CRIANÇAS, O PERIGO MORA EM CASA


Nas vésperas de se assinalar, no próximo dia 1 de junho, o “Dia Mundial da Criança”, ficámos a saber, que no ano de 2023 as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) movimentaram 84.196 Processos de Promoção e Proteção, mais 7,70% do que em 2022 e que a Negligência, logo seguida pela Violência Doméstica (VD), constituem as categorias de perigo mais representadas nas comunicações recebidas.

Rogério Copeto

Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Foi no encontro anual das CPCJ, promovido pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, que decorreu entre os dias 22 e 24, na Covilhã, que foi divulgado o Relatório Anual da “Avaliação da Atividade das CPCJ de 2023”, onde se resume todo o trabalho das CPCJ no ano de 2023, tendo vários órgãos de comunicação social dado eco dos principais resultados, como por exemplo a RTP, que no dia 22 de maio refere “Comissões de Proteção de Crianças e Jovens acompanharam quase 80 mil crianças em 2023” ou o Sapo, no mesmo dia, deu conta que “Há mais crianças em perigo em Portugal. 14 mil precisaram de proteção no ano passado”.

Mas antes de esmiuçar os principais dados do referido relatório, importa enquadrar o assunto, esclarecendo como funciona o Sistema de Proteção de Crianças e Jovens (Sistema), implementado pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo), que entrou em vigor em janeiro de 2001, fundamental numa sociedade que protege as suas crianças e jovens, relembrando também o importante e imprescindível papel que as Forças de Segurança (FS) desempenham no Sistema.

A imagem que melhor representa o Sistema é uma pirâmide, onde na sua base se encontram as instituições de “Primeira Linha”, as chamadas entidades com competência em matéria de infância e juventude e que realizam a primeira intervenção, sendo nessa fase uma intervenção consensual entre as referidas instituições e as famílias. No segundo patamar encontram-se as CPCJ, sendo a sua intervenção consentida, mediante concordância com um Plano de Promoção e Proteção, entre as CPCJ e as famílias. E no terceiro patamar essa intervenção é impositiva, encontrando-se neste patamar os Tribunais, intervindo unicamente quando todas as instituições atrás falharam na proteção ou as famílias se opuseram à intervenção das CPCJ.

Verifica-se que a intervenção das FS no Sistema é transversal a toda a pirâmide, intervindo em todos os três patamares, no desempenho de duas das suas funções mais importantes, a social e a jurídica, constituindo-se como entidade de “Primeira Linha”, quando desempenham funções sociais, no âmbito da prevenção, no segundo patamar como integrante de pleno direito das CPCJ, e no terceiro patamar como coadjuvante do Ministério Público, na qualidade de órgão de policia criminal, na investigação dos crimes associados às situações de perigo.

As FS estão representadas em todas as CPCJ, maioritariamente na modalidade alargada, mas também na modalidade restrita, onde acompanham o cumprimento das medidas de promoção e proteção aplicadas às crianças, que vão desde a menos gravosa que é o apoio junto dos pais, à mais gravosa que é o acolhimento em instituição, sendo a adoção a única medida que as CPCJ não podem aplicar, cabendo a sua aplicação, unicamente aos Tribunais.

As FS são a entidade que mais crianças em perigo sinalizam às CPCJ, representando estes dados só por si a grande importância que as FS têm no Sistema, quer seja na sinalização, quer no acompanhamento das crianças, conhecendo a realidade social da comunidade e das famílias, como nenhuma outra instituição conhece.

Por último importa referir o papel fundamental, que as FS têm na retirada de crianças que se encontrem em perigo atual e iminente e exista oposição dos pais, cuja intervenção na aplicação dos procedimentos de urgência é essencial e imprescindível, tendo para isso as FS adequado o modelo de policiamento, de modo a responder aos atuais desafios colocados na proteção das crianças, através da constituição de várias valências e programas para melhor responder ao problema, cujas linhas prioritárias da sua atuação são a promoção duma política integrada de prevenção e contenção da criminalidade, o fortalecimento de parcerias locais com organismos governamentais, autarquias locais e sociedade civil, tendo em vista uma abordagem mais eficaz à especificidade de cada comunidade e fomentar a responsabilidade e a participação dos cidadãos.

Pelo atrás exposto conclui-se que as FS são entidades que dão um importante contributo na promoção e proteção de todas as crianças e jovens em perigo, tornando o Sistema mais eficaz e eficiente.

Voltando agora aos resultados da avaliação do trabalho das CPCJ em 2023, para dar conta, que foram acompanhadas 84.196 crianças e jovens, tendo 32.432 processos transitado do ano 2022 e 51.764 que foram iniciados em 2023 (9.142 reabertos e 42.622 novos), correspondendo a 54.746 comunicações de situações de perigo (cada criança pode ter comunicada mais do que uma situação de perigo), pelo que número de comunicações é superior ao número de Processos que iniciaram no ano, cujo valor em causa constitui um aumento de 10,5% relativamente ao ano de 2022, podendo este aumento ser um indicador de que as instituições estão mais despertas para a problemática, denunciando todas as situações de quem têm conhecimento, diminuindo as cifras negras.

No entanto verifica-se também, que quem tem a guarda de crianças está menos protetora e mais negligente, porque no que diz respeito às situações de perigo que obrigam à sinalização das crianças ou jovens, conclui-se que a Negligência e a exposição à VD representam cerca de dois terços de todas as situações de perigo sinalizadas às CPCJ, verificando-se que a Negligência volta a ser a categoria de perigo mais sinalizada, depois de em 2019 a VD ter ultrapassado a Negligência pela primeira vez, facto que poderá ter como explicação a obrigatoriedade das FS terem de sinalizar todas as crianças que assistam as atos de VD, devendo a identificação das crianças ou jovens constar no Auto de Noticia e ser elaborada a respetiva Ficha de Sinalização para as CPCJ.

Constata-se assim que o perigo a que as nossas crianças estão sujeitas, reside maioritariamente em casa, nomeadamente através da exposição à VD e da Negligência de quem detém as responsabilidades parentais, sendo este mais um indicador que o fenómeno da VD, não só é o crime que mais destaque teve em Portugal nos últimos anos, como é um dos maiores responsáveis na criação de perigo junto das crianças e jovens, sendo por isso urgente tomarem-se medidas de combate e de prevenção da VD.

Pelo anteriormente referido, conclui-se que as CPCJ têm a responsabilidades de proteger dezenas de milhares de crianças e jovens todos os anos, sendo constituídas por pessoas de várias instituições, onde se incluem os elementos das FS e que assumem, muito provavelmente, a mais elevada responsabilidade que se poderá atribuir a um cidadão, que é a proteção das nossas crianças, tendo como única gratificação saberem que o Sistema que servem é eficaz e eficiente.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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