Beja: As Cartas Portuguesas de amor que inspiraram Rilke fazem 350 anos.
As Cartas Portuguesas de Soror Mariana Alcoforado foram publicadas há exatamente 350 anos. Em Beja, foi inaugurada esta sexta-feira a exposição “100 Passos”, entre um vasto programa de atividades que celebram a freira.
A primeira edição, em francês, de As Cartas Portuguesas de Soror Mariana Alcoforado, é de 4 de janeiro de 1669. O editor foi Claude Barbin e, na altura, a autora ainda não estava identificada. Mas aquelas cinco cartas de amor (e de sofrimento) enviadas pela freira portuguesa ao cavaleiro Noël Bouton de Chamilly ganharam o seu lugar na história da literatura. 350 anos, a data é assinalada em Beja, a terra de Mariana Alcoforado, com a inauguração da exposição 100 Passos.
“A exposição chama-se 100 Passos referindo-se a este espaço em que Mariana Alcoforado se movimentou: o palácio onde morou, a igreja de Santa Maria onde foi batizada, o Convento de Nossa Senhora da Conceição onde foi internada aos 11 anos e onde passou toda a sua vida, são todos locais muito próximos”, explicou ao DN Francisco Paixão, diretor do Museu Regional de Beja. Mariana estava confinada a um espaço pequeno mas tinha o olhar lá longe.
A exposição mostra pela primeira vez o registo de batismo de Mariana Alcoforado e outros documentos relacionados com a sua vida, assim como obras de arte da época. “Ela era a segunda filha de uma família abastada e, como era comum, o primeiro filho herdava quase tudo e a segunda filha era internada num convento com um dote, como num casamento. O dote de Mariana Alcoforado foi bastante grande e permitiu ao convento fazer alguns melhoramentos que ainda hoje são visíveis como a azulejaria, a talha dourada, aquisição de algumas obras de arte”, explicou Francisco Paixão.
A exposição poderá ser visitada até ao último dia de 2019. Ao longo do ano, a Câmara Municipal de Beja está a planear outras atividades relacionadas com Soror Mariana Alcoforado, como uma exposição de filatelia e concertos. A segunda edição do Festival B, que acontece de 27 a 30 de junho na cidade, também será dedicado a esta figura (a programação será divulgada em março). “Esta exposição é só o ponto de partida para as comemorações”, diz o diretor do museu.
Mariana Alcoforado nasceu em Beja no ano de 1640 e foi batizada na Igreja de Santa Maria, no dia 22 de abril do mesmo ano. Foi seu padrinho D. Francisco da Gama, conde da Vidigueira e bisneto de Vasco da Gama. Após o noviciado, professou aos 16 anos exercendo, posteriormente, os cargos de escrivã e vigária. A 30 de julho de 1709 foi proposta para o cargo de Abadessa do Convento, tendo sido derrotada para tão importante cargo por 48 votos a favor e 58 contra. Em março de 1723, com 83 anos de idade, assinou pela última vez um documento, relativo ao encerramento das contas do trimestre do Convento da Conceição. Morreu a 28 de julho desse ano.
Nas cartas que escreveu transparece o amor que sentia pelo marquês de Chamilly, oficial francês que lutou em Portugal durante a Guerra da Restauração. Embora os originais das cartas não tenham chegado aos nossos dias, sabemos da sua existência pela primeira edição das mesmas, datada de 4 de janeiro de 1669, em França, por Claude Barbin, com o título “Lettres Portugaises Traduites en François”.
As edições sucederam-se um pouco por toda a Europa e, já em 1923, de acordo com Godofredo Ferreira, estudioso e colecionador das obras sobre as cartas, existiam 130 edições em diversas línguas: francês, inglês, italiano, alemão, espanhol, dinamarquês, holandês e português. Este amor maior, “grande de mais para um só ser”, como escreveu o poeta Reiner Maria Rilke, foi fonte de inspiração para poetas, filósofos, escritores, cineastas, artistas plásticos, músicos. Para além da beleza das cartas, o exemplo de Mariana Alcoforado levanta várias questões sobre a condição de género, a posição social, a sobreposição de um destino imposto à liberdade para escolher.
Foto (Direitos Reservados): Convento de Nossa Senhora da Conceição – réplica da janela por onde Mariana Alcoforado falou com o marquês de Chamilly.