Opinião (Rogério Copeto): PRAXE VIOLENTA É CRIME.
Sempre que se inicia um novo ano letivo, o tema das praxes volta a ser assunto de discussão e nunca pelos melhores motivos. Desta vez foi a notícia de uma praxe que consistia em enterrar os jovens na areia enquanto lhes eram administradas bebidas alcoólicas.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
Todos sabemos que praxe é sinónimo de tradição, mas também sabemos que enterrar pessoas na areia é sinónimo de tortura, não podendo ser considerada “praxe violenta e abusiva” e por isso não é minha intenção censurar qualquer tradição, seja ela académica ou de qualquer outra índole, mas sim censurar condutas que podem ser tipificadas como crime.
As tradições académicas fazem falta em qualquer estabelecimento de ensino superior, e sei por experiencia própria, porque também frequentei estabelecimentos de ensino superior (civis e militares) e conheço a diferença entre praxe e condutas que poderão consubstanciar a prática dos crimes de ofensas à integridade física, de ameaças, de coacção ou de injúria.
No entanto importa referir que todos os crimes indicados são semipúblicos, necessitando que a vítima apresente a respetiva queixa, bem como o eventual consentimento da vítima na participação dessas atividades, expresso ou presumido, funciona como causa de exclusão da ilicitude do eventual crime, e para que o autor seja punido deve provar-se que o mesmo foi cometido com intenção (dolo) ou pelo menos que o autor sabendo que as circunstâncias do seu comportamento eram perigosas, ainda assim se conformou com os eventuais resultados (dolo eventual).
Independentemente do atrás referido, os crimes sejam eles semipúblicos ou públicos devem ser comunicados às autoridades por quem deles tiver conhecimento, porque cabe depois ao Ministério Publico determinar inicio o inquérito crime ou arquivar a participação por ausência do desejo por parte da vítima em apresentar queixa.
Assim e de regresso à notícia, a mesma lembra-nos os trágicos acontecimentos ocorridos na Praia do Moinho, no concelho de Sesimbra em dezembro de 2013 e que vitimou 6 jovens, não por eventualmente ter sido cometido algum tipo de crime, mas porque também aconteceu numa praia e envolveu estudantes de um estabelecimento de ensino superior.
Por isso e no rescaldo dessa tragédia, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) lançou uma campanha no ano passado, denominada “Tolerância zero à praxe violenta e abusiva”, para combater as “praxes violentas e abusivas”, recomendando aos estabelecimentos de ensino superior, “a inclusão nos respetivos regulamentos disciplinares de normas que explicitem que o estudante tem o dever de não praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica sobre outros, designadamente no âmbito das praxes académicas, e que tal prática, por ação ou omissão, deve considerar-se infração disciplinar“.
No âmbito da referida campanha, foi também disponibilizado um endereço de correio electrónico, praxesabusivas@mec.gov.pt e que continua ativo, para que todos os alunos, vítimas ou não, denunciassem essas condutas, tendo no último ano letivo sido recebidas 80 queixas e este ano 2.
Pelos relatos constantes da existência de “praxes violentas e abusivas” e das declarações por parte dos responsáveis dos estabelecimentos de ensino superior, que não conseguem evitar a prática desse tipo de praxes, parece-nos que a campanha lançada o ano passado não teve o sucesso pretendido.
Para o insucesso da campanha terá eventualmente contribuído, do nosso ponto de vista, a transmissão da ideia de que “…praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica…” constitui só uma infracção disciplinar e que essas condutas devem ser enviadas, para um endereço de correio electrónico (desconhecendo-se quem as recebe e que destino lhes dá).
Para inverter esta situação, somos da opinião, que a campanha deveria referir que as “praxes violentas e abusivas” poderão eventualmente constituir a prática de um crime previsto e punido pelo Código Penal, devendo nesse caso serem comunicadas ao Ministério Público ou às autoridades policiais, ou preferindo usar a internet acedendo ao portal da Queixa electrónica, e participar os fatos.
Assim, consideramos que quando são praticadas “praxes violentas e abusivas” poderão ser cometidos crimes, e por isso têm de ser tratados como tal, de acordo com o previsto na legislação penal, e não num qualquer regulamento interno, como infracção disciplinar, levando a que nenhuma dessas condutas seja realmente punida, provocando nos autores um sentimento de impunidade.
Também para reforço do combate a este fenómeno das “praxes violentas e abusivas” considero que se deve alargar o “Programa Escola Segura” (PES), aos estabelecimentos de ensino superior, com os mesmos objectivos que existem para os estabelecimentos de ensino básico e secundário, que entre outros, visa prevenir e combater a prática de crimes no interior e fora dos estabelecimentos de ensino.
Não necessitarão os nossos universitários do mesmo tipo de sensibilização e informação, que necessitam os nossos alunos mais novos?
Não necessitarão os nossos universitários da proximidade das forças de segurança, como necessitam os nossos alunos do ensino básico e secundários?
Consideramos que os alunos que frequentam o ensino superior necessitam de igual forma de informação e de proximidade, apesar de na sua maioria, serem maiores de idade. Mas quando uma campanha denominada “Tolerância zero à praxe violenta e abusiva” redunda num fracasso, parece-nos que se devem tomar medidas mais incisivas ou brevemente teremos outra tragédia, envolvendo estudantes universitários.
É também necessária uma mudança de atitude por parte de toda a população para com esses comportamentos, sendo necessário que todos nós, perante essas condutas, as devermos denunciar, para que cessem imediatamente, porque só a indignação nas redes sociais não é suficiente para banirmos de vez dos nossos estabelecimentos de ensino superior as “praxes violentas e abusivas”.