Opinião (Rogério Copeto/ Oficial GNR): AS ESTATÍSTICAS CRIMINAIS.
“Estatística é a ciência que utiliza as teorias probabilísticas para explicar a frequência da ocorrência de eventos”, havendo também quem diga que “Estatística é a ciência de torturar os números, até que confessem o que queremos”. Eventualmente as duas definições de Estatística são usadas diariamente, mas só a primeira está correta.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
Posto isto, falemos de estatísticas criminais e do Relatório Anual de Segurança Interna de 2015 (RASI/2015), que apesar de ainda não ter sido publicado, já conhecemos algumas das suas conclusões, através dos vários artigos publicados na semana passada, tendo as mesmas implicações para o aumento ou diminuição do sentimento de segurança das populações, segundo as diferentes leituras, que se poderá fazer da informação já conhecida e veiculada pelos Órgãos de Comunicação Social (OCS).
A maioria dos artigos deu conta do aumento da criminalidade “participada”, tendo a TSF escolhido o título “Criminalidade participada aumentou 13% em 2015”, na RR a noticia teve o título “Criminalidade geral participada sobe pela primeira vez em sete anos” e no Jornal de Negócios o título “Criminalidade aumentou em 2015 e corrupção deu origem a 647 inquéritos”.
Para além das referências ao aumento da criminalidade “participada”, a violência doméstica também mereceu destaque, tendo sido notícia a diminuição desse tipo de crime em 2015, no PTJornal, que difundiu essa informação na notícia com o título “Violência doméstica caiu em 2015, mas ainda houve 26700 vítimas”. O JN deu conta da detenção de 277 pessoas por crimes sexuais, na notícia com o título “277 pessoas detidas em 2015 por crimes de sexuais”. A BeiraNews citando a LUSA, deu a conhecer, que os crimes cometidos nas escolas aumentaram, através do artigo “Segurança: Ocorrências em ambiente escolar aumentaram 6,2%”. O Observador deu a conhecer que os crimes de incêndio aumentaram e os roubos diminuíram, através do artigo com o título “Diagnóstico do crime em Portugal. Crimes de incêndio duplicaram, roubos diminuíram”. E o CM sem dar destaque a nenhum aumento ou diminuição, convida-nos a conhecer o RASI/2015, através do artigo denominado “Conheça em detalhe o Relatório Anual de Segurança Interna”.
Conforme referido, o RASI/2015 ainda não foi publicado, por esse motivo, não é possível conhecer o seu conteúdo, sendo no entanto possível ficar com uma percepção geral do mesmo, através da leitura dos artigos atrás referidos, onde a principal conclusão foi que em 2015 foram cometidos mais crimes, que em 2014, sabendo que alguns tipos de crimes aumentaram, outros diminuíram e outros ainda, foram cometidos pela primeira vez em 2015, uma vez que as respectivas condutas não eram criminalizadas em 2014, podendo estas conclusões levar por isso a uma diminuição do sentimento de segurança, por parte da população, com a agravante que o aumento da criminalidade “participada” não acontecia desde 2008.
O aumento da criminalidade “participada” verificada no ano passado, é expressa em mais 4.721 crimes, comparativamente com 2014, ano em que foram registados 351.311 crimes, tendo em 2015 sido registados 356.032 crimes, correspondendo assim a um aumento de 1,3% da criminalidade.
Conforme já o leitor deve ter reparado, tenho colocado a palavra “participada” entre aspas, por não concordar com a mesma, quando se refere aos crimes que são participados às autoridades policiais. Essa discordância tem a ver com o facto de que os crimes comunicados ao Ministério Público (MP) pelo Órgãos de Policia Criminal (OPC) chegam ao seu conhecimento através de duas formas distintas: da denúncia dos cidadãos, as chamadas queixas ou; das participações dos próprios OPC, em resultado da sua actividade operacional. Assim, sempre dividi os crimes em “Crimes Denunciados”, aqueles que resultam das queixas dos cidadãos e em “Crimes Participados”, como sendo aqueles que são resultado da actividade operacional dos OPC.
Para melhor esclarecimento, desta forma de dividir os crimes, começo por dar conta que uma das responsabilidades de um Comandante de qualquer escalão da GNR, é ter um conhecimento muito pormenorizado das estatísticas criminais da sua área de responsabilidade, tendo por isso, durante os 10 anos em que desempenhei funções de Comandante de Destacamento Territorial tido a oportunidade de elaborar vários relatórios, com o objectivo de informar o escalão superior da criminalidade registada na zona de ação à minha responsabilidade.
Para elaboração desses relatórios, os crimes registados, eram divididos em cinco grandes áreas: crimes contra o património; crimes contra as pessoas; crimes contra o estado; crimes contra a vida em sociedade e; crimes previstos na legislação avulsa.
Nos crimes contra o património estão incluídos todos os furtos e roubos, os danos, as burlas, etc, que se encontram previstos no “Título II – Dos crimes contra o património” do Código Penal.
