A IMPORTÂNCIA DAS ESTATÍSTICAS CRIMINAIS


Sempre que é divulgado o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), o mesmo é alvo de extensa análise, quer do ponto de vista do seu conteúdo, mas também da sua forma, verificando-se que desde o início da década de 90 do século passado, várias foram as alterações que sofreu, concluindo-se que ainda há espaço para melhorias, com o objetivo de esclarecer a realidade criminal do país. 

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda

Ao longo de mais de 30 anos, muitas foram as criticas à forma como o RASI apresenta as estatísticas criminais anuais, e esquecendo a alegada eliminação de um capítulo intitulado “extremismos e ameaças híbridas” da versão final do RASI de 2024, que abordava a influência da extrema-direita na promoção da violência contra mulheres e a presença de grupos extremistas em Portugal, tendo a sua suposta retirada levantado suspeitas de que o Governo estaria a desvalorizar ameaças de extrema-direita para alinhar com uma narrativa política específica, muitas outras criticas têm sido apontadas, tais como a necessidade da “inclusão de dados sobre nacionalidade de criminosos e de vitimas” ou a recorrente “subnotificação de crimes” (cifras negras ou crimes não reportados), especialmente em casos de delinquência juvenil, violência grupal e crimes sexuais, levantando questões sobre a eficácia das estatísticas oficiais em retratar a realidade da criminalidade em Portugal.

As inconsistências metodológicas é uma das críticas, dando-se como exemplo as edições do RASI de 2020 e 2021, que atribuiu as quedas da criminalidade à pandemia, mas não esclareceu como fatores contextuais, como os vários confinamentos, tiveram impacto nos dados, tendo isso gerado dúvidas sobre a comparabilidade das estatísticas entre anos, passando, por isso, o ano de 2019, a ser referência para comparações.  

Outra critica é a omissão de dados sobre nacionalidade e género dos criminosos e das vítimas, porque a ausência desses dados dificulta uma análise aprofundada dos fenómenos criminais e pode alimentar desinformação, bem como a falta de desagregação em certas tipologias criminais, nomeadamente a desagregação de dados em categorias específicas, como a violência no namoro e a violência contra pessoas idosas, para facilitar análises mais detalhadas e a implementação de políticas públicas eficazes. 

A ausência de uma perspetiva plurianual é outra insuficiência frequentemente apontada ao RASI, porque não possibilita uma análise que abranja os últimos dez anos, não permitindo uma visão mais abrangente da evolução das diferentes tipologias criminais, nem identificar tendências. 

Estas críticas refletem preocupações sobre a necessidade de maior transparência, detalhe e abrangência nas informações apresentadas no RASI, visando uma melhor compreensão e combate à criminalidade em Portugal.

As estatísticas criminais desempenham um papel essencial na compreensão da criminalidade e na formulação de políticas públicas de segurança eficazes, pelo que um relatório estatístico sobre a criminalidade deve conter dados detalhados sobre a natureza, a frequência e a distribuição dos crimes, permitindo a identificação de tendências e a adoção de medidas preventivas adequadas.

Também são ferramentas fundamentais para compreender a dinâmica da criminalidade, orientar políticas públicas de segurança e alocar recursos, quer humanos, quer materiais, pelo que um relatório robusto deve integrar dados detalhados, identificar fenómenos críticos e propor medidas preventivas eficazes, propondo-se, a seguir, quais os elementos que um relatório estatístico deve conter, bem como os crimes que exigem atenção prioritária e as estratégias para mitigar riscos.  

Um relatório de estatísticas criminais deve incluir o tipo de crime, devendo a classificação dos crimes ser segundo a legislação penal vigente, com a indicação da frequência e taxa de ocorrência, ou seja, o número absoluto de crimes registados e a sua taxa por habitantes, para facilitar comparações.

A localização geográfica, deve também ser referida, nomeadamente a distribuição dos crimes por distrito, concelho e freguesia, possibilitando a identificação de áreas críticas, devendo também ser incluído o perfil dos infratores, através da idade, sexo e nacionalidade, bem como o perfil das vítimas, com recurso às características sociodemográficas das vítimas, a relação com o infrator e as circunstâncias do crime.

Dados sobre a identificação de padrões temporais de incidência criminal, como a hora e dia da Semana deviam também constar no RASI, bem como o modus operandi, nomeadamente quais os métodos utilizados pelos criminosos, incluindo tipo de armas usado.

Para além disso, o RASI deve incluir informação sobre o tipo de crimes que reclamam um acompanhamento mais rigoroso, seja pela sua gravidade ou impacto social, tais como homicídios e tentativas de homicídio, sendo este um indicador direto do nível de violência grave de uma sociedade, assim como os crimes sexuais, apesar da alta subnotificação, mas sempre com impactos psicológicos profundos nas vítimas.

Também importante analisar são os crimes contra crianças e idosos, porque envolvem vítimas vulneráveis e frequentemente são cometidos dentro do ambiente familiar, e tráfico de droga, não pelas razões anteriores, mas por motivo do relacionado ao financiamento de organizações criminosas e ao aumento de outros crimes, como homicídios e roubos, assim como os crimes de corrupção e crimes financeiros, porque impactam a economia e a confiança nas instituições públicas, sem esquecer a cibercriminalidade, por motivo da sua grande expansão.

Tendo em conta essa informação o RASI deve incluir propostas para enfrentar o aumento da criminalidade, através da apresentação de um conjunto de medidas preventivas e repressivas, no âmbito da “Prevenção Primária” (antes da ocorrência do crime), da “Prevenção Secundária” (focada nos grupos de risco) e da “Prevenção Terciária” (controlo e punição dos crimes).

Conclui-se assim que as estatísticas criminais são fundamentais para sustentar políticas públicas de segurança eficientes, monitorização dos índices de criminalidade, identificar tendências e aplicar medidas preventivas, porque os relatórios criminais devem ser mais que compilações numéricas, devem também incluir informação sobre ações concretas, tais como priorizar os crimes de maior preocupação, e medidas para a sua prevenção, com transparência na divulgação de todos os dados, onde o envolvimento comunitário são pilares para o sucesso das políticas de segurança,  cruciais para construir sociedades seguras e resilientes.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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