Trabalho: Tribunal da Relação confirma sentença laboral que pode ser histórica.


Justiça reconhece direitos a trabalhador agrícola que não tinha contrato escrito, mas trabalhava há oito anos, no Alentejo, para a mesma empresa de trabalho temporário. Sentença pode influenciar outros processos pendentes.

O Tribunal da Relação de Évora (TRE) confirmou a decisão proferida pelo Juízo de Trabalho (JTB) do Tribunal da Comarca de Beja (na foto. “Tribunal dos Contentores”), que condenou uma empresa de trabalho temporário e os seus três gestores e empregadores de nacionalidade romena a pagar mais de 16 mil euros a um trabalhador da mesma nacionalidade. Na decisão datada de 25 de novembro do ano passado, o TRE considerou que “apesar de não ter contrato de trabalho escrito, foi demonstrado que o trabalhador prestava a sua atividade de forma subordinada aos réus e pelo que são todos solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos”.

É uma decisão que pode ser histórica no mundo laboral agrícola no que diz respeito à relação entre contratadores e trabalhadores. Este foi um dos sete processos entrados no JTB em 2019, descritos como “inéditos” e que foram apelidados como “a revolta dos inocentes”. A decisão da 1ª Instância é ainda mais relevante tendo em conta que foi o Ministério Público do JTB a patrocinar a ação movida pelo trabalhador e não um defensor contratado por este.

A Secção Social do TRE ratificou por unanimidade, a decisão do juiz de primeira instância do TTB que “reconheceu que o autor da ação exerceu para os réus a atividade profissional de trabalhador agrícola ”, justificando que existe a responsabilidade dos créditos exigidos “mesmo que o contrato de trabalho não tenha sido reduzido a escrito”.

Entre novembro de 2010 e dezembro de 2018, Dumitru Dorin Nichitean trabalhou para Florin Adamescu, Constantin e Rafira Rusu e a empresa Verde Prioritário Lda, acabou despedido não recebendo 12.174,15 euros, relativo a férias não gozadas e subsídios de férias e de Natal, referentes aquele período.

Dumitru iniciou funções no dia 1 de novembro de 2010, passando a trabalhar sobre as ordens direção e fiscalização dos réus, nos terrenos agrícolas dos clientes destes, sitos nos concelhos Ferreira do Alentejo e de Beja. Sem informar o trabalhador os réus comunicaram à Segurança Social a sua contratação, bem como as remunerações que lhe foram pagas durante determinado período de tempo. Dimitru trabalhou ininterruptamente para Florin, Constantin e Rafira até 21 de dezembro de 2018, dia em que aqueles foram presos, tendo nesse mesmo dia a mulher de Florin informado o trabalhador que este já não trabalhava para eles.

Inconformado o trabalhador recorreu para o TTB reclamando o pagamento daquela verba e mais 4.074 euros, a título de indemnização em substituição da reintegração, tendo o juiz dado razão ao trabalhador, condenando os réus a pagar 16.248,15 euros, mais juros.

Os juízes do Tribunal da Relação que apreciaram o caso e rejeitaram o recurso dos réus justificaram que “não encontramos fundamento para divergir da resposta dada pelo tribunal recorrido”, acrescentando que sobre as férias e o subsídio de Natal “os empregadores devem fazer prova do pagamento”, quanto que ao trabalhador “basta alegar que trabalhou e que não lhe foi paga a remuneração respetiva”, concluíram.

Em função do valor da ação, a decisão do TRE não é passível de recurso pelo que depois de transitar em julgado, os réus têm que pagar a verba a que foram condenados acrescida de juros de mora até integral pagamento. Esta decisão chegou a julgamento numa ação patrocinada pelo próprio Ministério Público do Tribunal de Trabalho, mas poderia ter sido por um advogado.

Ouvido pelo JN, um magistrado que esta decisão “pode servir de exemplo para muitos trabalhadores estrangeiros que na maioria dos caos não recorre às instâncias judiciais”, acrescentando que um se existirem mais advogados na matéria “têm aquilo uma grande fonte de trabalho, baseado nos mesmos articulados do processo julgado”, concluiu.

Mais seis processos. Os mesmos réus

Este é um dos sete processos movidos por trabalhadores agrícolas romenos que se dedicavam à apanha da azeitona, contra os mesmos réus e pelos mesmos motivos de Dumitru, têm o valor de 83.617,08 euros e já chegaram à fase de julgamento.

