Literatura: “O porteiro do Elefante Branco”.
A jornalista bejense, Elsa Bicho, 42 anos, escreveu o seu primeiro livro, cujo lançamento deverá ocorrer até ao final do corrente mês. “O porteiro do Elefante Branco”, conta as histórias do Ribeiro, “o guardião” de uma das casas da noite de Lisboa, mais falada do país.
Como Elsa Bicho escreve na contracapa do livro “Não há quem não esboce um sorriso” quando se fala no Elefante Branco. Foi local preferencial para negócios e transações, restaurante de luxo e espaço onde os corpos endeusados das mulheres criaram muitas histórias.
E foram essas histórias que a jornalista bejense, passou para um livro depois de ouvir aquele que foi um grandes protagonistas do Elefante Branco, Ribeiro, o porteiro. Na primeira pessoa e em discurso direto, damos a conhecer aquele que é o primeiro livro que Elsa Bicho espera apresentar na sua terra, de preferência no Castelo.
Lidador Notícias (LN): Este é o primeiro livro de uma jornalista desportiva. Como surgiu a ideia ?
Elsa Bicho (EB): Desde que saí do jornal A BOLA, por opção, para poder acompanhar o crescimento da minha filha Caetana, que me entretive a escrever. Escrevi alguns microrromances : histórias intensas e curtas que isto hoje em dia as pessoas não têm tempo nem paciência para dedicarem-se a textos longos e rebuscados, histórias essas que enviei a algumas editoras. Obtive respostas – negativas – mas contacto houve que deu certo. A Prime Books, muito vocacionada para publicações de futebol e desporto, quis falar comigo. Foi o Jaime Cancella de Abreu que me propôs bebermos um café. Achei que era pelos microrromances, dos quais ainda não desisti! Mas o Jaime queria, sim, propor-me registar as histórias do porteiro do Elefante Branco. Enquanto jornalista sempre tive predileção pela reportagem, pelo contar de histórias, pelo tentar que outros sentissem as minhas emoções usando as palavras como instrumento para mexer com as pessoas. Aceitei de imediato o convite porque achei que seria desafio excecional. Depois porque, como mulher e como alguém que nunca foi ao mítico Elefante Branco, teria curiosidades comuns a muito boa gente.
Formada em Ciências da Comunicação, na Universidade do Algarve e Erasmus na Suécia, foi durante 18 anos do jornal “A Bola”. O gosto pela reportagem e o inveterado espírito como contadora de histórias, levou-a a embarcar no mundo das memórias do Ribeiro, o homem que melhor conheceu o Elefante Branco, a mais celebre casa noturna de Lisboa.
LN: Como define o livro ?
EB: Este é um livro muito leve. Poucas páginas, pouco maçudo (espero), recheado de histórias que fazem rir e que nos permitem viajar a anos dourados de abastança. Receio que muitos fiquem dececionados. Porque acredito que os leitores esperem escândalo. Querem saber quem dormia com quem, quem famoso deu facadinha no matrimónio, quais os clientes/personalidades que ali perdiam as estribeiras… Nada disso! Tudo foi acautelado, sobretudo a privacidade de muitas figuras públicas. Há histórias que se contam sem nomes, há episódios surreais que apelam ao imaginário e às sensações. E era esse o meu intuito – criar emoções mil dando vida a este livro. Resumindo: é um livro de intensa descompressão.
LN: Porque esta história ?
EB: Como disse, a história caiu-me no colo, como todas as boas histórias. Muitas vezes, sabemos de algo ou de algum acontecimento e desvalorizamo-lo sem tentar ‘entrar’ nele. As boas histórias surgem-nos, muitas vezes, de casos insólitos, de conversas até meio parvas ou de encontros desconcertantes. Pense-se: o porteiro de uma casa noturna que vinha nos roteiros turísticos promocionais de Portugal por esses aeroportos fora… É ir de mente aberta e saber ouvir.
LN: O Ribeiro, como o conheceu ?
EB: Conheci o Ribeiro através do Jaime Cancella de Abreu e da Prime Books. De início ele não estava à vontade comigo. Estava receoso de eventuais processos judiciais, usava meias palavras conforme manda a boa educação perante uma senhora (eu!). Infelizmente o seu estado de saúde – resultado de anos e anos de más práticas da noite – apagaram muita da sua memória. Perguntei-lhe coisas vezes sem conta e ele irritava-se! Mas ria-se! Passamos tardes à conversa na Expo. Foi bom. Ganhei um amigo. Um amigo muito suis generis. Um amigo que aproveitou os prazeres da vida como nunca nenhum de nós fará!
Nascido a 6 de abril de 1946, em Olhão, Manuel Marcelino Ribeiro Valente, conta hoje 73 anos. Veio para Lisboa, mais concretamente para Moscavide com 10 anos. “Casou com a noite”, mas ainda hoje é solteiro. Foi porteiro do Elefante Branco durante 22 anos e guarda muitas histórias de amores e desamores, de muitas perdições vividas no 86 da Rua Luciano Cordeiro
LN: Foi fácil para uma mulher ouvir e falar sobre o Elefante Branco” ?
EB: O facto de ser mulher ajudou ao resultado do livro conforme se apresenta. Eu perguntava-lhe: como eram as mulheres? «Eram lindas.» Mas lindas como ? «Eram perfeitas.» Perfeitas em quê? «De corpo e no saber estar». O que é ser perfeita de corpo? «Ó pá – eram tesudas! Tenho de fazer-lhe um desenho?!” – dizia-me ele…Foi muito desafiante recolher as vivências de um homem que dedicou a sua vida a apreciar a beleza feminina. Quis entrar em pormenores, quis saber falar como os homens que iam ao Elefante. Espero que os leitores me digam se fui bem sucedida!
