O retomar das negociações entre as associações socioprofissionais da Guarda Nacional Republicana (GNR), os sindicatos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e o Ministério da Administração Interna (MAI) representa uma oportunidade decisiva para repor justiça e dignidade nas Forças de Segurança (FS).
Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda
Depois de meses de descontentamento e protestos públicos, as FS esperam agora mais do que escuta, exigindo medidas concretas para resolver problemas que comprometem não só o bem-estar dos profissionais, mas também a eficácia da segurança pública em Portugal, focando-se o presente artigo em particular nos problemas que afetam a GNR.
As queixas são antigas, mas continuam a crescer, salários estagnados, concursos com escassez de candidatos e vagas por preencher, turnos desumanos, más condições físicas e psicológicas, e um sistema de avaliação injusto, somando-se a estes problemas, reivindicações estruturais sobre a aposentação e o reconhecimento do desgaste da profissão, importando no entanto, separar responsabilidades, o que compete à própria GNR resolver internamente e o que depende, incontornavelmente, da tutela.
No que diz respeito aos problemas identificados pelas várias associações da GNR, à cabeça encontra-se o sistema remuneratório desatualizado, cujos vencimentos se baseiam num estatuto ultrapassado, criando distorções salariais graves entre postos e categorias, encontrando-se ainda os suplementos congelados durante anos e sem pagamento retroativo, concluindo-se que a carreira deixou de ser atrativa devido a baixos salários, riscos elevados e ausência de perspetiva de progressão.
A falta de efetivos e sobrecarga operacional é outra das preocupações, verificando-se que muitos postos territoriais funcionam com um número mínimo ou mesmo insuficiente de militares, com a agravante das condições de trabalho degradantes, viaturas avariadas ou antigas, a falta de equipamentos de proteção, sobretudo nos militares da primeira linha e turnos de serviço excessivos, recorrendo-se ao corte de folgas, para colmatar as necessidades de efetivos.
É também público a existência da falta de apoio psicológico, existindo relatos frequentes de alegado assédio hierárquico e bullying institucional, cujas vítimas não denunciam por receio de represálias, e os casos de depressão, burnout e ideação suicida aumentam, sendo que todos estes problemas são prejudicados pela ausência de legislação sobre saúde e segurança no trabalho.
A falta de reconhecimento da profissão como atividade de risco é uma das queixas recorrentes, continuando a profissão sem estatuto de desgaste rápido e cujo subsídio de risco atribuído foi considerado “indigno” pelas associações, ficando aquém do mínimo esperado, com a agravante dos cortes nas reformas.
A avaliação de mérito é injusta e opaca, verificando-se que o atual sistema de avaliação de mérito não reconhece o desempenho real dos profissionais, verificando-se que a progressão na carreira, as colocações por escolha, que deviam ser a excepção e são a regra e o desempenho de determinadas funções, como as de comando ou as internacionais, dependem frequentemente da proximidade com as chefias e não do mérito objetivo ou do currículo.
Quais as soluções possíveis e o que cabe a quem?
Da responsabilidade da GNR encontra-se a melhoraria da cultura interna e combater o alegado assédio institucional, através da criação de canais seguros de denúncia, mecanismos de proteção às vítimas e responsabilização de quem comente abusos.
Apoiar a saúde mental dos militares, através dos serviços de psicologia internos e a promoção de campanhas de sensibilização para o stress ocupacional.
Reorganizar turnos e serviços, melhorando a gestão operacional interna, evitando sobrecargas, garantindo descanso e redistribuindo recursos.
Monitorizar e manter equipamentos essenciais, através da realização de um levantamento interno e contínuo das necessidades operacionais, com planos de manutenção preventiva.
Propor á tutela um novo modelo de avaliação de mérito, prevendo um sistema transparente, baseado em critérios objetivos e auditáveis interna e externamente, valorizando o desempenho real e não apenas a opinião hierárquica.
Da responsabilidade da tutela está a revisão do estatuto remuneratório, atualizando vencimentos com base na realidade atual, garantindo o pagamento de suplementos atrasados, eliminar distorções entre categorias e garantindo justiça interna.
Lançar um plano plurianual de admissões, promovendo o rejuvenescimento dos quadros e colmatar a falta crónica de efetivos, tornando a carreira mais atrativa com condições salariais e progressão adequadas.
Reconhecer o risco profissional ao atribuir à profissão o estatuto de atividade de desgaste rápido e atualizar o subsídio de risco de forma proporcional à natureza e exigência da função, com regras de aposentação ajustadas à realidade profissional, reestruturando-se do regime contributivo e compensatório para os militares.
Investir em infraestruturas e equipamentos, dotando os postos territoriais e as unidades com viaturas modernas, equipamentos de proteção atualizados e instalações dignas.
Legislar sobre saúde e segurança no trabalho, através da criação de um regime jurídico próprio, com limites claros para carga horária, tempos de recuperação e acompanhamento pós-operacional, prevendo a proteção legal em situações de incapacidade laboral decorrente do exercício da função, sem esquecer a devida correção
dos descontos para o Serviço de Assistência na Doença, que devem incidir só no vencimento base e não nos suplementos, conforme é em toda a administração publica.
Reformulação do sistema de progressão com base em indicadores objetivos, com auditoria interna e externa, e envolvimento das associações representativas.
Terminamos referindo, que as negociações agora reiniciadas entre as associações da GNR, os sindicatos da PSP e o MAI não podem ser encaradas como um gesto simbólico nem como mais uma ronda de promessas, porque a situação nas FS, em especial na GNR, atingiu um ponto em que o desgaste dos profissionais compromete não apenas o seu bem-estar, mas a segurança de todos.
É tempo de assumir que há uma parte dos problemas que cabe à instituição resolver, tais como reorganizar-se, ouvir os seus profissionais e criar um clima de respeito interno, existindo outra parte, mais estrutural, que está nas mãos da tutela e exige decisões políticas, nomeadamente aumento do investimento, do reconhecimento dos profissionais das FS e uma profunda reforma legislativa.
As FS são a linha da frente da estabilidade social, pelo que ignorar os seus alertas é comprometer o próprio Estado e escutá-los e agir é, finalmente, fazer justiça.
Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.



