Opinião (José Lúcio/ Juiz): Apanhados do clima.


Há fórmulas que têm o condão de concitar a adesão geral precisamente por serem tão vazias e destituídas de sentido que não é possível dar-lhes um significado concreto. É o caso do estafado lema da luta contra as alterações climáticas.

José Lúcio

Juiz

Que o clima está em constante mutação, e sempre sofreu modificações ao longo do tempo, e varia de época para época e de sítio para sítio, é algo de indiscutível. Houve épocas mais quentes e mais frias, ciclos mais chuvosos e mais secos, e isso acompanha a humanidade desde que o mundo é mundo. Que as mudanças sejam devidas a um factor ou a outro, ou a uma multiplicidade deles, isso já é mais complicado de dizer, e nesse ponto nem os especialistas se entendem.

Todavia, não se pode discutir que efectivamente o clima sofre alterações e que essas mudanças afectaram e afectam grandemente a vida das populações. Coisa bem diferente é atribuir a essas alterações uma conotação irremediavelmente negativa. Umas vezes o clima mudou para pior e outras mudou para melhor. Depende dos pontos de vista, e basta indagar ao longo da história para confirmar que assim foi. Seja no deserto do Sahara ou na Terra Nova, ou em qualquer local do globo onde nos situemos, ocorreram mudanças que alteraram a vida das populações. Por vezes enchendo de areia onde outrora floresceram trigais, noutras cobrindo de gelo o chão onde em tempos
vicejaram vinhas. As mudanças não ocorrem em sentido único. Há regiões que hoje possuem climas moderados e favoráveis à vida e onde noutras épocas era impossível viver.

Aliás, nestes tempos em que tanto sucesso faz o imperativo da luta contra as alterações climáticas, não custa observar que em muitos locais as gentes se pudessem mandar nessas coisas certamente quereriam mudar o clima que a natureza lhes disponibiliza, fazendo-o mais a seu gosto. Infelizmente ainda não descobriram os meios, mas há esperanças de que lá chegarão.

Aqui chegados, pergunta-se: o que significa lutar contra as alterações climáticas? Pugnar para que o clima permaneça imutável, estático para todo o sempre? E como vamos fazer para o proibir de evoluir e mudar? O que se quer dizer com lutar? Implica apenas rezar muito, ou plantar muitas árvores e reciclar os plásticos, ou também andar ao murro por aí, não se sabe com quem? Confesso que para mim o significado concreto da “luta contra as alterações climáticas” constitui um profundo mistério.

Observo até com algum divertimento que a expressão combate contra as alterações climáticas surgiu como uma espécie de sucedâneo para outra que entretanto caiu em desgraça. Originalmente era o aquecimento global, e todos
devíamos lutar contra o aquecimento global. Era inútil tentar argumentar que ninguém tem certezas sobre a influência do homem nessas questões do clima, e que a ciência continua a estudar intrigada essa problemática e os factores que a determinam. O imperativo ético era, forçosamente, a luta contra o aquecimento global.

Sucedeu entretanto que sobrevieram em vastas regiões do globo alguns dos Invernos mais rigorosos de que há registo, e até o sr. Trump lá dos confins de uma América a tremer de frio e esmagada pelos nevões veio meter-se com
os entusiastas do aquecimento global desabafando que por essa altura já suspirava por um bocadinho de “aquecimento global”. Claro que os fanáticos não apreciaram a graçola, e não mudaram nada de substancial nas suas
convicções, mas para fazer face ao anedotário resolveram introduzir uma renovação na semântica. Subitamente deixou de falar-se em aquecimento global e a terminologia obrigatória passou a traduzir-se no imperativo combate
contra as alterações climáticas. Estas, pelo menos, ninguém pode negar que existem.

Claro que para além do chavão permanece o problema de saber o que significa. Mas isso é um pormenor que não interessa aos militantes. O que importa é ter um slogan, e que seja mobilizador quanto baste.

(Texto escrito segundo a norma ortográfica anterior ao AO1990, por opção do autor)


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