O USO DA FORÇA NÃO É BONITO DE VER


Todos os dias assistimos a imagens onde as Forças de Segurança (FS) portuguesas ou de outros países fazem uso da força, quer seja em situações de manutenção da ordem pública, detenções ou simples revistas, cujas imagens nos chegam quase sempre através das redes sociais, e porque as mesmas não são agradáveis de ver, pretendemos com o presente artigo ajudar a perceber o seu enquadramento.

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda (ANOG)

Faz agora seis anos que abordámos aqui no Lidador Noticias o tema do uso da força, no artigo de 30 de janeiro de 2019, com o titulo “A visibilidade do uso da força”, e não querendo ser repetitivo, importa relembrar que o uso da força pelas FS é um instrumento legítimo e essencial para a manutenção da ordem pública, a proteção de direitos fundamentais e a garantia da segurança de todos nós, nem sempre a sua aplicação é bonito de ver e melhor seria se não fosse necessário.

Contudo, esse poder está subordinado a rígidas normas legais e éticas, que visam assegurar que o uso da força seja exercido de forma proporcional, necessária e responsável, em consonância com o Estado de Direito e os Direitos Humanos.

No plano nacional, o uso da força pelas FS é regulado por leis, códigos e regulamentos específicos, todos ancorados na Constituição da República Portuguesa e no plano internacional, em instrumentos legais, tais como os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990 e o Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979.

Assim, os princípios fundamentais que orientam o uso da força pelas FS são: O Principio da Legalidade, uma vez que o uso da força deve ter base legal e ser conduzida dentro dos limites que a lei permite; O Principio da Necessidade, tendo em conta que o uso da força só deve ocorrer quando outras alternativas, como a negociação, forem inadequadas ou ineficazes; O Principio da Proporcionalidade, porque o nível de força empregue deve ser estritamente compatível com a gravidade da ameaça ou da resistência enfrentada, e; O Principio da Responsabilidade, porquanto as FS devem ser responsáveis pelas suas ações, sendo as mesmas sujeitas à supervisão e ao escrutínio público.

No que diz respeito às limitações do uso da força, nomeadamente para prevenir os abusos na sua aplicação, existem restrições claras ao seu uso, especialmente em contextos que envolvam o uso de armas letais, cujas limitações pretendem proteger o direito à vida, à integridade física e psicológica, pelo que o uso de armas de fogo é permitido apenas em situações extremas, tais como a legítima defesa ou para proteger a vida de terceiros contra uma ameaça atual e iminente, sendo ainda proibido o uso da força desnecessária ou excessiva.

O uso da força não pode também ser usado para punir, nem pode exceder o necessário para conter uma ameaça, devendo ser evitada em grupos vulneráveis, tais como crianças, idosos, pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis, de modo a evitar-se o uso desproporcional da força.

Na prática, o uso da força é um tema complexo, pois exige decisões rápidas em situações de alta tensão, pelo que aos elementos das FS deverá ser providenciada formação e treino contínuo e adequado, tanto técnico como ético, para que possam agir com critério e autocontrole, onde as “body cameras” ou os órgãos de inspeção internos e externos, são ferramentas indispensáveis para prevenir abusos e garantir que os excessos sejam devidamente investigados e responsabilizados.

No entanto o uso da força pelas FS pode gerar questões e debates, sendo por isso importante compreender que, em muitos contextos, não é apenas legítimo, mas necessário para o cumprimento da lei e proteção de toda a sociedade.

As FS têm assim o dever de proteger a sociedade contra qualquer tipo de ameaça, como a criminalidade violenta, alterações da ordem publica e terrorismo, onde o diálogo e a mediação poderão não ser suficientes, sendo o uso da força a única forma de restabelecer a ordem e proteger vidas.

A intervenção das FS, incluindo o uso proporcional da força, é muitas vezes essencial para proteger indivíduos em situações de perigo atual e iminente, como por exemplo em situação com reféns, vítimas de violência doméstica ou pessoas sob ameaça direta de armas, pelo que ignorar tais situações seria negligenciar o papel fundamental do Estado em garantir o direito à vida e à segurança.

Conforme já referido, o uso da força pelas FS é regulamentado por leis nacionais e internacionais, que estabelecem critérios claros para sua a aplicação, pelo que quando empregue dentro desses limites, o uso da força não apenas é permitido, mas é também uma obrigação para cumprir o seu dever de proteger.

Os elementos das FS são formados e treinados para empregar a força de forma proporcional e apenas quando necessário, não se podendo ignorar o facto de que muitas situações exigem decisões rápidas e complexas, nas quais a falta de ação pode trazer consequências mais gravosas.

Em muitos casos, o uso de força pode evitar que uma situação se deteriore, resultando em danos maiores, como por exemplo, na dispersão de uma manifestação violenta ou para neutralizar um agressor armado, podendo-se evitar ferimentos ou mortes em larga escala.

Os elementos das FS enfrentam riscos constantes na sua atividade, onde o uso da força é, muitas vezes, necessário para proteger a sua própria integridade física em situações de confronto direto ou resistência violenta.

E quando as FS agem de forma legítima e proporcional, fortalecem a confiança da população nas instituições públicas, demonstrando que o Estado está presente e é capaz de atuar em prol do bem comum, especialmente em cenários de emergência ou crise.

Não se podendo ignorar que nos Estados de Direto Democrático, existem mecanismos de supervisão e responsabilização do uso da força, pelo que caso ocorram abusos, os mesmos podem e devem ser investigados, sem que isso implique uma deslegitimação automática das ações que forem necessárias e legais.

Conclui-se assim que o uso da força pelas FS, apesar de não ser bonito de ver, é um recurso legítimo, que envolve responsabilidades e limitações, onde o respeito pela legalidade, os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana deve ser o farol de toda a ação policial, sendo fundamental que o poder do Estado seja exercido de forma responsável e equilibrada, consolidando a confiança da sociedade nas FS, sendo uma ferramenta legítima e, muitas vezes, indispensável para garantir a segurança, a ordem pública e os direitos fundamentais, protegendo a sociedade e preservando os direitos humanos, tendo em conta os limites legais e os princípios da proporcionalidade e da necessidade.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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