Sempre que Portugal arde no verão, é frequente ouvir-se questionar: porquê o crime de incêndio florestal, não é erradicado de vez? E sabendo que apesar de difícil, não é impossível prevenir, seja que crime for, o presente artigo tem como objetivo dar a conhecer um caso de sucesso, que foi a erradicação do crime de furto de metais não preciosos, que no início da década de 2010, se constituiu como um verdadeiro problema de segurança nacional.
Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Entre 2010 e 2013 o crime de furto de metais não preciosos provocou enormes prejuízos às empresas de telecomunicações e de distribuição de energia, sem esquecer os agricultores, tendo após 10 anos, deixado de ser um problema de segurança nacional.
Por motivo do grande aumento deste tipo de crime verificado no início da década de 2010 do século XXI, foi o mesmo autonomizado no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) em 2012 e de acordo com o RASI de 2013, foram registados nesse ano 13.422 crimes, tendo em 2014 se verificado uma diminuição para os 8.448 crime, continuando essa diminuição até 2018, onde constam no RASI de 2018, 2.260 furtos de metais não preciosos, verificando-se uma redução em cinco anos de 83,2%. E passados 10 anos o RASI de 2022 não fazer sequer referência a este tipo de crime
Tal como hoje, no início da década de 2010 o furto de metais não preciosos tinha como principal alvo, qualquer infraestrutura ou equipamento que contenha metal, sendo o cobre, aquele que maiores lucros gerar e por isso ser chamado de “Ouro vermelho”, apesar de não ser um metal precioso.
Qualquer objeto ou infraestrutura que contenha cobre na sua composição constitui ainda hoje um alvo potencial para os criminosos, podendo afetar fortemente uma série de setores económicos estruturantes e essenciais para o País.
O cobre alvo de furto gera um lucro fácil, porque continua a existir procura deste metal. Enquanto os metais considerados preciosos, tais como o ouro e a prata, apresentam um valor intrínseco para quem os furta, bem como para qualquer outro cidadão que os valorize enquanto objeto, o cobre é furtado para ser vendidos em grosso às sucatas, obtendo-se valor quando reintroduzidos no circuito comercial, através da reciclagem.
E conforme já referido o furto de cobre verificou uma enorme tendência de crescimento no país entre 2010 e 2013, tendo afetado desde as propriedades agrícolas, passando pelas operadoras de telecomunicações e de distribuição de energia, onde o maior prejuízo no furto de cobre resulta dos danos causados, sejam diretos ou indiretos, podendo atingir 50 vezes mais do que o valor do cobre furtado, ou seja, por cada euro de lucro para os criminosos, gera um prejuízo de 50 euros.
Nas operadoras de comunicação e de distribuição de eletricidade, os prejuízos atingem maioritariamente os consumidores, que se vêm impedidos de comunicar e no caso das empresas, de desenvolver a sua atividade. Na agricultura, os furtos nas instalações, podem significar a diferença entre um ano produtivo e um ano com elevados prejuízos.
Há várias razões que explicam a procura do cobre. Por um lado, o mercado global do cobre movimenta, por ano, cerca de 100 mil milhões de euros, sendo que só 30% das necessidades mundiais provêm da atividade mineira.
A restante fatia é obtida a partir da reciclagem e o cobre é reciclável quase a 100%. Nos mercados emergentes, como a China ou a Índia, há uma grande procura de cobre, o que tem feito aumentar o preço da matéria-prima nos mercados internacionais.
Assim, o valor do cobre aumenta, devido à elevada procura no mercado e sempre que o valor do cobre aumenta, crescem os furtos.
Mas como foi possível em Portugal que este tipo de crime sofresse uma redução de 83,2% em cinco anos e passados 10 anos, não é mais um problema de segurança nacional, apesar da prevenção deste tipo de ocorrência criminal, não ser fácil devido à grande dispersão de equipamentos e infraestruturas por todo o território nacional, agravado pelo facto de se localizarem maioritariamente em zonas isoladas e as medidas de proteção e segurança ativas e passivas serem onerosas e de difícil implementação.
