Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): INVESTIGAR A VIOLAÇÃO.
É punido com pena de prisão de três a dez anos, quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa, a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral ou a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
Iniciamos o presente artigo com a redação do crime de “Violação” previsto e punido pelo número (n.º) 1 do Artigo (art.º) 164.º, do Código Penal (CP), sendo a redacção do n.º 2 do mesmo art.º a seguinte: “Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos; é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.”
Da leitura do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 164.º, uma primeira conclusão pode-se retirar, existem dois tipos de “Violação”, uma mais grave que outra, sendo que a partir daqui deixamos à doutrina e à jurisprudência a explicação sobre as diferenças entre os dois tipos de “Violação”, prque não é o tema deste artigo e não nos sentimos capazes de interpretar a redacção do art.º 164.º, do ponto de vista jurídico.
Para isso é necessário densificar as definições de “ato sexual”, de “violência” e de “consentimento”, sendo ainda necessário ser tudo interpretado à luz da “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica”, aprovada em Istambul em 11 de maio de 2011 e conhecida como “Convenção de Istambul”.
Sem esquecer que para além do crime de “Violação” o CP prevê e pune no art.º 163.º o crime de “Coação Sexual”, que na sua forma mais grave poderá consubstanciar o crime de “Violação”, estando a diferença no tipo de “atos sexuais” praticados, podendo estes serem divididos em “atos sexuais de especial relevo”, “atos sexuais de relevo”, “atos de contacto sexual” e “atos de exibicionismo”.
E de acordo com o previsto no n.º 1 do art.º 164.º é necessário a existência de violência, para cometer o crime de “Violação” na sua forma mais grave, não especificando, se a violência pode ser psicológica ou se o dissentimento (não consentimento) por parte da vítima é suficiente para preencher o tipo legal de crime.
Não sendo ainda a expressão “consentimento” usada em toda a redacção do art.º 164.º, dificultando a sua aplicação, na maioria das “Violações”, por serem perpetradas por um individuo do sexo masculino conhecido da vítima, numa relação de proximidade e de confiança, não envolvendo por isso força física e em espaços privados, pelo que raramente o não consentimento é verbalizado.
De referir ainda que o crime de “Violação” é semi-público pelo que necessita de ser apresentada queixa pela vítima, exceto quando o interesse da mesma o aconselhe, podendo o Ministério Público (MP) dar início ao processo, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.
Mas foquemo-nos no tema do artigo, que é a investigação do crime de “Violação” por parte dos órgãos de polícia criminal (OPC), podendo este ser investigado pela GNR ou pela PSP, exceto quando agravado pelo resultado, por morte da vítima, sendo neste caso competência da Polícia Judiciária (PJ).
A investigação de um crime de “Violação” por parte de um OPC inicia-se com conhecimento dos factos, nomeadamente o relato da ocorrência, podendo a investigação variar, porque cada caso é diferente. No entanto, todas as investigações começam com os mesmos passos, de modo a garantir que é recolhido o máximo de vestígios e provas, o mais rápido possível, ao mesmo tempo em que é dado todo o apoio e aconselhamento de que a vítima necessita.
Sempre que ocorre um crime de “Violação”, em princípio estamos perante uma situação de emergência, pelo que encontrando-se a vítima em perigo imediato, porque o crime está ocorrer ou um acabou de ocorrer, é obrigatório ligar o 112 e pedir a presença de elementos das forças de segurança (FS), devendo ser prioridade destas, verificar se a vítima necessita de assistência médica de emergência, procedendo à sua evacuação em caso afirmativo.
Antes da chegada das FS, a coisa mais importante que uma vítima de violação deve fazer, é garantir a sua segurança.
Também é importante saber, que não se deve lavar ou tomar banho, o que irá eliminar qualquer vestígio biológico do agressor (sémen, suor, pelos, etc), pelo que também não deve escovar, pentear ou limpar qualquer parte do corpo, incluindo os dentes. Não mudar de roupa, mas se o fizer deve guarda-la num saco de papel, especialmente a roupa interior. Não tocar nem mudar nada de lugar, no local da ocorrência, sendo que só assim os OPC poderão recolher vestígios e provas que poderão levar à identificação do agressor.
Se entretanto a vítima estiver em condições e verbalizar o que aconteceu, deve tentar responder a cinco perguntas essenciais que o OPC irá fazer: Quem fez? O que aconteceu? Onde aconteceu? Quando aconteceu? Como aconteceu?
Sobre o agressor, se não for detido em flagrante delito, mas for possível identifica-lo e localiza-lo, poderá o mesmo ser detido fora de flagrante delito, mediante mandado de detenção emitido pelo MP ou pela Autoridade de Policia Criminal (APC).
No caso de a vítima não necessitar de tratamento médico, a mesma deve ser transportada ao Posto da GNR ou Esquadrada da PSP, que dispõem de “Salas de apoio à vítima” onde é garantido privacidade e conforto, sendo no caso da GNR atendida por um militar do Núcleo de Investigação e Apoio a Vitimas Especificas (NIAVE), com formação especifica para fornecer a ajuda e o apoio de que a vítima necessita durante toda a investigação e subsequente processo judicial.
Este militar do NIAVE será o único ponto de contato durante toda a investigação, explicando à vítima cada etapa da mesma, respondendo a quaisquer perguntas, que a esta possa ter e, com o seu consentimento, encaminhá-la para as instituições de apoio a vítimas de crime.
Este apoio deve manter-se nos contactos com o MP e com o Tribunal, estando os militares do NIAVE disponíveis para apoio nas deslocações ao Tribunal durante a audiência de julgamento
Todo este apoio tem como objetivo evitar que por medo ou vergonha, as vítimas não denunciem o crime de “Violação”, por acreditarem que ninguém acredita nelas, verificando-se no entanto que as falsas acusações de “Violação” são menos de 10%, de acordo com uma investigação realizada no Reino Unido.
Só denunciando todos os crimes de “Violação” é possível investigar o crime, proteger as vítimas e levar ao Tribunal os agressores, verificando-se no entanto que o aumento deste tipo de crime no último ano é consequência da maior visibilidade que o mesmo tem tido ultimamente, especialmente motivado pelo movimento #metoo, pelo que se devem levar a sério todas as acusações de “Violação”.