O POLICIAMENTO QUE PREVÊ OS CRIMES – PARTE I


A primeira vez que escrevi sobre o uso de algoritmos na previsão de crimes foi num artigo de 7 de novembro de 2018, com o titulo “O Policiamento Preditivo” constatando-se que passados cinco anos não existe nenhum projeto ou programa, que seja do conhecimento publico, nas Forças de Segurança (FS).

Rogério Copeto

Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Como conclusão do referido artigo tive oportunidade de escrever: “Para terminar, conclui-se que as FS poderão beneficiar com a implementação do Policiamento Preditivo, devendo, no entanto, usar ferramentas com capacidade de fornecer informações corretas e atuais sobre a probabilidade de ocorrência crimes, de modo a antecipa-lo ou resolve-lo, verificando-se que essas ferramentas estão disponíveis gratuitamente ou a baixo custo e incluem recursos do Microsoft Office ou ferramentas básicas de informações geográficas, porque mesmo os sistemas de tecnologia de informação e comunicação mais sofisticados, só poderão fornecer dados fidedignos, se os dados tiverem origem em fontes também elas fidedignas e sem terem sido intoxicados por preconceitos transformados em linguagem informática”.

Um algoritmo é definido como um procedimento usado para resolver um problema ou realizar um cálculo, atuando como uma lista exata de instruções que conduzem a ações específicas passo a passo em rotinas baseadas em hardware ou software.

E Policiamento Preditivo pode ser definido como sendo uma abordagem inovadora no campo da segurança, que se baseia em análises de dados e algoritmos para prever e prevenir crimes em determinadas áreas específicas, que na sua essência recorre à utilização de informações históricas, como padrões de criminalidade, ocorrências passadas e até mesmo fatores ambientais, com o objetivo de alocar os recursos policiais necessários e suficientes, de forma mais eficaz e eficiente e antecipar a ocorrência de crimes.

Conforme referido uma das principais vantagens deste modelo de policiamento é a eficiência na alocação de recursos, tendo em conta que permite que as FS concentrem os seus esforços nas áreas com maior probabilidade de ocorrência de crimes, otimizando a distribuição de recursos, sejam meios humanos ou materiais, sempre escassos.

Também a prevenção de crimes é uma das vantagens, porque permite antecipar tendências criminais, podendo as FS tomar medidas proativas para evitar a ocorrência de crimes, direcionando o patrulhamento de visibilidade para as áreas de elevado risco  de ocorrência de crimes, com a inerente redução de custos, tendo em conta que o uso de dados e as análises permitem economizar recursos financeiros, reduzindo a necessidade de patrulhamento em locais de baixa atividade criminosa

A principal desvantagem deste modelo de policiamento é que os algoritmos usados podem ser influenciados pelo viés (preconceito), que se poderá encontrar presente nos dados históricos, o que pode levar a um ciclo de discriminação em comunidades de minorias étnicas, já marginalizadas por si.

O viés pode ser definido, no sentido mais comum, como uma distorção do julgamento do observador, manifestando-se como uma inclinação irracional a atribuir um julgamento mais favorável ou desfavorável a alguma coisa, pessoa ou grupo, sendo por isso considerado um dos maiores problemas no Policiamento Preditivo, pelo que a sua eliminação ou atenuação é um dos principais objetivos quando se implementa este modelo de policiamento.

Mas resolver o viés nos algoritmos usados no Policiamento Preditivo é um desafio complexo, mas existem várias abordagens que podem ser adotadas para minimizar ou mitigar esse problema, sendo o primeiro a “limpeza dos dados”, devendo para isso serem identificados e removidos todos os dados que possam conter preconceitos, acrescentando-se um nível de revisão dos dados históricos, de forma a eliminar padrões discriminatórios antes de serem inseridos nos algoritmos.

O desenvolvimento de algoritmos que sejam sensíveis ao viés e procurem ativamente reduzi-lo, resulta em algoritmos melhorados, podendo ser feito através de técnicas de “machine learning”, que aprendem com a informação introduzida, como o reequilíbrio de classes sociais, tornando os algoritmos mais transparentes, de forma a que os processos de tomada de decisão sejam compreensíveis, permitindo que se identifiquem fontes de viés e se corrija o algoritmo quando necessário.

Realizar auditorias externas e revisões independentes para avaliar a presença de viés nos algoritmos e das decisões resultantes é também uma forma de diminuir o viés nos algoritmos, onde os dados usados para treinar os algoritmos devem ser diversos e representativos, tal como os membros dos órgãos que desenvolvem os algoritmos devem ter diferentes origens, para que possam abordar várias perspetivas.

A implementação de regulamentação e a legislação específicas para o uso de algoritmos de Policiamento Preditivo, com ênfase na eliminação do viés e na proteção dos direitos civis é também uma forma de ter melhores algoritmos, devendo-se envolver a comunidade e grupos de interesse, na definição e avaliação das políticas de Policiamento Preditivo, pode também ajudar a identificar e corrigir os preconceitos.

Uma monitorização contínua deve ser estabelecida, com o objetivo de avaliar se o algoritmo está a gerar resultados justos e imparciais, permitindo fazer ajustes à medida que novos dados vão estando disponíveis, devendo por último apostar na formação dos elementos policiais sobre os riscos do viés nos algoritmos e sobre como evitá-los, devendo estas matérias estarem incluídas nos programas de formação.

Para além do viés dos algoritmos outro dos obstáculos à implementação do Policiamento é a invasão da privacidade, tendo em conta que o uso de dados pessoais para prever os crimes levanta preocupações sobre a privacidade dos cidadãos, criando um dilema entre o direito à segurança e o direito às liberdades individuais, com a desvantagem que a precisão é limitada, em virtude dos algoritmos nem sempre serem  100% precisos, o que pode levar a falsos positivos ou negativos e gerar desconfiança nas populações, levando em última análise a identificações erróneas de pessoas.

Terminamos esta primeira parte do tema, concluindo que aquilo que mais obstaculiza a implementação do Policiamento Preditivo nas FS, serão as restrições ao direito á privacidade e a resolução do viés nos algoritmos, cujo processo é complexo, contínuo e multifacetado, sendo por isso fundamental garantir que os algoritmos sejam desenvolvidos e usados de forma ética, bem como deve ser salvaguardada a privacidade, protegendo-se assim os direitos das comunidades servidas por este modelo de policiamento.


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