Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): UM PAÍS DE INCENDIÁRIOS.


O título deste artigo pode ser exagerado, porque nunca se deve generalizar, mas é o que dá vontade de dizer, perante um país que arde desde junho e que deverá continuar a arder, provavelmente muito depois da fase charlie terminar a 15 de setembro, prevendo-se por isso, que o período crítico seja prolongado, tal como também foi antecipado.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Nestes últimos dias muitas são as notícias que dão conta do aumento do número de detenções pela prática do crime de incêndio florestal efectuadas pela GNR e PJ, como é exemplo a peça da TVI24 de 9 de agosto com o título “PJ e GNR já detiveram 77 incendiários”, onde é referido terem sido detidos até ao momento 77 incendiários em Portugal, correspondendo ao triplo das detenções ocorridas no ano passado.

Mas os números de detidos continuam a crescer, e se na semana passada a PJ tinha detidos 54 indivíduos, na segunda-feira esse número aumentou para 60, conforme notícia do Público de 14 de agosto com o título “Sobe para 60 o número de detidos por suspeita de incêndio florestal”, referindo que “só este ano foram detidas 60 pessoas por suspeita do crime de incêndio florestal em Portugal”.

No que diz respeito à área ardida, ficámos a saber através da peça da RR de 10 de agosto com o título “Quase 140 mil hectares já arderam. É mais de um terço do total na UE”, que até 5 de agosto “Portugal é o país da União Europeia com mais área ardida neste ano: 139.586 hectares” e que já ardeu uma área seis vezes superior à média registada nos oito anos anteriores, pelo que tendo em conta que no sábado passado foram registadas 268 ignições, o maior número num só dia neste ano, de acordo com o artigo com o título “Incêndios voltam a bater recorde e Portugal pede ajuda à Europa”, do Diário de Notícias de 12 de agosto, espera-se que o valor da área ardida cresça ainda mais.

Por isso o ano de 2017 independentemente de como irá terminar, no que a incêndios diz respeito, ficará na história, como um dos mais negros, não só em número de ocorrências, como em área ardida, mas sobretudo no que se refere à perda de vidas, cujo incêndio de Pedrógão Grande de 17 de junho, provocou a morte de 64 pessoas e duas centenas de feridos, devendo ser acrescentados mais 55 feridos, registados desde a última 4ª-feira, de acordo com o artigo do Expresso de 15 de agosto “Incêndios causaram 55 feridos em seis dias”.

Mas o ano de 2017 ficará também registado como sendo um dos anos com maior número de detenções, conforme já referido, levando o Presidente da Liga de Bombeiros, Jaime Marta Soares, a declarar “que mais de 80 % dos fogos têm origem criminosa”, conforme peça da SIC Notícias de 10 de agosto com o título “Liga dos Bombeiros reforça que 80% dos fogos tem origem criminosa”. Em 2015, o na altura, Comandante Operacional Nacional, José Manuel Moura, declarava que “90% dos incêndios são de origem humana”, conforme noticiava a peça da TVI24 de 11 de agosto.

Provavelmente a convicção do Presidente da Liga de Bombeiros tem em conta o elevado número de detidos pela prática do crime de incêndio, verificando-se que até o perfil do incendiário está a mudar, conforme refere o artigo do Público do dia 8 de agosto, com o título “Incendiárias detidas pela Judiciária quadruplicam”, onde ficámos a saber que “quadruplicou o número de mulheres detidas pela Polícia Judiciária por suspeita de incêndio. Se até Agosto do ano passado se tinham registado apenas duas detenções, este ano já foram feitas oito”.

Sobre o perfil do incendiário sabemos, pelo menos desde de 2010, que “os incendiários têm em geral 20 a 35 anos, são solteiros ou viúvos, têm baixos índices de escolaridade e estão desempregados”, conforme é referido na peça da TSF de 23 de Setembro de 2010 com o título “PJ traça perfil de incendiário português”, que divulga um estudo do Instituto Superior da Policia Judiciária, que concluiu que este grupo totaliza 70%, sendo que só em 10% dos incêndios há mulheres envolvidas e geralmente são duas as motivações “problemas amorosos mal resolvidos e fascínio pelo espectáculo”.