Também o fácil escoamento dificulta a repressão deste tipo de crime, devido à existência muitos locais de recetação e a fácil reintrodução no mercado lícito, especialmente através da exportação.
O primeiro passo para a erradicação do crime de furto de metais não precisos foi reconhecer, que o mesmo constituía na altura, um grave problema à segurança nacional do pais, e que o seu combate requeria uma resposta multidisciplinar, através de uma atuação coordenada de todas autoridades policiais e judiciais, bem como da sociedade civil e dos agentes económicos.
Esta coordenação foi na altura encabeçada pela GNR, por motivo da maioria dos furtos de metais não preciosos ocorrer na sua zona de ação e porque implementou um conjunto de ações, onde se inclui o “Programa Campo Seguro”, que serviu de lançamento da Associação para a Promoção da Segurança de Ativos Técnicos (PSAT), criada em fevereiro de 2012 no seguimento da assinatura do Protocolo “Campo Seguro”, entre o Ministério da Administração Interna, representado pela GNR, a EDP Distribuição, a EDP Renováveis, a REFER, a EPAL e a PT, com o objetivo de estabelecimento de uma parceria ativa entre todos os parceiros, de modo a melhorar os mecanismos de defesa das suas infraestruturas, contra o furto de metais não preciosos.
No âmbito do “Programa Campo Seguro” foram realizados diversos eventos, desde ações de sensibilização em todos as Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) tendo como público alvo os agricultores, bem como a realização de seminários dirigido aos operadores de gestão de resíduos (sucateiras), assim como ações de repressão nomeadamente fiscalizações que levaram ao encerramento de muitas sucateiras ilegais.
Para além disso a GNR associou-se ao projeto europeu denominado Pol-PRIMETT em 2010, que é liderado pela Agência Nacional de Crimes do Reino Unido e reúne parceiros de 8 Estados-Membros da União Europeia (UE), e tem como objetivo a partilha das melhores práticas para combater o furto de metais não preciosos, tendo a GNR sido convidada para organizar a Conferência Anual de 2014, que se realizou no dia 15 de outubro, no Centro de Congressos, em Lisboa e contou com a participação de 187 delegados de 15 Estados-Membros da UE.
Todas estas ações tiveram os seus frutos, mas terá sido a elaboração da Lei n.º 54/2012, de 6 de setembro, que integrou importantes contributos da GNR, que mais contribuiu para que o furto de metais não preciosos deixasse de ser um problema de segurança nacional em Portugal.
A referida lei define os meios de prevenção e combate ao furto e de recetação de metais não preciosos com valor comercial e prevê mecanismos adicionais e de reforço no âmbito da fiscalização da atividade de gestão de resíduos, obrigando as sucateiras a implementar um conjunto de medidas, tal como a videovigilância, a obrigação dos registos de material e a proibição de pagamentos a dinheiro.
Para além disso os materiais recebidos nas sucateiras só poderem ser transformados decorridos três dias úteis após a sua receção e sempre que se verifiquem a existência de fortes indícios da prática de crime de furto ou de recetação de metais não preciosos, ou em caso de flagrante delito, as autoridades policiais podem determinar o encerramento temporário das instalações.
Assim, foi possível em cinco anos, o crime de furto de metais não preciosos sofrer uma redução de 83,2% e após 10 anos, deixado de ser um problema de segurança nacional, em resultado da implementação de um conjunto de medidas, que atacaram o problema na sua fonte, sustentadas em alterações legislativas e em iniciativas no âmbito da prevenção e da repressão, com base numa atuação coordenada das autoridades policiais e judiciais, bem como da sociedade civil e dos agentes económicos, devendo por isso o trabalho realizado no âmbito do combate ao crime de furto de metais não precisos, ser objeto de estudo e replicado noutros tipos de crime, especialmente no crime de incêndio florestal.