Beja: Como viveu o 25 de Abril (artigo publicado no JN).
Como viveu o 25 de abril ?. Contado na primeira pessoa por um trabalhador (empregado de balcão) e um reformado da GNR. Artigo publicado na edição de hoje do Jornal de Notícias (JN).
António Leandro, 67 anos, empregado de balcão e presidente da Direção da empresa “Os Trabalhadores Unidos”-Cooperativa de Atividades Hoteleiras, Crl.
Há 44 anos que trabalha no “Luís da Rocha”, uma pastelaria com 125 anos, e um local onde antes do 25 de Abril se reunia a “nata” das pessoas do regime, em que um dos sócios era o Governador civil da Época, Fernando Nunes, a par de uma das mulheres mais ricas e poderosa da região, Carolina Almodôvar.
António, tinha 24 anos e morava numa pequena aldeia de Santa Clara de Louredo, vulgo Boavista, localizada a cinco quilómetros de Beja. Manhã cedo foi cordado pela mãe, que lhe disse: “não podes ir trabalhar, está tudo cheio de militares. Não deixam ninguém entrar em Beja”. Pelo telefone público contatou o gerente da empresa para saber se ia trabalhar e este respondeu-lhe: “isso é tudo conversa, vem mas é trabalhar”. António pegou na sua motorizada e rumou a Beja. Passou pelo Regimento de Infantaria (RI) 3, portões fechados e tudo calmo.
À medida que as notícias foram sendo conhecidas pela rádio “percebemos que a situação não era normal. Já tinha havido a revolta das Caldas e das conversas que se ouviam, percebeu-se que algo se passava”, lembra. À medida que as horas passavam o ambiente foi-se alterando e as pessoas juntavam-se no centro da cidade e “acabámos por fechar a meio da manhã e fomos todos dispensados”.
António Leandro, lembra que O Luís da Rocha era “um espaço de elite da altura, não entrava toda a gente. Tínhamos à porta uma placa que dizia: reservado o direito de admissão”, recorda.
“Todos os dias se juntavam à mesa o Governador Civil, os comandantes da PSP, GNR, RI3 e BA11. Era o local das reuniões das chefias militares”, lembra.
Em 1976, com a Revolução em Curso, houve reivindicações, quebras de receitas e os trabalhadores compraram a empresa “numa transição pacífica”, diz António. À sua memória vem às imagens desse tempo: “passámos de um espaço proibido e seletivo, para um espaço de manifestação e reivindicação”, mas o Luís da Rocha resistiu e continua “vivo e ser uma imagem da cidade”, remata.
Luís Maduro, 80 anos, cabo reformado da GNR.
Envergou durante 30 anos a farda cinzenta de cotim da Guarda Nacional Republica (GNR), que “despiu” a 2 de agosto de 1991, depois de trabalhar alguns anos na Fábrica Nacional de Material de Guerra, em Moscavide (Lisboa). “Estive 6 anos à espera de ser chamado para entrar na GNR. Não gostava da vida em Lisboa. A pacatez do Alentejo era o meu sonho”, diz Luís Maduro.
Hoje ajuda o filho e a nora no café que tem o nome da família e por ironia do destino, o estabelecimento está localizado a cerca de 50 metros do edifício do Comando da GNR e muitos dos clientes são os militares da Guarda.
Luís Maduro foi durante muitos anos, condutor do comandante de Seção (hoje Destacamentos), o então Tenente Matos Silva. Antes de chegar a Beja, passou pelos postos de Sabóia (Odemira) e Vila Nova de São Bento (Serpa) e a forma de estar era a mesma: “sem horários de trabalho, não se desapertavam as botas”, lembra.
Das visitas aos postos com o seu comandante, “não se ouviam conversas sobre qualquer golpe de Estado”, justificando que nesse tempo “não havia telemóveis e as conversas eram mais reservadas. Hoje ouvem-se mais coisas”, remata.
Na manhã do dia 25 de Abril, os militares que não estavam de serviço, “foram para os seus postos, à medida que ouviram as notícias na rádio”, recordando que os portões foram “encerrados e a aguardar ordens dos superiores”, mas foi, segundo Luís, “um dia calmo e sem manifestações”. O antigo militar lembra que no quartel “estiveram elementos do Exercito a falar com, os nossos comandantes. Do que falaram ?. Nada transpirou, mas certamente para saber se estavam com os militares”, recorda Luís.
“Se o 25 de Abril foi importante ?. A liberdade terá sido a maior conquista”. Para o “velho” militar, “mesmo com a Reforma Agrária, os alentejanos foram pacíficos”, concluiu.
Teixeira Correia
(jornalista)