Os dias de fumo na chaminé, o cheiro a pão quente cozido em lume de lenha estão de volta ao centro de Beja, pela mão de dois irmãos, José e Lurdes Silva.
No Centro Histórico de Beja, numa das ruas que desemboca no Largo do Lidador, em homenagem ao heroico guerreiro Gonçalo Mendes da Maia, onde se erguem o Castelo e a Sé Catedral, localiza-se aquele que era o último forno comunitário da cidade. As pessoas amassavam o pão em casa e depois a Ti Bia Gadelha cozia, cobrando uma dízima em géneros.
Em dezembro de 2017, mais de três décadas depois da ruína e do abandono, o antigo forno foi recuperado e reinaugurado pela Associação de Defesa do Património de Beja (AdpBeja). Voltavam os dias do fumo na chaminé, o cheiro a pão quente cozido em lume de lenha e o aroma das cabeças e pernas de borrego assadas.
Apesar da tenacidade de Florival Baioa, presidente da AdpBeja, a “febre” inicial da reabertura do forno foi-se esvanecendo e aos poucos o crepitar das chamas desapareceu do interior da abóbada de tijolo do espaço.
Há cerca de sete meses os irmãos José e Lurdes Silva, residentes em Salvada, concelho de Beja, propuseram-se dar nova vida ao forno e depois de uma aprendizagem de quase dois anos sobre a técnica de fazer e cozer o pão, voltaram a fazer reviver as histórias da Ti Bia Gadelha.
José, 57 anos, é licenciado em Turismo e técnico superior da Câmara Municipal de Moura, e Lurdes, 60 anos, é doméstica, e do engenho dele e das mãos delas, nasceu a ideia de celebrar um protocolo com a AdpBeja.
Vale de Rocins, um monte a onze quilómetros de Salvada, conhecido como o “lugar sagrado do pão e das padeiras” foi onde Lurdes, com a Dona Lisete, “aprendi a meter as mãos na massa e a tratar a farinha com o carinho que um bom pão alentejano merece”, lembra feliz.
O irmão, carinhosamente tratado por “Pererucho”, conta ao Lidador Notícias (LN) a essência da ideia: “para além de dinamizar o forno, promover o património e criar mais uma oferta turística na cidade. Nunca devemos esquecer a máxima de que o Alentejo é o celeiro da Nação”, justifica José Silva.
As primeiras fornadas de pão aconteceram no passado mês de maio, durante a realização da “Beja Romana”, e num protocolo com o Município de Beja o forno recebeu centenas de visitantes que passaram pelo espaço para “ver como se faz o pão, mas, também levar um pouco da alma alentejana para casa”, recorda “Pererucho”.
“Dar continuidade à recuperação do património e não recuperar o saber fazer de nada vale. Promovemos eventos temáticos para promover o património e converter a cozedura do pão numa lição de vida”, justifica José Silva.
Uma vez por mês o forno da Ti Bia Gadelha ganha vida. “Fazemos 50 pães e vendemos a 3 euros cada, somente mais 50 cêntimos do que um pão industrial. A ideia não é ganhar dinheiro, mas fazer melhor a vida de cada pessoa”, diz a padeira Lurdes.
A última cozedura foi no passado dia 21 de dezembro e no próximo dia 25 de janeiro, o cheiro a pão quente invade a zona envolvente do Castelo e da Sé Catedral.
O processo do pão no forno da Ti Bia Gadelha, contado por José Silva
Num alguidar de barro, tudo começa com o amassar da farinha sem fermento, a que junta a água e o fermento da “massa mãe”, guardado da amassadura anterior. Feita a mistura, essa é amassada a soco e enrolada no alguidar. Depois de uma hora a fermentar, a massa é tendida e “cortada” para dar forma ao pão, com ou sem cabeça. Quinze a vinte minutos de “descanso” e o pão é lavado ao forno para cozer. Pelo caminho fica a dura tarefa de limpar o interior do forno, acender a lenha e tirar a cinza para que o pão não fique com impurezas.
Teixeira Correia
(jornalista)