Os crimes contra as pessoas são os que pertencem ao “Título I – Dos crimes contra as pessoas”, onde estão tipificados os crimes de homicídio, ofensa à integridade física, de ameaça, de violência doméstica, abusos sexuais, etc, tendo ainda no ano passado sido introduzidos três novos tipos de crime: mutilação genital feminina; perseguição e; casamento forçado.
Nos crimes contra o estado, incluem-se as condutas cometidas contra o próprio estado ou os seus funcionários, como por exemplo os agentes de autoridade, tais como o crime de resistência e coacção sobre funcionário, a desobediência, e estão previstos no “Título V – Dos crimes contra o Estado”.
Os crimes contra a vida em sociedade estão previstos no “Título IV – Dos crimes contra a vida em sociedade”, onde se inclui por exemplo o crime de condução em estado de embriaguez e o crime de incêndio.
E nos crimes previstos na legislação avulsa, conforme o próprio nome indica, estão incluídos todos aqueles que não estão previstos no Código Penal, tais como todos os crimes previsto na “Lei da Armas”, como a “posse ilegal de armas”, os previstos na “Lei da Droga” como o “tráfico de estupefacientes”, o “jogo ilegal” e o “abate ilegal”, ambos previstos nos respectivos diplomas, para além de outros que existem tipificados em outras tantas Leis e Decretos-Leis.
Também as cinco áreas atrás referidas, se podem dividir em “Crimes Denunciados” e “Crimes Participados”, porque maioritariamente os crimes contras as pessoas e contra o património, registados pelos OPC, são resultado de queixas feitas pelos cidadãos e os que resultam da actividade operacional, são maioritariamente os que se incluem nos crimes contra o estado, contra a sociedade e os previstos na legislação avulsa.
Assim, desta divisão, em “Crimes Denunciados” e “Crimes Participados”, resulta uma mais fácil análise aos crimes, sabendo que os que causam insegurança nas populações, são sem dúvida, e em primeiro lugar, os crimes contra o património, seguidos dos crimes contra as pessoas, sendo estes, os que são maioritariamente denunciados pelos cidadãos. E os crimes cometidos contra o estado, contra a sociedade e os previstos na legislação avulsa, são aqueles que menos insegurança causam às populações, sendo estes maioritariamente participados pelos OPC.
Concluindo-se por isso, que o trabalho de prevenção deve estar focado na redução dos crimes contra o património e contra as pessoas, devendo as estatísticas criminais, antes de mais, referir se os crimes contra o património e contra as pessoas, aumentou ou diminuiu, em comparação com o período homólogo em análise, e não analisar, se o total de crimes registados aumentou ou diminuiu, porque resulta numa análise redutora.
Sem querer usar a segunda definição de estatística, referida no inicio do presente artigo, e da leitura das várias noticias publicadas pelos OCS sobre o RASI/2015, parece-me que apesar de um aumento dos crimes registados em 2015, a criminalidade denunciada terá diminuído, porque nos crimes contra o património, diminuíram os roubos em edifícios comerciais ou industriais em 14,3%, assim como os roubos em residência em menos 16,2%, os roubos de veículos motorizados tiveram uma redução de 9,1% e o furto de metais não preciosos teve uma diminuição significativa de 21,9%. E nos crimes contra as pessoas, diminuiu a violência doméstica, sem esquecer também os 1.330 crimes de maus-tratos a animais, cuja conduta foi criminalizada em outubro de 2014, e que contribuíram para o aumento da criminalidade em 2015, não aumentando por isso o sentimento de insegurança das pessoas.
Ao contrário, conclui-se que terá havido um aumento da criminalidade resultante da actividade operacional dos OPC, a fazer fé no número de detenções e inquéritos abertos para investigação de crimes, que contribuíram para o aumento do número total de crimes registados, destacando-se também nesta área os crimes de condução em estado de embriaguez, que teve um aumento de 10,2%, contribuindo por isso para um aumento do sentimento de segurança das populações e na confiança nas policias, reforçado ainda pelo facto da criminalidade grave e organizada ter diminuído.
Assim, e sem “torturar” os números já conhecidos do RASI/2015 e ao contrário das notícias que davam conta do aumento da criminalidade registada em 2015, comparativamente com a registada em 2014, que não deixa de ser verdade, parece-me que os portugueses devem estar satisfeitos com o trabalho das polícias, porque o aumento da criminalidade verificou-se fruto da sua eficácia operacional, participando ao MP todas as condutas criminosas de que tiveram conhecimento, sendo a maioria a que resultou, do trabalho realizado no âmbito da sua actividade de investigação criminal e das milhares de operações que realizaram, nas mais variadas valências.
Concluo referindo que em 2015 a diminuição dos “Crimes Denunciados” e o aumento dos ”Crimes Participados” teve como consequência o aumento do sentimento de segurança e da confiança nas polícias, mesmo que o número total de crimes registados tenha aumentado.