Quarta-feira, Dezembro 3, 2025

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CORRUPÇÃO NAS FORÇAS DE SEGURANÇA: CAMINHOS PARA A MITIGAÇÃO

A corrupção nas Forças de Segurança (FS) constitui uma ameaça direta ao Estado de Direito, à confiança pública e à eficácia operacional das instituições responsáveis pela proteção de pessoas e bens, ainda que a esmagadora maioria dos profissionais cumpra com profissionalismo e dedicação as suas funções, o potencial de abuso de autoridade, a possibilidade de acesso privilegiado a informação sensível e a interação diária com situações de risco tornam estas instituições particularmente vulneráveis a práticas corruptas.

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda

Este fenómeno, que pode manifestar-se de diferentes formas, desde pequenos favores indevidos, passando pela aceitação de subornos, até ao envolvimento em redes criminosas organizadas, comprometendo não apenas a legitimidade das FS, mas também a coesão social e a perceção de justiça, e do ponto de vista sociopolítico, a corrupção não surge isolada, ela é, frequentemente, produto de fragilidades sistémicas, insuficiências nos mecanismos de controlo, culturas organizacionais permissivas e até pressões externas que podem afetar os profissionais individualmente ou estruturas inteiras.

Assim, o combate eficaz ao fenómeno exige uma ação coordenada e multissetorial, importando, por isso, distinguir claramente as medidas que competem às tutelas, responsáveis pela definição de políticas públicas, enquadramentos legais, recursos e fiscalização externa, e daquelas que recaem sobre os comandantes, gestores diretos do quotidiano operacional e das práticas internas.

De entre as medidas que podem ser implementadas pela tutela estão o reforço do quadro legislativo e regulamentar, devendo assegurar que o enquadramento jurídico aplicável às FS é claro, atualizado e rigoroso no que diz respeito aos comportamentos proibidos, incompatibilidades, regimes disciplinares e obrigações de transparência, pelo que a definição de normas mais restritas sobre conflitos de interesse, recebimento de vantagens e atuação em contextos de risco é fundamental para limitar zonas de ambiguidade.

Outra medida é o investimento em órgãos de controlo externo e auditoria, pelo que a criação e consolidação de entidades independentes, com autonomia técnica e poderes de inspeção e investigação, constitui um elemento essencial na prevenção da corrupção, nomeadamente através de auditorias periódicas, mecanismos de relato imparcial e avaliação da gestão de recursos humanos e materiais, que permitem identificar padrões suspeitos e corrigir desvios de conduta.

Também a melhoria das condições de trabalho e remuneração está entre as medidas que mitigam o fenómeno, devendo ser garantido que os profissionais das FS dispõem de salários adequados, condições de trabalho dignas e progressões de carreira claras, salvaguardando, no entanto, que a melhoria salarial não elimina totalmente o risco de corrupção, mas reduz a vulnerabilidade a incentivos externos e contribui para uma cultura institucional mais robusta.

Uma das ferramentas mais eficazes de prevenção é o desenvolvimento de formações transversais, obrigatórias e regulares sobre ética pública, integridade, gestão de dilemas morais e identificação de comportamentos corruptos, pelo que devem ser implementados programas nacionais de formação ética e anticorrupção, assegurando que os mesmos são padronizados e aplicados de forma consistente em todas as FS.

Devem ainda ser criados canais de denúncia protegidos e independentes, sendo vital a proteção legal de denunciantes (whistleblowers), para que os profissionais das FS e cidadãos possam reportar irregularidades sem receio de represálias, devendo ser garantidas estruturas seguras, anónimas e geridas por órgãos independentes.

Por último, mas não menos importante, um dos pilares essenciais para prevenir a corrupção nas FS é a adoção de processos de recrutamento rigorosos e altamente criteriosos, devendo a seleção de candidatos ir além das avaliações físicas e técnicas tradicionais, incorporando análises aprofundadas de perfil psicológico, histórico de conduta, motivação para o serviço público e resistência a pressões externas, através da aplicação de entrevistas estruturadas, testes de integridade, verificações de antecedentes e avaliações contínuas durante o período de formação, que permitem identificar, desde cedo, potenciais fragilidades éticas ou comportamentais, porque um recrutamento mais exigente não só fortalece a credibilidade das instituições, como assegura que os futuros agentes possuem o carácter, a maturidade e o sentido de responsabilidade necessários para desempenhar funções onde a confiança pública é absolutamente central.

Da parte das responsabilidades dos chefes e comandantes, os mesmos devem garantir uma gestão ética da cultura organizacional, ao deter grande influência sobre a cultura interna das unidades, através da promoção de comportamentos íntegros, exemplo pessoal, tolerância zero a práticas desviantes e a valorização da transparência são essenciais para o reforço da confiança interna e externa.

A supervisão operacional rigorosa é fundamental, sendo o controlo direto das operações e dos subordinados uma das armas mais eficazes contra comportamentos indevidos, incluindo a monitorização das interações com os cidadãos, a análise de padrões de atuação suspeitos, a revisão de procedimentos e o acompanhamento dos subordinados que operam em áreas especialmente vulneráveis.

Devem promover a rotação dos seus efetivos em áreas sensíveis, porque a permanência prolongada dos mesmos subordinados em determinadas áreas e valências pode facilitar relações impróprias ou vínculos perigosos, pelo que a rotação periódica, quando bem planeada, reduz a probabilidade de desenvolvimento de redes informais corruptas.

Os comandantes devem incentivar o reporte interno através da criação de um ambiente seguro no qual os subordinados sintam confiança para expor comportamentos suspeitos, bem como a realização de reuniões de supervisão, fóruns de comunicação interna e apoio psicológico ou legal são estratégias que fortalecem o sentimento de proteção institucional.

Sem esquecer a avaliação contínua do desempenho e conduta, através da implementação de sistemas de avaliação do desempenho objetivos que valorizem a integridade, o profissionalismo e o cumprimento ético, e não apenas indicadores subjetivos, sendo essencial para reduzir incentivos à corrupção e reconhecer boas práticas.

A corrupção nas FS é um problema complexo, de impacto profundo e com ramificações que ultrapassam a esfera meramente institucional, exigindo o seu combate uma abordagem integrada e sistémica, na qual a tutela e os comandantes desempenham papéis complementares e igualmente decisivos, competindo à tutela criar o enquadramento legal, ético e estrutural que protege as FS e garante a supervisão externa e aos comandantes assegurar que, no terreno, as práticas diárias refletem os valores de integridade e transparência que sustentam a confiança pública.

A mitigação do fenómeno não será alcançada com medidas isoladas, mas através de um compromisso contínuo, sustentado e articulado, cujo reforço da cultura ética, a promoção da responsabilização e da valorização profissional dos profissionais das FS constituem pilares fundamentais para garantir que as FS permaneçam fiéis à sua missão de servir e proteger a sociedade com rigor, imparcialidade e honra.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.

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