Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): RETIRADA DE CRIANÇAS – 2ª Parte.


Conforme ficámos a saber no artigo anterior, para cumprimento de uma retirada urgente de uma criança é necessário que o perigo atual ou iminente, que esse perigo seja contra vida ou integridade física ou psíquica da criança ou do jovem e que haja ausência de consentimento dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Para facilidade de explicação e compreensão dos pressupostos referidos iremos abordar os dois primeiros em conjunto e que compõem o requisito subjetivo, o perigo atual ou iminente e que esse perigo seja contra a vida ou integridade física ou psíquica.

A alínea c) do art.º 5.º da LPDPCJP define situação de emergência como sendo “a situação de perigo atual ou iminente para a vida ou a situação de perigo atual ou iminente de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, que exija proteção imediata nos termos do artigo 91.º, ou que determine a necessidade imediata de aplicação de medidas de promoção e proteção cautelares”. A situação de emergência que justifica qualquer intervenção é aquela em que, de acordo com esta definição, represente um perigo atual (existente, portanto numa determinada situação, num dado momento) e iminente, (uma vez que está prestes a eclodir), transpondo para o sistema de protecção uma figura próxima do quase flagrante delito do processo penal, cabendo também os casos em que o perigo tendo terminado, pela presença das autoridades, ainda se verifiquem actos ou características reveladoras daquele perigo.

A LPDPCJP ao usar o vocábulo perigo, quer-se referir a uma situação de completa e grave ausência de condições que possibilitem ao menor um desenvolvimento são e harmonioso nos domínios físico, intelectual, moral e social. Devendo o conceito de perigo ser entendido como o risco atual ou iminente (podendo ser potencial, desde que o seja com algum grau de probabilidade) para a segurança, saúde, formação moral, educação e desenvolvimento do menor, tal como enunciados anteriormente. Concluindo-se que estando ameaçados outros direitos da criança ou jovem, que não a sua vida ou integridade física ou psíquica, não é legítimo o recurso a este procedimento, não admitindo o artº 91º outra interpretação que não seja a de que este procedimento é restrito aos casos em que está em causa a vida ou a integridade física ou psíquica da criança ou jovem.

As CPCJ ou as ECMIJ têm legitimidade para aplicar o artº 91º, no âmbito da sua intervenção na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem em perigo, uma vez que não necessitam do consentimento dos pais para poderem intervir, mas, em caso da não oposição dos pais para a intervenção, não é legítimo o recurso ao art.º 91º, uma vez que um dos pressupostos para a execução deste procedimento é precisamente a ausência de consentimento, requisito objectivo e último, para cumprimento do artº 91º.

Assim, só quando todos os pressupostos referidos estejam reunidos, é legítimo o sacrifício de outros interesses de modo a salvaguardar os interesses da criança ou jovem em perigo. Não existindo ausência do consentimento dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto, não é legítimo o recurso a este procedimento. Porque a execução dos procedimentos de urgência previstos no art.º 91º, justifica o sacrifício de outros interesses juridicamente protegidos, de forma a afastar a criança ou do jovem do perigo.

No que diz respeito à intervenção da FS na aplicação do art.º 91º da LPDPCJP, relembramos que é referido que as ECMIJ ou as CPCJ, quando executam um procedimento de urgência na ausência de consentimento “tomam as medidas adequadas, para sua protecção imediata e solicitam a intervenção do tribunal ou das entidades policiais”, parecendo-nos evidente que o legislador quis colocar o Tribunal e as FS no mesmo patamar, apesar de também considerarmos, que tal como já foi referido, e de acordo com o princípio da subsidiariedade, o Tribunal funciona como último patamar da intervenção. Mas, ao estarmos perante um procedimento excepcional, o legislador teve a intenção de fazer com que o Tribunal tivesse a sua intervenção mais a montante do que o normal.

Assim, sempre que as CPCJ ou as ECMJI executam um procedimento de urgência solicitam a intervenção dos Tribunais ou das FS, e caso seja a estas últimas, dão de imediato conhecimento ao MP ou quando tal não seja possível, logo que cesse a causa da impossibilidade. Sendo que de acrescentar que de acordo com o nº 3 do artº 91º, enquanto não for possível a intervenção do Tribunal, as FS retiram a criança ou o jovem do perigo em que se encontra e asseguram a sua protecção de emergência em casa de acolhimento temporário, nas instalações das ECMIJ ou em outro local adequado.

Logo, ocorrendo uma situação de perigo atual ou iminente, a pedido das CPCJ ou de uma qualquer entidade com competências em matéria de infância ou juventude, a criança ou jovem deve ser retirada da situação em que se encontra pelas FS, que lhes assegura a sua protecção de emergência.

No entanto duas questões poderão ser colocadas pelo teor do artº 91º: primeira, a de saber se as FS só podem intervir a pedido das CPCJ ou das ECMIJ ou podem intervir também por sua iniciativa? a segunda, se só as FS podem intervir?

Respondendo à primeira questão, verifica-se, com efeito e considerando as tarefas de prevenção e vigilância das FS, designadamente as de manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas e a de garantia da segurança das pessoas (nas quais se incluem as crianças e jovens), e o particular conhecimento do meio social onde desempenham a sua actividade, parece-nos evidente que a intervenção policial pode e deve ser efectuada por sua iniciativa efectuando-se logo que possível a necessária comunicação ao MP, conforme n.º 2 do art.º 91.º. Refira-se ainda que as FS são as entidades que mais próximas estão dos cidadãos e em melhor posição para os defender.

Em relação à segunda questão que também se pode colocar, a de saber quem procede à retirada da criança ou jovem em perigo, o que de acordo com o n.º 1, será qualquer entidade (CPCJ ou não), que primeiro constatar a necessidade de intervir, solicitando posteriormente a intervenção de qualquer ECMIJ, das CPCJ, dos Tribunais ou das FS, e de acordo com o n.º 3, no caso de não se conseguir o contacto com o Tribunal, serão as FS a retirar a criança ou jovem do perigo.

O papel das FS é fundamental no procedimento de urgência na ausência de consentimento, porque o art.º 91.º atribui às FS a competência de cessar imediatamente o perigo atual ou iminente para a vida ou integridade física ou psíquica da criança ou jovem, quando os detentores do poder paternal não o fazem. As FS devem retirar a criança e assegurar a sua protecção de emergência em casa de acolhimento temporário, dando de imediato conhecimento ao MP ou logo que seja possível. Não sendo no entanto este procedimento um exclusivo das FS, mas ao fazer intervir as FS no procedimento será, quanto a nós, fazer intervir uma entidade de autoridade, na impossibilidade e ausência duma ordem judicial, para tornar exequível e seguro o momento da retirada, mais do que uma entidade com competência específica para a efectuar. Assim, sugere-se que intervenção das FS não seja na mediação com os detentores do poder paternal, mas simples autoridade presente, como garantia de segurança e do bom funcionamento do procedimento em execução.

Conforme referimos atrás, quando se intervém na protecção de crianças ou jovens em perigo, tanto é importante saber identificar os perigos como conhecer os princípios em que essa intervenção se encontra subordinada, sendo a retirada de criança ou jovem o melhor exemplo, em como o cumprimento dos princípios para a intervenção são importantes, bem como a correcta identificação dos sinais de perigo.

Para além disso, consideramos também que sendo os procedimentos de urgência na ausência de consentimento, um procedimento excepcional, o mesmo só pode ser executado caso os pressupostos legais estejam reunidos: o perigo atual ou iminente; que o perigo seja para a vida ou integridade física ou psíquica; e a ausência do consentimento dos detentores do poder paternal.


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