Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): “VIOLÊNCIA VIRAL”.
Tendo como referência as agressões ocorridas em Almada, abordamos o conceito de “violência viral” e explicamos porque “os tribunais são brandos”, e sobre as agressões em Ponte de Sor, afirmamos que presumivelmente nunca será feita justiça.
Tenente-Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação
O conceito de “violência viral” foi-nos dado a conhecer pelo Jornal I na edição de 16 de janeiro, no artigo com o título “Violência viral: Vandalismo exibicionista preocupa peritos”, onde a Investigadora Margarida Gaspar de Matos e a Pedopsiquiatra Ana Vasconcelos referem temer “um concurso de mau carácter” e que “Despistar sinais de risco, até familiares é crucial para que a moda não pegue”, ao referirem-se aos últimos casos que se tornaram conhecidos do público devido á divulgação de vídeos de agressões entre jovens e que se tornaram virais, sendo o das agressões de Almada um exemplo disso, onde a mesmas só ocorrem, na certeza de estarem a ser gravadas, para imediatamente a seguir serem partilhadas nas redes sociais, o que no caso dessas agressões, acabaram por incentivar ao avanço da investigação.
Sobre este novo fenómeno da “violência viral” a opinião dos peritos é unânime, referindo que “a divulgação de imagens estimula comportamentos violentos, mas isso não quer dizer que as agressões tenham aumentado. A sociedade também pode estar mais atenta, declarando mais casos que, no passado, eram calados nos corredores das escolas. ‘Antes não se falava tanto disso porque, de algum modo, a violência interpessoal era mais tolerada: os pais agrediam os filhos, de chicote por vezes, os professores agrediam os alunos, os maridos agrediam as mulheres, os amigos agrediam-se uns aos outros, a polícia agredia os cidadãos… A regulação social era feita com base na pancadaria’”, acreditando que “podendo ser uma intolerável moda de mau gosto, alguns casos poderão indiciar perturbações mentais ou de personalidade dos jovens que requerem acompanhamento”, temendo-se que “ esta tendência incite a mais violência”, defendendo por isso “um maior acompanhamento dos jovens”.
Conforme já referido, o caso das agressões de Almada é um exemplo acabado deste novo fenómeno de “violência viral”, tendo na semana passada sido conhecido um novo capítulo, com a aplicação das medidas de coacção aos agressores, conforme peça da SIC Noticias de 13 de janeiro com o título “Jovens agressores de Almada proibidos pelo tribunal de estarem perto do agredido”, onde é referido que “de acordo com o site da procuradoria da comarca de Lisboa, os três agressores ficam sujeitos “a obrigação de frequência escolar, com assiduidade e bom comportamento; proibição de se deslocarem e permanecerem em determinados locais frequentados pelo ofendido; proibição de contactarem, por qualquer meio, com o ofendido, e entre si.”
Por motivo da aplicação das medidas referidas ou não, Celso Manata director dos serviços prisionais “defende mais internamentos e critica Protecção de Menores e juízes”, num artigo publicado pelo Expresso, na sua edição de 14 de janeiro com o título “Tribunais são ‘demasiado brandos’ com delinquentes” (sem link disponível), onde ainda é referido que os “jovens em centros educativos diminuíram 54% em cinco anos”, que o Sistema Tutelar de Educativo passou do “oitenta ao oito” e que “centros educativos em sobrelotação, e até listas de espera para alojar os jovens delinquentes condenados a medidas de internamento, já não existe. Atualmente a rede acumula vagas em todo o país”.
No artigo, Celso Manata refere que “na génese está uma intervenção muito branda da protecção de menores. As pessoas que estão nas comissões de protecção, nas instituições com miúdos acolhidos no âmbito de processos de protecção estão a ser complacentes, são demasiado brandas, não estão a participar todos os crimes. Estão a aturar coisas a mais. Os miúdos chegam-nos numa fase muito adiantada, porque não lhes são aplicadas as medidas certas na altura certa. Os crimes agravaram-se muito, os percursos que trazem são cada vez mais complicados” .
No mesmo artigo, Augusto Carreira, director do serviço de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Central refere que “a violência está mais violenta, mais grave, mais banalizada, cruel e extremada. É cada vez mais uma forma de relacionamento perturbado entre os jovens, de uma desumanização preocupante” e o psiquiatra Rui Abrunhosa refere “tantas vezes os problemas começam em famílias desestruturadas, onde a violência já está presente”, referindo ainda que “Não sou grande defensor dos modelos mais punitivos”.
Na novela sobre as agressões ocorridas no dia 18 de agosto do ano passado em Ponte de Sor, em que são suspeitos os filhos do Embaixador iraquiano, também conhecemos mais um capítulo na semana passada, a quem o estado português tinha solicitado o levantamento da imunidade diplomática, para que os mesmos sejam constituídos arguidos, e que no dia 6 de janeiro se soube que as autoridades do Iraque adiaram a decisão sobre o levantamento da imunidade, para se saber agora da existência de um acordo entre a família da vítima e a família dos agressores, conforme artigo do Observador de 13 de janeiro, com o título “Ponte de Sor. Acordo com embaixador do Iraque é de mais de 30 mil euros”, esclarecendo ainda o artigo do Correio da Manhã, também de 13 de janeiro que a “Família retira queixa contra gémeos iraquianos”, pelo que segundo a peça da rádio Renascença do mesmo dia “Agressões em Ponte de Sor. ‘Com este acordo fez-se justiça’”, mas no entanto e também segundo a Rádio Renascença “Agressões em Ponte de Sor. Ministério Público prossegue investigação”.
Ou seja, com o acordo agora formalizado, a família da vítima, considera que a justiça foi feita e retirou a queixa, mas porque se trata de um crime público, o MP continua com a investigação, com o objectivo de sentar no banco dos réus, os suspeitos do grave crime de ofensas à integridade física, que o jovem de Ponte de Sor sofreu às mãos dos filhos do Embaixador iraquiano. Justiça que a mãe da vítima, duvidava que acontecesse, conforme artigo do Observador de 15 de outubro do ano passado, com o título “Mãe de jovem agredido em Ponte de Sor teme que iraquianos não sejam julgados”.
Justiça que depois deste acordo está mais difícil de obter, tendo em conta a presumível falta de colaboração, que a vítima irá ter durante o julgamento, que provavelmente nunca se irá realizar, conforme acontece com os crimes de violência doméstica, que por falta de colaboração das vítimas, os agressores nunca vão a tribunal, conclusão que facilmente se alcança com a leitura do artigo publicado no Público em 9 de março do ano passado, com o título “Falta de colaboração das vítimas dificulta investigação de crimes por violência doméstica”, onde é referido que “os processos ficam muitas vezes suspensos a pedido da vítima. Tal acontece, em parte, por medo de represálias ou relutância em deixar a relação”, que no caso de Ponte de Sor, a falta de colaboração não será por medo, mas sim porque a família do agressor já prestou contas com a família da vítima. O provérbio “olho por olho, dente por dente” foi substituído pelo proverbio “euros por olho, euros por dente”.