Técnico do ICNF foi pago para aprovar projetos agrícolas. MP acusa de crimes de corrupção funcionário do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina que é suspeito de ter obtido vantagens ilícitas de mais de 477 mil euros.
Um ex-técnico superior do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), vai ser julgado por 19 crimes, 9 de corrupção passiva, 5 de branqueamento, 2 de recebimento indevido de vantagem e 3 de violação de regras urbanísticas por funcionário, por ter recebido diversas quantias em dinheiro no decurso de intervenção ilícita no âmbito de pretensões e processos de licenciamento de intervenções urbanísticas.
A investigação financeira e patrimonial a cargo do Gabinete de Recuperação de Ativos da Polícia Judiciária, que teve por base as declarações à Autoridade Tributária do arguido e da mulher entre julho de 2012 e dezembro de 2017, concluiu que o indivíduo beneficiou de vantagens monetárias ilícitas e de bens no valor de 477.304,13 euros, traduzidos em depósitos bancários, dois imóveis em Buarcos (Figueira da Foz) e cinco automóveis, entre os quais um Mercedes-Benz SLK 200. Para garantir a devolução ao Estado, por decisão judicial de 6 de junho de 2018, foram arrestados bens no valor de 205.570,33 euros.
O arguido, titular de um bacharelato em engenharia civil, ramo de topografia, foi suspenso preventivamente em 17 de setembro de 2018, pelo Conselho Diretivo do ICNF, tendo na sequência do processo disciplinar instaurado, no dia 15 de maio de 2019 foi-lhe aplicada a sanção de despedimento, com cessação do vínculo de emprego público.
Paulo Ventura, de 49 anos, funcionário do ICNF desde 2009, esteve colocado ate fevereiro de 2018 na Divisão de Licenciamento e Avaliação de Projetos do parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), em Odemira, função de que se valeu para trabalhos a título particular e não autorizados pelo ICNF.
Segundo o despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, a que o Lidador Notícias (LN) teve acesso, o arguido é apontado como o mentor de um esquema que envolve mais cinco arguidos, dois homens, uma mulher e duas empresas. Segundo a acusação o indivíduo “conjugou” as funções particulares com as exercidas no PNSACV/ICNF para passar “a auferir quantias em dinheiro, propondo e disponibilizando perante interessados em legalizar intervenções urbanísticas” na área do Parque Natural.
Arguidos e crimes
Paulo Ventura (19 crimes): 9 de corrupção passiva, 5 de branqueamento, 2 de recebimento indevido de vantagem e 3 de violação de regras urbanísticas por funcionário. António Alexandre (4 crimes): 4 de branqueamento. Look Real Mediação Imobiliária (4 crimes): 4 de branqueamento. José Manuel Fayos Mestre (2 crimes): 1 de recebimento indevido de vantagem e 1 de falsificação de documento. Cristina Fayos Catala (2 crimes): 1 de recebimento indevido de vantagem e 1 de falsificação de documento. Eurocitros Unipessoal, Lda (2 crimes): 1 de recebimento indevido de vantagem e 1 de falsificação de documento.
Para “dissimular” a sua atividade ilícita, o arguido “recorria a terceiros” para assinar os projetos por si elaborados e cujos pagamentos eram recebidos através da Look Real Mediação Imobiliária, em articulação com António Alexandre, também arguidos no processo.
Já com a investigação a decorrer, no dia 1 de março de 2018, Paulo Ventura foi nomeado Chefe da Unidade de Obras e Serviços Urbanos da Câmara de Barrancos, numa nomeação direta do então presidente da autarquia, João Serranito Nunes, que durante uma década tinha sido seu chefe no PNSACV. A 18 de setembro, quando o escândalo rebentou na comunicação social o autarca demitiu Paulo Ventura. Nas Eleições Autárquicas de 2009, Ventura fez partes das listas do Partido Socialista para a Assembleia Municipal de Odemira.
Os restantes três arguidos do processo são a empresa Eurocitros,Lda e os gerentes José Manuel Fayos Mestre e Cristina Fayos Catala, pai e filha, de origem espanhola, que quando o escândalo rebentou “apresentavam-se” como vítimas do esquema engendrado por Paulo Ventura. No entanto, e segundo o DIAP, para que a sociedade pudesse instalar um projeto agrícola no prédio rústico inserido no Parque Natural, que necessitava aprovação do ICNF, Manuel Fayos entregou entre 5.000 a 6000 euros a Ventura para este desbloquear todo o processo.
Para implementar a 2ª fase de instalação do projeto agrícola, a Eurocitros, através de Manuel e Cristina solicitaram um estudo ambiental à empresa Ecosativa Consultoria Ambiental, Lda. Como o estudo concluiu que “a situação desejável do posto de vista ecológico é que não se plante qualquer área adicional”. Na investigação, o DIAP concluiu que os arguidos pediram à Ecosativa os mapas de localização da plantação com a definição dos habitats e flora em causa, “tendo depois alterado o seu conteúdo, concretamente no respeitante à referência de impactos negativos de significado relevante”, para o tornar como original e assim permitir o licenciamento junto do ICNF. A empresa, pai e filha, de “lesados” acabaram constituídos arguidos no processo.
Paulo Ventura era recorrente noutro tipo de ilícitos, ao solicitar dinheiro aos empresários que pretendiam instalar projetos na área do Parque e que tinham que recorrer ao ICNF onde “encalhavam” com o arguido, como foi o caso da Sociedade Terradhana, Ld.ª, com sede na Herdade do Cerro, em São Teotónio/Odemira.
O sócio-gerente Pedro Kaiseler, suscitou a apreciação e parecer de conformidade do PNSACV/ICNF, para a construção de charcas de apoio e zona de armazém. A investigação concluiu que Paulo Ventura recebeu diversas quantias, totalizando um montante não inferior a 7.350,00 euros.
Além da acusação que pende sobre Paulo Ventura, António Fernandes e a sua empresa, a Look Real Mediação Imobiliária, Lda, estão acusados de quatro crimes de branqueamento cada um, e José Manuel Fayos Mestre, Cristina Fayos Catala e a empresa Eurocitros, de um crime de um crime de recebimento indevido de vantagem e outro de falsificação de documento, cada um.
O processo foi titulado pelo DIAP de Évora, tendo a investigação decorrido a cargo de inspetores do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal da Polícia Judiciária, com o julgamento a realizar-se no Tribunal de Beja com recurso a um Coletivo de Juízes, conta com 22 testemunhas de acusação, arriscando os arguidos penas de prisão superiores a cinco anos.
Teixeira Correia
(jornalista)
Foto: Reinaldo Rodrigues/ Global Imagens