LN: Fale-nos de duas histórias: a que mais gostou e a que mais a surpreendeu ?
EB: O livro regista histórias hilariantes como a da Carla Açoriana, pseudónimo da mulher que mais faturou no Elefante Branco. Diz-se que enlouquecia todos os homens. Que vinha gente de toda a parte para a ver. Que o seu nome constava também dos roteiros turísticos além fronteiras. Quis imaginar essa mulher, quis saber do seu peito voluptuoso, do seu cabelo aos caracóis, das curvas e da minisaia que a todos deixava excitados. Mulher essa que pôde dar-se ao luxo de recusar sair com um sheik arábe, que lhe disse pagar o que ela quisesse para estar com ele. Mas, nessa noite, Carla queria ir dançar para a discoteca com as amigas e não quis saber do sheik que foi ao Elefante noites seguidas atrás dela. Não é para todas! Depois, considero superenvolvente todo o contexto do livro – época de subsídios, da Dona Branca, de dinheiro a girar sem fim. Noites sem freio, o corropio naquela zona do centro de Lisboa. E até as ‘velhas ‘ da vizinhança passavam as noites à janela a assistir de camarote ao desfile de feiticeiras mulheres, lindas, bem vestidas e perfumadas que entravam e saíam do número 86 da rua Luciano Cordeiro. Como se de um filme ao ar livre se tratasse…
LN: Quando e onde vai ser apresentado o livro ?
EB: Ainda não tenho lançamento marcado. Será no final deste mês mas ainda não tenho sitio confirmado. Estou à espera de feedback da editora.
LN: E Beja, existe a ideia e motivação de o apresentar na sua terra ?
EB: Eu adoraria lançar o livro na minha terra mas confesso ser ‘rookie’ nestas andanças e não sei como funciona. Não sei se seria a editora a ter de fazer o contacto. Também não sei se a terra se lembra de mim. Saí de Beja com vinte e poucos anos, afastei-me de vocês.
LN: Onde faria a apresentação, Biblioteca, Centro Unesco, Pax-Júlia ou Luís da Rocha e porquê ?
EB: Biblioteca, Pax-Julia, Luís da Rocha – sentir-me-ia lisonjeada em qualquer dos espaços. Em qualquer um deles sei que encheria de orgulho o meu pai Bicho – o Bicho dos Compadres . Agora, lançamento de sonho, seria no Castelo. No meu Castelo. Onde muitas vezes me escondi quando fazia asneiras. Onde muitas vezes me refugiei naqueles anos de adolescente parva depois de ir às matinés da Pandora sem a minha mãe saber e ali esperar que me passasse o cheiro a tabaco. No Castelo, com os Cantadores do Desassossego ou os cantadores da Aldeia Nova de São Bento a darem as boas-vindas aos convidados numa tarde soalheira de outono a beber vinho tinto alentejano. Ó felicidade!
LN: Este é o primeiro, já ideias para outro livro ?
EB: Ideias para outro livro – uma segunda edição do Porteiro do Elefante Branco, edição aumentada já que, desde que o livro está à venda, tenho recebido chamadas de muitas pessoas a contarem-me histórias lá vividas. E, claro, ainda não desisti dos meus microrromances.
LN: Diretora de Comunicação do Casa Pia, como e porquê ?
EB: Fui diretora de Comunicação do Casa Pia Atlético Clube até há bem pouco tempo. Projeto do qual já me desliguei. Mas que amei! Estava perto de casa, conseguia conciliar horários com a vida da minha filha Caetana, desfrutando do frenesim da organização de um jogo de futebol. Adorei o grupo de jogadores que sempre me aceitou, tratando-me como parte integrante da equipa. Para eles o meu forte abraço e sincero obrigada- verdadeiros campeões que todos os dias são obrigados a superar-se. Adorei ser diretora de Comunicação de um clube quase centenário, de enorme potencial que só merece sucesso. Vamos ver o que a vida me reserva agora.
LN: O facto do seu marido ser diretor-desportivo do Belenenses SAD, teve influência na decisão ?
EB: O facto do Zé Luís ser diretor geral da Belenenses SAD só me ajuda a gostar ainda mais do mundo do futebol. Para mais, como ele é uma enciclopédia falante, é enorme ajuda. Para mim e para todos quantos estão ligados às quatro linhas. Chega a uma altura em que de mais nada se fala naquela casa que da redondinha. Até nisso o porteiro do Elefante Branco foi lufada de ar fresco.
LN: O jornalismo ficou, para já de lado, ou é em definitivo ?
EB: Tenho pouco jeito para muita coisa nesta vida. Sou péssima nos cozinhados e costuras, desbocada em áreas que exijam requinte e descrição. Ser jornalista sempre foi a minha fantasia de miúda, quando agarrava na escova de cabelo e fingia ser repórter de TV. Sonho esse nunca concretizado. Mas cheguei À RÁDIO. E na minha Beja! Cheguei à Bíblia, ao meu adorado jornal A BOLA. A vida empurrou-me para outros lados, para o futebol, e não consigo dizer se alguma vez voltarei ao jornalismo. Ou ao futebol. Ou aos livros. Estou expectante. Expectante como eram todas as noites no Elefante Branco!
Teixeira Correia
(jornalista)