Opinião (Rogério Copeto/ Oficial GNR): TRADIÇÃO IGUAL A HUMILHAÇÃO.
Mais uma vez a notícia de uma suposta praxe abusiva e humilhante lembrou-nos que a tradição académica a que chamam praxe, continua a ser o que sempre foi. Estúpida.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
Por motivo dessa tradição, em dezembro de 2013 na Praia do Moinho, no concelho de Sesimbra morreram 6 jovens estudantes de um estabelecimento de ensino superior.
Em 2015 foi notícia uma suposta praxe, que consistia em enterrar os jovens na areia enquanto lhes eram administradas bebidas alcoólicas.
Este ano novamente a tradição repetiu-se na quinta-feira passada na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, conforme é referido na peça da SIC de 15 de setembro com o título “Caloiros fotografados em roupa interior durante alegada praxe”, tendo a referida fotografia sido partilhada nas redes sociais e mais uma vez gerado uma onda de indignação.
Sobre esse assunto a Subdiretora do JN escreve num artigo com o título “É a tradição, estúpido”, datado de 17 de Setembro, que “a praxe resiste e não será por decreto que se muda ou se evitam práticas abusivas. A praxe resiste porque os próprios estudantes a querem. E as atitudes inadequadas só irão acabar quando os protagonistas perceberem que não fazem sentido”.
A praxe é sinónimo de tradição, mas também sabemos que enterrar pessoas na areia é sinónimo de tortura e despir pessoas num espaço público é humilhá-las.
As tradições académicas fazem falta em qualquer estabelecimento de ensino superior, e desejam-se praxes que sejam integradoras dos novos alunos, conforme é frequente ouvir-se, pelo que é de louvar a iniciativa, que nos foi dada a conhecer pela peça da SIC de 13 de setembro com o título, “Caloiros do ISCTE participam em várias ações de voluntariado”, onde é referido que “a inicativa pretende integrar os novos estudantes e proporcionar-lhes a interação com os alunos mais velhos”.
Mas infelizmente nem todos os estabelecimentos de ensino superior são como o ISCTE e apostam em praxes abusivas e humilhantes, sendo que algumas dessas condutas poderão consubstanciar a prática dos crimes de ofensas à integridade física, de ameaças, de coacção ou de injúria.
No entanto importa referir que todos os crimes indicados são semipúblicos, necessitando que a vítima apresente a respetiva queixa, bem como o eventual consentimento da vítima na participação dessas atividades, expresso ou presumido, funciona como causa de exclusão da ilicitude do eventual crime, e para que o autor seja punido deve provar-se que o mesmo foi cometido com intenção (dolo) ou pelo menos que o autor sabendo que as circunstâncias do seu comportamento eram perigosas, ainda assim se conformou com os eventuais resultados (dolo eventual).
Independentemente do atrás referido, os crimes sejam eles semipúblicos ou públicos devem ser comunicados às autoridades por quem deles tiver conhecimento, porque cabe depois ao Ministério Publico determinar inicio o inquérito crime ou arquivar a participação por ausência do desejo por parte da vítima em apresentar queixa.
Por isso em 2014 o Ministério da Educação e Ciência (MEC) lançou uma campanha, denominada “Tolerância zero à praxe violenta e abusiva”, para combater as praxes violentas e abusivas, recomendando aos estabelecimentos de ensino superior, “a inclusão nos respetivos regulamentos disciplinares de normas que explicitem que o estudante tem o dever de não praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica sobre outros, designadamente no âmbito das praxes académicas, e que tal prática, por ação ou omissão, deve considerar-se infração disciplinar“, tendo também sido disponibilizado um endereço de correio electrónico, praxesabusivas@mec.gov.pt, para denuncia de praxes abusivas.
Mas tendo em conta os constantes relatos da existência de praxes violentas e abusivas e das declarações por parte dos responsáveis dos estabelecimentos de ensino superior, que não conseguem evitar a prática desse tipo de praxes, parece-nos que a campanha lançada o ano passado não teve o sucesso pretendido.
Assim, para inverter esta situação, somos da opinião, que as praxes violentas e abusivas, poderão eventualmente constituir a prática de um crime previsto e punido pelo Código Penal, devem ser comunicadas ao Ministério Público ou às autoridades policiais, ou preferindo usar a internet acedendo ao portal da Queixa electrónica.
Consideramos ainda, que quando são praticadas praxes violentas e abusivas poderão estar a ser cometidos crimes, e por isso têm de ser tratados como tal, de acordo com o previsto na legislação penal, e não num qualquer regulamento interno, como infracção disciplinar, levando a que nenhuma dessas condutas seja realmente punida, provocando nos autores um sentimento de impunidade.
Também para reforço do combate a este fenómeno das praxes abusivas considero que a iniciativa entretanto desenvolvida pela GNR nos estabelecimentos de ensino superior, denominado “Universidade em Segurança”, com objetivos semelhantes ao “Programa Escola Segura”, que existe nos estabelecimentos de ensino básico e secundário, poderá prevenir e combater a prática de crimes no interior e fora dos estabelecimentos de ensino superior, onde se incluem as praxes violentas e abusivas.
No entanto é necessária uma mudança de atitude por parte de toda a população para com esses comportamentos, especialmente a comunidade académica, para que perante condutas que são abusivas, sejam as mesmas denunciadas, porque só a indignação nas redes sociais não é suficiente para banirmos de vez dos nossos estabelecimentos de ensino superior as praxes abusivas.