Opinião (Rogério Copeto/ Oficial GNR): SINISTRALIDADE RODOVIÁRIA: UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA.
No que diz respeito à sinistralidade rodoviária no nosso país, o último ano foi especialmente trágico, tendo em mais de 130 mil acidentes, morrido 509 pessoas e outras duas mil resultaram feridas gravemente, para além dos 41.591 feridos ligeiros.
Tenente-Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
Para piorar este trágico cenário, nos quatro primeiros meses deste ano registaram-se 42.180 acidentes rodoviários de onde resultaram 137 vítimas mortais.
Tendo em conta os números atrás referidos verifica-se que todos os anos centenas de famílias perdem os seus entes queridos, não podendo por isso ficarmos indiferentes à tragédia que ocorre nas nossas estradas, alertando-nos para a importância que a prevenção rodoviária tem neste combate sem tréguas e que continua a fazer centenas vítimas mortais.
É do conhecimento de todos, que Portugal a seguir ao 25 de abril de 1974 apresentava os piores níveis de sinistralidade rodoviária da europa, mas ao longo dos últimos 44 anos muito mudou e um longo caminho já foi percorrido, onde melhores estradas, melhores viaturas, maior eficácia da GNR e da PSP, mais campanhas de prevenção rodoviária e um Código da Estrada mais adequado à realidade, têm e continuam a ter um papel importante na redução da sinistralidade rodoviária grave, que se verificou até 2016, tendo essa tendência se invertido no ano passado e pelo vistos continua este ano, encontrando-se assim Portugal mais afastado de conseguir os objetivos preconizados no “Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária – PENSE 2020”, que tem como meta no final da sua vigência, atingir os 41 mortos por milhão de habitantes.
É também unanimemente aceite por todos que a sinistralidade rodoviária está associada a uma questão de atitudes e comportamentos dos cidadãos, e será por esse motivo que os portugueses continuam a morrer nas estradas nacionais em resultado de acidentes rodoviários.
Por isso a aposta na “Educação Rodoviária” continua a fazer sentido, visando a formação dos cidadãos, no desenvolvimento de um conjunto de competências enquanto passageiros, peões e condutores, promovendo a sua integração segura em ambiente rodoviário, sabendo que o comportamento de cada um influencia e condiciona o do outro, dele dependendo o bem-estar de todos.
Nesta perspetiva o trabalho desenvolvido pela GNR e pela PSP, no âmbito do Programa Escola Segura, na área da prevenção rodoviária, tem tido um papel preponderante na educação das nossas crianças e futuros condutores, e por isso temos hoje condutores mais conscientes e responsáveis.
Mas a sinistralidade rodoviária é também um problema social de dimensão preocupante, que justifica a intervenção de toda a sociedade portuguesa, sendo reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um grave problema de saúde pública, de pesadas consequências sociais e económicas.
Hoje nas estradas de todo o mundo morrem anualmente cerca de 1,3 milhões pessoas e entre 20 e 50 milhões de feridos em resultado dos acidentes rodoviários, sendo uma das principais causas de morte em todos os grupos etários e a principal causa de morte entre os de 15 a 29 anos de idade.
Estes dados resultam das mais recentes estimativas sobre a saúde global e encontram-se no Relatório Mundial da Segurança Rodoviária, publicado em 2015, pela OMS, mostrando que as mortes e as lesões em resultado dos acidentes rodoviários continuam a ser um problema de saúde pública muito grave.
Este grave problema de saúde pública é sustentado por um conjunto de factos, verificando-se que cerca de 93% do total de mortes em resultado dos acidentes rodoviários ocorrem nos países em vias de desenvolvimento onde se encontram registados pouco mais de metade de todos os veículos existentes (54%).
Outro dado importante é o facto dos utilizadores vulneráveis, peões, ciclistas, condutores e passageiros de veículos motorizados de 2 e 3 rodas, representarem metade de todas as mortes em resultado de acidente rodoviário em todo o mundo, sendo essa proporção ainda maior nos países em desenvolvimento.
