Por isso foi sem surpresa que no nosso artigo de 22 de março deste ano, com o título “Aos 25 anos a Escola Segura entrou na universidade ou não”, para além de lembrar que o PES completa este ano letivo 25 anos de existência, referimos ainda que a GNR através do Programa “Universidade em Segurança”, alargou pela primeira vez os objetivos do PES, aos estabelecimentos de ensino superior, tendo como principal objectivo a garantia de uma segurança mais próxima de toda a comunidade universitária, incluindo as áreas envolventes dos estabelecimentos de ensino superior.

Assim, sabendo que este ano lectivo pela primeira vez a GNR estará presente em todos os estabelecimentos de ensino superior à sua responsabilidade, no âmbito do Programa “Universidade em Segurança”, acreditamos este novo ano letivo comece sem percalços, porque no que diz respeito à segurança é dever da GNR contribuir para que o novo ano letivo se inicie com tranquilidade, como sempre acontece nos estabelecimentos escolares de ensino básico e secundários, esperando por isso que este ano possamos dizer o mesmo aos estabelecimentos de ensino superior, e que não se repitam as notícias de praxes que consistem em enterrar jovens universitários na areia enquanto lhes são administradas bebidas alcoólicas ou outras da mesma índole.


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