Como sabem os que foram acompanhando o que aqui fui publicando, estes meus escritos nasceram directamente do exercÃcio do cargo de juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Beja.
Juiz Desembargador
Desde o momento inicial do novo Tribunal, criado pela reforma judiciária de 2014, até ao dia 31 de Dezembro de 2020, dia em que cessei funções, fui eu o responsável máximo por este tribunal.
Não é de estranhar, portanto, que sinta de vez em quando a tentação de olhar para trás e rememorar esse largo perÃodo da minha vida.
Lembrar significa quase inevitavelmente cair na tentação do balanço, quando não do relatório. Como é óbvio não é este o lugar para relatórios e nem sequer me proporia lançar aqui um balanço pessoal, que envolve aspectos de natureza diversa em que prefiro manter reserva.
Todavia, movido ainda pelo mesmo impulso que me levou a tentar sempre, ao longo desse perÃodo dilatado, estabelecer comunicação regular com a comunidade local que servia, e promover uma verdadeira relação de proximidade com todos os sujeitos envolvidos na tarefa comum ao tribunal ou afectados por ela, parece-me útil, decorrido já um lapso de tempo significativo sobre a partida, dirigir o olhar para o que foi feito e deixar sobre isso apontamento, ainda que breve.
Na verdade, o esquecimento é fácil – e confesso o receio de que não tarde muito tempo venham a surgir vozes a proclamar que o modelo da reforma judiciária falhou, depois de terem sido criadas todas as condições para efectivamente falhar.
Obviamente que se faltar pessoal, se faltarem instalações, se faltar até o equipamento mais básico, os tribunais não poderão funcionar como seria desejável, seja qual for o modelo organizacional.
Dito isto, faço questão de chamar a atenção para os números relativos à movimentação processual no Tribunal Judicial da Comarca de Beja no perÃodo compreendido entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2020, tal como constam na plataforma oficial citius no momento mais recente (aquele em que escrevo, 7 de Março de 2021).
Sabe-se que estes números não equivalem a rigor absoluto, dadas as incertezas que envolvem sempre a representação numérica de realidades complexas. Sabe-se que existem outras bases de dados paralelas, que poderão apresentar resultados um pouco diferentes (depende normalmente dos critérios definidos). Sabe-se evidentemente que o desempenho de um tribunal está longe de se esgotar na contagem de processos entrados e findos.
Todavia, deixando de lado os aspectos qualitativos, que são sem dúvida da maior relevância, os dados estatÃsticos sobre a movimentação processual fornecem um quadro informativo insubstituÃvel sobre o desempenho dos serviços num determinado perÃodo.
É sobre os processos que se materializa a actividade de um tribunal, e a contá-los é que a gente se entende.
Ora o que encontramos nas estatÃsticas sobre o movimento processual no Tribunal Judicial da Comarca de Beja no perÃodo que decorreu entre 1 de Setembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2020?
Verificamos que, de acordo com a fonte citada, a massa processual global era no inÃcio do perÃodo de 14.502 processos e no final tinha baixado para 6113. A redução era superior a 57%.
E essa variação, no sentido da diminuição das pendências, abrangia todas as áreas processuais, embora seja mais expressiva numas que noutras.
Seguindo a ordenação dada pelo citius, na área cÃvel, claramente a dominante em termos numéricos, havia 12.305 processos no inÃcio do perÃodo considerado e 4.779 no final. A redução era superior a 61%.
Depois a área criminal, a segunda mais relevante segundo o critério numérico, que tinha no inÃcio 1.025 processos e no final 596. Houve uma redução que excede 41%.
A seguir a jurisdição laboral (trabalho), onde no princÃpio pendiam 515 processos e no final estavam pendentes 416. Houve uma redução superior a 22%.
Segue-se a jurisdição tutelar (menores), em que se constata que os processos desceram de 606 para 295, alcançando-se uma redução superior a 51%.
E o mesmo na instrução criminal, fase em que existiam 51 processos a 1 de Setembro de 2014 e só existiam 27 em 31 de Dezembro de 2020 (redução de 47%).
Tudo somado, temos os números globais que referimos no inÃcio: o tribunal começou com 14.502 processos pendentes e a 31 de Dezembro de 2020 já só tinha pendentes 6113, tendo-os reduzido em mais de 57%.
Para alcançar esse resultado terá sido necessário, segundo a mesma fonte, terminar durante esse perÃodo um total de 51.753 processos.
Foi assim, e só não reconhece quem não quer. Sem querer usurpar para mim méritos que não me pertencem, sinto-me, no entanto, no direito de sublinhar que isto só se consegue com entrega total e com sentido do dever. E nisso de certeza que eu não falhei.
Gostaria que não faltassem para o futuro as condições da esperança. São perfeitamente conhecidas, todos sabem o que é preciso, as entidades responsáveis nunca poderão alegar falta de informação ou desconhecimento. Oxalá não nos falhem, e o Tribunal Judicial da Comarca de Beja possa hoje e amanhã continuar a caminhar no mesmo sentido e no mesmo ritmo que marcou a sua marcha desde 1 de Setembro de 2014.