O Relatório do 5º Ciclo de Avaliação sobre Portugal elaborado pelo GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) do Conselho da Europa, evidencia fragilidades nos mecanismos de prevenção da corrupção e promoção da integridade dentro da Guarda Nacional Republicana (GNR), lançando recomendações claras que exigem ação imediata e determinada, salientando que, apesar de haver um quadro jurídico funcional em Portugal, persistem lacunas sérias em termos de ética, transparência e controlo interno na GNR.
Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda
A confiança nas Forças de Segurança (FS) é um dos pilares fundamentais do Estado de direito democrático, desempenhando a GNR em Portugal um papel crucial na manutenção da ordem pública, na prevenção criminal e na proximidade com as populações, sobretudo em territórios de baixa densidade populacional, pelo que as recomendações do GRECO constantes no referido Relatório deviam estar no topo das preocupações do Comando da GNR.
Como principal recomendação do GRECO está a adoção por parte da GNR de um código de conduta próprio, distinto e adaptado às especificidades da sua missão, sendo que atualmente, a GNR aplica normas militares e gerais da administração pública, carecendo de um instrumento ético prático e específico, que oriente os comportamentos dos seus militares em situações do dia a dia.
O GRECO recomenda também, que apesar de existirem módulos pontuais sobre ética nos cursos de formação, é necessário institucionalizar a formação contínua e obrigatória sobre integridade, corrupção, conflitos de interesse, uso da força e gestão da autoridade.
O Relatório identifica fragilidades nos mecanismos de denúncia interna, os quais muitas vezes não protegem devidamente o denunciante nem garantem o seguimento eficaz, cuja a ausência de anonimato e receios de represálias comprometem o sistema, recomendando o GRECO que a GNR deve garantir canais internos seguros e anónimos para denúncias de má conduta ou corrupção, com proteção ao denunciante e seguimento eficaz.
Falta à GNR um mapeamento sistemático dos riscos de corrupção, por exemplo, em contextos como a fiscalização de trânsito, fiscalização de atividades económicas, controlo de fronteiras e atribuição de licenças, pelo que se recomenda a avaliação sistemática dos riscos de corrupção em áreas vulneráveis, como as atrás referidas.
O GRECO aponta a ausência de um mecanismo externo eficaz de controlo disciplinar e de supervisão sobre a atuação da GNR, à semelhança de modelos existentes noutros países europeus, recomendando tornar os processos disciplinares mais eficazes, transparentes e independentes, para lidar com infrações éticas e de conduta.
O GRECO refere ainda que as nomeações para cargos de direção na GNR são feitas com base em critérios pouco claros, sendo processos altamente discricionários e pouco transparentes, nomeadamente faltando critérios objetivos e uniformes para nomeações.
Foram levantadas também críticas sobre a falta de transparência e previsibilidade no processo das promoções na GNR, que parece depender excessivamente de decisões discricionárias e da ausência de um sistema claro de progressão na carreira com base em mérito e desempenho.
As normas da GNR não preveem que as nomeações para altos cargos sejam baseadas no mérito, reconhecendo o GRECO que algum grau de discricionariedade é aceitável, mas não deve sobrepor-se ao mérito como critério principal, para evitar clientelismo e favoritismo, sendo as nomeações de altos dirigentes formalmente discricionária e pouco sujeita a escrutínio, existindo o risco de favoritismo, nepotismo ou decisões opacas.
Estas últimas três recomendações do GRECO, sobre nomeações e promoções, apontam para um problema estrutural, que são a excessiva margem discricionária no acesso a cargos de chefia na GNR, o que enfraquece a perceção pública de justiça e meritocracia, devendo a GNR adotar procedimentos mais objetivos, transparentes e regulados, assegurando que as promoções e nomeações obedeçam a critérios claros e verificáveis, isto não só reforçará a confiança dos profissionais dentro da corporação, como também a confiança da sociedade na instituição.
Sobre a avaliação de desempenho é referido que todos os militares da GNR são avaliados anualmente, de acordo com o Regulamento de Avaliação do Desempenho dos Militares da GNR (RADMGNR), apresentando o GRECO algumas críticas e preocupações, considerando que se trata de um sistema complexo e pouco transparente, com critérios pouco diferenciados entre funções operacionais (no terreno) e administrativas (secretaria), com predominância de indicadores quantitativos, pouco adequados à natureza diversa das funções e existência de subjetividade e uniformização excessiva, onde é comum a atribuição genérica da classificação “excelente”, o que descredibiliza o sistema, existindo ainda uma relação perigosa entre avaliação e promoções, que são vistas como dependentes de critérios informais e discricionários
Sobre este tema, as recomendações do GRECO revelam que, apesar da GNR possuir um sistema formal de avaliação de desempenho, ele carece de transparência, diferenciação e objetividade prática, pelo que para garantir que a avaliação seja justa, útil e não abusada como instrumento de favorecimento ou exclusão, a GNR deve reformular este sistema com mais rigor, adaptação funcional e controlo externo, podendo só assim a avaliação cumprir a sua função pedagógica e organizacional com legitimidade.
Conclui-se assim, que as recomendações da GRECO são claras, pelo que a GNR precisa evoluir de uma estrutura hierarquizada e fechada para um corpo mais transparente, eticamente orientado e supervisionado com rigor, sendo que esta transição exige coragem institucional e apoio político, mas é essencial para garantir a confiança dos cidadãos na GNR.
Adotar estas medidas não fragiliza a autoridade da GNR, antes, fortalece-a e só com integridade é possível exercer autoridade com legitimidade.
Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.



