Opinião (José Lúcio/ Colunista): O fogo às portas da cidade.
Nestes dias que vivemos temos tido o fogo às portas da cidade. Uma semana de distúrbios, com destruição em automóveis e autocarros, ecopontos e caixotes do lixo a arder, desordens nas periferias suburbanas de Lisboa a Setúbal.
Colunista do Lidador Notícias
Escreve à sexta-feira
E muitos de fora a soprar as brasas, a ver se o fogo se faz incêndio – finalmente as revoluções sonhadas saindo às ruas do país real.
O que mais importa dizer a este propósito?
Em primeiro lugar, um desabafo. É preciso dizer que nos é mais fácil ser indulgente com um pequeno delinquente do Bairro da Jamaica do que com um revolucionário burguês a escrever para o Expresso sentado confortavelmente numa poltrona do Banco de Portugal.
Depois, é importante referir que designar a polícia por bófia significa tomar como seu um vocabulário próprio de uma certa subcultura marginal. Não fica bem a um cidadão comum, e não é admissível num responsável político em funções num grupo parlamentar. As palavras têm consequências. Neste caso, a legitimação de comportamentos antissociais. Apedrejar a bosta da bófia torna-se a coisa mais natural deste mundo.
A seguir, também é da maior relevância acrescentar que a invocação oportunista de justificações de natureza social, económica ou racial para legitimar comportamentos delinquentes surge claramente como um exercício de hipocrisia. Não é que não existam tais problemas. Mas quem tenta acirrar os ânimos, e cavalgar a onda para servir os seus delírios políticos, não pretende solução nenhuma nem quer resolver nada – só quer que as chamas se espalhem, e abram caminho aos amanhãs que cantam.
Um problema de ordem pública é antes do mais um problema de ordem pública, ou seja uma questão de polícia para a polícia resolver. Uma vez restabelecida a ordem pode então falar-se dos problemas sociais, económicos, ou outros – e podem procurar-se as soluções para eles. Mas, que não haja ilusões, sem esse pressuposto não é possível trabalhar nesse sentido.
Nós, todos nós, é que não podemos ficar reféns das fantasias revolucionárias de quem estagnou numa espécie de adolescência parada no tempo, entre imagens desbotadas das barricadas de um Maio cinquentenário ou de um Outubro já centenário.
As manipulações foram tão longe que até levaram a que fossem publicadas notícias sobre intervenções oficiais de governos estrangeiros que vieram a mostrar-se falsas. Ignora-se a origem de tais notícias, mas não custa perceber a intenção. Era preciso lançar mais lenha para a fogueira, e dar-lhe dimensão internacional sempre ajudava.
Note-se que o exagero tornou-se contraproducente. A própria Embaixada de Angola sentiu-se na obrigação de emitir um comunicado oficial onde “apela aos cidadãos angolanos a assumir uma atitude de serenidade e civismo, respeitando as leis e a ordem pública do país de acolhimento, abstendo-se de acções negativas e de participar em actos que mais não são do que aproveitamentos alheios com fins inconfessos”.
Um conhecido jornalista angolano publicou um artigo no Diário de Notícias a denunciar a proliferação de “vídeos e áudios de pseudorreportagens (…) quase todas mais interessadas em denunciar um suposto ato racista da PSP do que em narrar os factos”. Para concluir que “há gente a precisar desesperadamente de uma razão para sair à rua e incendiar contentores, carros e partir montras”.
Nem mais, nem menos. A ninguém restaram dúvidas que não são os pobres moradores do Bairro da Jamaica, ou das outras jamaicas todas, que estão em causa nas movimentações políticas que se sucederam. Aliás, eles expressaram o seu distanciamento em relação aos aproveitadores, tanto quanto a imprensa militante lhes permitiu.
Desfeitos os equívocos (e ao nível das instituições ninguém ignora quais são os equívocos, e qual é a origem e o propósito dos aproveitamentos políticos em curso) importa que se tirem as devidas lições.
Com serenidade mas com firmeza, impõe-se que os responsáveis honrem as suas responsabilidades, e garantam às forças policiais todos os meios, todo o apoio e toda a autoridade de que necessitam. Quando digo responsáveis penso em primeira linha nos titulares de cargos políticos com competências directas ou indirectas nessa área, mas também em todos aqueles que institucionalmente estão vinculados à defesa da tranquilidade e da paz pública.
Se o combustível continuar a vir de cima será mais difícil assegurar a solidez das instituições, e a segurança das pessoas e dos bens. Não é isso certamente que serve os interesses do povo, sempre invocado, mesmo por muitos que na primeira oportunidade se esquecem dele.
(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)