Os três indivíduos faziam parte de um grupo de sete pessoas, detido em dezembro de 2018, no âmbito da operação “Masline” (azeitona em romeno), levada a cabo pelo Serviço de Estrangeiros Fronteiras (SEF), tendo sido condenados por um Coletivo de Juízes do Tribunal de Beja, pelos crimes de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e associação de auxílio a imigração ilegal.

Alberto Matos, delegação de Beja da SOLIM-Associação Defesa dos Imigrantes.

Importância desta decisão ? “É muito importante em termos de jurisprudência no sector e que vamos divulgar para ajudar mais trabalhadores. Há anos atrás não se recorria aos tribunais, os casos passavam e resolviam-se pela ACT”.

A sua execução final será viável ? “Só após transito em julgado da condenação dos prestadores de serviços a mesma é exequível. Os recursos são intermináveis e muitos fogem para os seus países antes dos julgamentos ou depois de serem condenados”.

Como se pode ultrapassar a situação ? “Existe a lei de responsabilidade direta dos contratantes que não é aplicada. Quando os empregadores temporários são condenados e não pagam, deviam os contratantes (donos das terras) serem chamados a pagar”.

CAIXAS

Contratantes sem responsabilidade

Não existe a responsabilização dos contratantes por dois motivos: não são obrigados a certificar as empresas, coletivas ou individuais, de prestação de serviços e depois porque estão a fazer um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho. O contratante não é subsidiariamente responsável por qualquer incumprimento para com os trabalhadores ou instituições.

Condições de vida

Nos olivais dos concelhos de Beja e circundantes nesta a esmagadora maioria dos trabalhadores são africanos e asiáticos. Depois da azeitona, muitos rodam para explorações frutícolas em Odemira e Tavira. Os contratantes pagam aos chefes romenos 45 euros por cada dia de prestação de serviços de um trabalhador, durante 12 horas, onde um grupo de 4/5 pessoas que pode apanhar cerca de mil quilos de azeitona.

Trabalhadores asiáticos alvo de agressões

Sete militares da GNR de posto do Destacamento de Odemira estão envolvidos em dois casos de agressões a trabalhadores. Em 2020 cinco militares foram condenados a pena de prisão, um dos quais cumpre pena efetiva. No segundo caso, que resultou das buscas efetuadas na primeira situação, estão acusados sete guardas, três dos quais reincidentes. Estão todos suspensos de funções.

Patrões presos na Operação “Masline” (azeitona em romeno)

Iniciada em 2016 por inspetores do Serviço de estrangeiros e Fronteiras (SEF), agregou vítimas confirmadas entre 2017 e 2019, culminando em dezembro de 2018 com a identificação, no concelho de Beja, de 255 cidadãos do leste europeu, em situação de exploração laboral. Oito indivíduos, entre os quais Florin, Constantin e Rafira foram acusados de formar uma rede de exploração de trabalhadores, tendo alguns ficado em prisão preventiva.

Em 8 de dezembro de 2020, um Coletivo de Juízes do Tribunal de Beja, condenou seis arguidos no total de 17 anos e 9 meses de prisão, com três a verem a penas suspensas mediante o pagamento de 8.994,59 euros, absolveu duas mulheres e indeferiu o pedido de perda alargada de bens no valor de 6.825.297,90 euros e o arresto dos mesmos. Duas empresas foram condenadas a multas no valor total de 150.000 euros. Florin Adamescu, tido como o cérebro do grupo foi condenado a uma pena única de 4 anos e 9 meses de prisão efetiva.

Insatisfeito com a decisão, no passado mês de agosto, o Ministério Público (MP) de Beja, recorreu para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), pedindo a condenação dos arguidos a pena mais elevadas, a revogação do indeferimento do pedido de perda alargada de bens e do não arresto dos mesmos decididos em sede de julgamento. O MP pediu a condenação de sete dos arguidos num total de 30 anos e 8 meses de prisão, com três a poderem ver as penas suspensas mediante o pagamento de 8.994,59 euros, a absolvição de uma mulher e a perda alargada de bens no valor de 6.825.297,90 euros e o arresto dos mesmos. Que as duas empresas sejam condenadas a multas no valor total de 270.000 euros. O recurso aguarda decisão dos juízes do TRE.

Teixeira Correia

(jornalista)


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