É sabido que uma das principais causas dos acidentes é a velocidade, pelo que à medida que a velocidade média aumenta, também aumenta a probabilidade de ocorrer um acidente, aumentando também a gravidade das suas consequências, verificando-se que um aumento de 1 km/h na velocidade média do veículo resulta num aumento de 3% na incidência de acidentes, de onde resultam feridos e um aumento de 4% a 5% na incidência de acidentes de onde resultam mortes, sendo que só 47 países, que representam 13% da população mundial, possuem leis que obrigam a circulação de veículos em zonas urbanas abaixo dos 50 km/h, tendo ainda as autoridades legitimidade para alterar esse limite, quando necessário, de modo a garantir maior segurança.
Outro responsável pela sinistralidade rodoviária é a condução depois da ingestão de bebidas alcoólicas, pelo que a OMS alerta que conduzir com uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 0,05g/dl aumenta drasticamente o risco de um acidente, recomendando uma TAS ≤ 0,05 g/dl para os condutores em geral e um limite ≤ 0,02 g/dl para motoristas recém encartados, sendo que em apenas 34 países, representando 29% da população mundial, possuem leis que cumprem estes limites.
No caso dos ciclistas e dos motociclistas verifica-se que o uso de capacete homologado, pode reduzir o risco de morte em 40% e ferimentos graves em aproximadamente 70%, sendo que em apenas 44 países, representando 17% da população mundial, possuem leis que obrigam o uso de capacetes homologados para motociclistas e passageiros, em todas as estradas e independentemente do tipo de cilindrada e motor.
Também o uso do cinto de segurança pode reduzir em 45% a 50% as consequências fatais e não fatais entre os ocupantes dos assentos dianteiros e entre 25 e 75% nos ocupantes dos assentos dos bancos traseiros, sendo que em 105 países, representando 67% da população mundial, possuem leis relativas ao uso obrigatório do cinto de segurança para todos os ocupantes do veículo.
No que diz respeito ao transporte de crianças, o uso dos Sistemas de Retenção para Crianças (SRC) reduz o risco de ferimentos graves em até 80% em comparação com crianças que usam apenas o cinto de segurança, sendo que só 53 países, representando 17% da população mundial, possuem leis de uso obrigatório de SRC para transporte de crianças adequadas à sua idade, altura e peso.
A prestação do socorro oportuno e eficaz após os acidentes rodoviários também salva vidas e reduz as suas consequências, pelo que as principais soluções para o desenvolvimento de sistemas de socorro em situações de emergência passam pela implementação de números de telefone de emergência, ligados a serviços integrados de atendimento pré-hospitalar e de emergência, devendo todos os agentes estar formados em Suporte Básico de Vida em situações de emergência.
Tendo em conta que a segurança rodoviária passa também pelo veículos, uma vez que desempenham um papel crítico, tanto para evitar acidentes, como para reduzir a consequências em caso de acidente, verifica-se no entanto que 80% dos veículos vendidos em todo o mundo não possuem os padrões básicos de segurança, definidos pelo Fórum Mundial das Nações Unidas para a Harmonização dos Regulamentos de Veículos, sendo que apenas 40 países (35 países desenvolvidos) adotaram todas as regulamentações deste organismo.
Para além dos veículos também as infraestruturas têm um papel importante na segurança rodoviária, uma vez que uma infraestrutura rodoviária insegura contribui para aumentar o risco de um acidente rodoviário, pelo que a implementação das melhores práticas na elaboração de projetos de estradas, pode ter um impacto considerável na sua segurança, devendo as estradas ser projetadas tendo em conta a segurança de todos os seus utilizadores, significando garantir que há instalações adequadas para peões, ciclistas e motociclistas, tais como vias para peões, ciclovias, pontos de passagem seguros e outras medidas de acalmia do tráfego, que são essenciais para reduzir o risco acidentes rodoviários.
Terminamos com as palavras da Diretora Geral da OMS, Drª Margaret Chan em 2015: “O objectivo de reduzir em 50% os mortos e feridos em resultado dos acidentes rodoviários até 2020 permite aos governos, organizações e à comunidade internacional concentrarem esforços, sendo agora o desafio aproveitar esta oportunidade que se lhe coloca, alterando o panorama atual das mortes na estrada num decréscimo mensurável”.