Opinião (Rogério Copeto/ Oficial GNR): AVALIAÇÃO DE RISCO NA PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO.


Na semana passada, entre os dias 20 e 24 de março, a TVI divulgou uma investigação jornalística dividida em cinco episódios, denominada “Mães interrompidas”, tendo como mote a retirada de crianças em perigo.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

O primeiro episódio da investigação jornalista da TVI foi emitido no dia 20 de março com o título “Estado acusado de retirar filhos ‘injustamente’”, onde começaram a ser revelados vários “casos de mães e pais que acusam o sistema de lhes retirar os filhos de forma abusiva”.

O 2º episódio foi transmitido no dia seguinte a 21 de março, com o título “Filipe perdeu três mães em quatro anos”, onde foi dado a conhecer o caso de Filipe, que com sete anos de idade “perdeu a família biológica, a família de acolhimento e a mãe adoptante” e o caso de Alcina, que “veio para Portugal devido ao problema de saúde do filho e acabou por ficar sem ele”, questionando-se por isso se “o sistema defende sempre o supremo interesse da criança?”.

No dia 22 de março foi emitido o 3º episódio denominado “Há quem fique sem os filhos ‘por ser pobre’”, tendo sido neste episódio denunciado que “em Portugal há quem fique sem os filhos por ter pouco dinheiro” e que os “Direitos fundamentais podem estar a ser postos em causa por entidades que representam o Estado, em nome da defesa e proteção das crianças”.

O 4º Episódio foi para o ar no dia 23 de março com o título “Rosa lutou e conseguiu, para já, reaver o filho”, onde é referido que “há crianças que ficam nas instituições por uns meses, outras durante anos”.

No dia 24 de março foi transmitido o último episódio com o título “As mães pedem ajuda e ‘o apoio que dão é retirarem os filhos’”, tendo sido explicado que “das oito mil crianças que viviam em instituições, em 2016, mais de 4.500 tinham acima de 12 anos. Mas também há crianças pequenas e recém nascidas: até aos três anos, 735 que esperavam melhores dias”. Foi também divulgado o caso de Sofia que “ficou grávida, perdeu o emprego e acabou por perder a casa. Aceitou ficar temporariamente num lar da Santa Casa de Lisboa e acabou por ficar sem as duas filhas. Uma delas recém nascida”.

Após visualização de todos os episódios verifica-se que o Sistema de Promoção do Direitos e de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Sistema de Proteção) é alvo de várias críticas, nomeadamente de não salvaguardar o superior interesse das crianças e de recorrer indiscriminadamente ao uso dos Procedimentos urgentes na ausência do consentimento previstos no artº 91º da Lei n.º 142/2015 de 8 de Setembro, que procedeu à segunda alteração da “Lei de Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo” (LPDPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, cujo seu nº 1 tem a seguinte redacção: “Quando exista perigo atual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, e na ausência de consentimento dos detentores das responsabilidades parentais ou de quem tenha a guarda de facto, qualquer das entidades referidas no artigo 7.º ou as comissões de proteção tomam as medidas adequadas para a sua proteção imediata e solicitam a intervenção do tribunal ou das entidades policiais”. As entidades referidas no artº 7º são as Entidades com Competência em Matérias de Infância e Juventude (ECMIJ).

Assim, para cumprimento do artº 91º é necessário estarem reunidos cumulativamente três pressupostos (os primeiros dois são requisitos subjetivos e o terceiro, um requisito objetivo): 1º Pressuposto – perigo atual ou iminente; 2º Pressuposto – que esse perigo seja contra vida ou integridade física ou psíquica da criança ou do jovem; 3º Pressuposto – haja ausência de consentimento dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto.

Conforme se pode concluir o uso do artº 91º, para a retirada de crianças e jovens em perigo, só pode ser usado em situações excepcionais, sendo o cumprimento de mandato judicial emanado pelo Tribunal, a situação mais comum, para proceder á retirada de uma criança, e aquela onde não existem dúvidas quanto ao seu cumprimento, podendo na primeira opção não estar reunidos os pressupostos para a sua aplicação, por isso é importante conhecer este normativo, que permite a retirada urgente duma criança ou jovem em situação de perigo iminente para a vida ou integridade física ou psíquica, e haja ausência de consentimento dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto.

Mas sobre este procedimento não nos queremos alongar mais, porque já muito escrevemos sobre ao assunto, e quem quiser saber mais sugerimos uma leitura aos nossos artigos “Retirada de crianças – 1ª parte” e “Retirada de crianças – 2ª parte”.

Assim, para além de todos os intervenientes do Sistema de Proteção terem de conhecer todos os pressupostos para a aplicação do artº 91º, é ainda necessário realizar-se uma correta avaliação do risco, através de um instrumento de avaliação de risco à semelhança do que existe para a violência doméstica (VD).

Como é do conhecimento público, a GNR, a PSP, o Ministério Público, a Saúde a Educação e todas as instituições que intervêm com vítimas de VD passaram a poder recorrer, desde 1 de novembro de 2014, a um instrumento que permite avaliar o risco de forma rápida e prática, de modo a perceber qual o nível de risco associado à vítima, que pode ser elevado, médio ou baixo e de acordo com esse nível de risco, são executadas diversas medidas de segurança, devendo esta boa prática ser alargada ao Sistema de Proteção, porque só assim poderão ser evitadas as alegadas “retiradas abusivas de crianças” e serem aplicadas a medidas de promoção e proteção adequadas.

Mas os mais atentos poderão nesta altura estar a alertar para o facto desse instrumento já existir, para a área da protecção de crianças e jovens em perigo, como é fácil concluir através de uma pesquisa à página da “Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens” (CNPDPCJ), onde podemos encontrar 4 “guias de orientações”: – Guia de Orientações para os Profissionais da Saúde na Abordagem de Situações de Maus Tratos ou Outras Situações de Perigo; – Guia de Orientações para os Profissionais da Ação Social na Abordagem de Situações de Maus Tratos ou Outras Situações de Perigo; – Guia de Orientações para os Profissionais das Forças de Segurança na Abordagem de Situações de Maus Tratos ou Outras Situações de Perigo e;  – Guia de Orientações para os Profissionais da Educação na Abordagem de Situações de Maus Tratos ou Outras Situações de Perigo.

No entanto, da análise aos guias de orientações destinados aos vários profissionais que intervêm no Sistema de Proteção, verificamos que em vez de existir um único instrumento de avaliação de risco, existem quatro diferentes, apesar dos indicadores serem semelhantes, e não são de aplicação obrigatória.

Para que não haja dúvidas, sou um acérrimo defensor do Sistema de Proteção, mas como é sabido todos os sistemas têm margem para a introdução de melhorarias, por isso, considero que a existência de um instrumento de avaliação de risco de aplicação obrigatória, à semelhança do existente para situações de VD, muito contribuiria para a melhoria do Sistema de Proteção. Fica a sugestão.


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