Este assunto é abordado, praticamente todos os anos, por esta altura, por isso a RR na sua peça de 11 agosto do ano passado com o título “Perfil do incendiário está bem definido”, cita o psicólogo forense da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa Gonçalves, que sobre o perfil do incendiário refere “trata-se quase sempre de indivíduos com baixo nível educacional e de qualificação profissional, habitantes em zonas rurais, consumidores de substâncias – nomeadamente álcool – e em muitos casos com um atraso cognitivo e com patologias do foro mental”, e que provoca incêndios por “vingança ou simplesmente por motivos fúteis”, sendo que “muito poucos são os casos em que aparece um aliciamento monetário”, cuja maior dificuldade está no “nível de reincidência”, que este tipo de criminoso apresenta, levando no ano passado a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa a admitir aumentar as penas do crime de incêndio, conforme peça da RR de 11 de agosto de 2016 com o título “Agravamento de penas para incendiários deve ser ‘seriamente’ analisado, diz ministra”, por motivo de uma petição denominada “Petição 25 anos de prisão para quem (atear/mandar) fogo florestal”, que na altura contava com mais de 10 mil assinaturas e agora conta com quase 60 mil, não tendo no entanto ainda sido apresentada.

Mas o aumento das penas, provavelmente, não será a solução, porque de acordo com o artigo do Público de 7 de Setembro de 2013 com o título “Só 6% dos incendiários florestais condenados tiveram prisão efectiva”, refere que “apenas 14 dos condenados entre 2007 e 2011 pelo crime de incêndio florestal viram ser-lhes aplicada uma pena de prisão efectiva”. Num total de 280 condenações entre 2007 e 2011 pelo crime de incêndio florestal, metade dos arguidos foram sujeitos a penas de prisão suspensas e só 6% dos condenados pelos tribunais de primeira instância viram ser-lhes aplicada uma pena de prisão efectiva.

O artigo refere ainda que “a esmagadora maioria dos condenados são homens, contra apenas 6% de mulheres. Do ponto de vista das idades, destaca-se o grupo etário entre os 40 e os 49 anos a quem são atribuídas 59 condenações. Do lado oposto estão os menores com responsabilidade criminal (16 e 17 anos), com apenas três condenações registadas, todas em 2011”.

Sobre o reduzido número de penas de prisão efectiva, o coordenador de investigação criminal da PJ aposentado, António Carvalho, referia na altura considerar existir “uma atitude muito condescendente relativamente a este tipo de crime” e que “as penas deviam ser exemplares”. Uma análise completamente contrária é feita pelo presidente da Associação Sindical dos Juízes, Mouraz Lopes, referindo que “é preciso distinguir entre incêndios dolosos e incêndios negligentes. Estes últimos são os mais comuns, envolvendo normalmente pastores e agricultores, e aqueles em que se aplicam as penas suspensas” e que “nos incêndios dolosos é que são aplicadas as penas de prisão efectiva”, não estranhando por isso que entre 2017 e 2011 só tenha havido 14 condenações a prisão efectiva, considerando ainda normal “que nos casos em que o incendiário está a responder pela primeira vez, não lhe seja logo aplicada prisão efectiva”.

No mesmo artigo é referido pelo Tenente-Coronel Joaquim Delgado da GNR, que respeitante aos incêndios negligentes, e tendo em conta as investigações realizadas por esta força, que “a maior fatia é de origem negligente. Representam 38% do total”, as causas intencionais representam 23% e as investigações que acabam sem origem determinada representam 30% do total.

Terminamos relembrando que já por várias vezes abordámos aqui no LN o tema dos incêndios florestais, onde em quase todos foi enaltecido o esforço e dedicação de todos os atores da protecção civil, em particular os combatentes, pelo que, tendo em conta o elevado números de ignições que todos os anos ocorrem e que têm como consequência a perda de vidas humanas e a destruição de património privado e público, empobrecendo o país, somos da opinião, que este país de incendiários não merece a floresta que tem.


Share This Post On
468x60.jpg