Opinião-Rogério Copeto: “Os heróis sem capa”
Na semana passada em Oeiras um pai matou à facada a sua filha de 5 meses e um padrasto em Loures matou a sua enteada de 2 anos à pancada, encontrando-se o seu irmão de 4 anos internado, por também ele ter sido alvo de maus-tratos.
Tenente-coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Chefe da Divisão de Ensino/ Comando da Doutrina e Formação
Estas duas notícias trouxeram mais uma vez para ordem do dia o assunto da protecção de crianças e jovens em perigo, colocando-se em causa o sistema e apontando-se o dedo às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ´s), que alegadamente falharam na protecção daquelas crianças.
Para os leitores menos atentos a esta problemática, esclarece-se que a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2001, dia desde o qual o actual Sistema de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo não sofre qualquer alteração.
Ao longo destes 14 anos as CPCJ´s têm diariamente desenvolvido o seu trabalho, garantindo os mais elementares direitos a milhares de crianças e jovens, no âmbito dos milhares de processos de protecção e promoção que têm à sua responsabilidade, executando milhares de medidas de promoção e protecção, para que nenhuma criança ou jovem fique sem o direito a uma família, à educação, à saúde, à segurança, à liberdade, etc.
As CPCJ’s realizam também inúmeras acções de esclarecimento junto da população, dando a conhecer quais os direitos e deveres que lhes assistem enquanto pais, filhos e cidadãos preocupados com o bem-estar das crianças e jovens. E infelizmente todo este trabalho raramente é notícia.
Por isso, e sem questionar o elevado grau de desumanidade com que os homicídios atrás referidos foram cometidos, não são estes casos que poderão pôr em causa o trabalho de centenas de cidadãos que integram as CPCJ´s e que todos os dias dão o seu melhor na protecção das nossas crianças.
Infelizmente noticias como as da semana passada, são recorrentes e difíceis de esquecer, e por isso recordo aqui outros 4 casos, que ocorreram precisamente há 10 anos e que também trouxeram o assunto da protecção das crianças e jovens em perigo para a praça pública no ano de 2005, como até a altura não tinha sido feito.
Nesse ano foram mediatizados os homicídios de 4 crianças, sendo o primeiro o da morte de “Joana” de 8 anos, de Portimão, morta pela sua mãe, o segundo o de “Vanessa” de 5 anos, do Porto, morta pela avó e pelo pai, o terceiro de “Daniel” de 6 anos, de Oeiras, morto pelo padrasto e o quarto de “Fátima” de 2 meses, de Viseu, morta pelo pai e pela mãe.
Também à semelhança do que está a acontecer com a CPCJ de Loures, também este último caso, a actuação da CPCJ de Viseu foi particularmente contestada porque, dois dias antes da morte de “Fátima”, duas técnicas tinham visitado a sua casa e nada detectaram, tendo o ministro da tutela da altura mandado instaurar um inquérito para apurar possíveis negligências por parte da CPCJ de Viseu.
E também à semelhança do que se passa agora, foram feitas promessas de reforço das CPCJ´s, bem como todos os responsáveis vieram dar conta da necessidade de maior participação nas CPCJ’s, por parte das instituições, incluindo o Ministério Público.
Mas, infelizmente, depois da onda de choque passar, tudo volta a ficar na mesma, e os anúncios agora feitos no sentido de se reforçarem as CPCJ’s, desta vez com técnicos das IPSS, depois da Segurança Social ter retirado os seus técnicos das CPCJ´s, são esquecidos.
As CPCJ’s continuarão com os mesmos problemas, onde cada técnico tem à sua responsabilidade dezenas de processos, escrito assim até parece pouco, mas recordo que cada processo corresponde a uma criança, por isso se questiona: – Qual é o técnico que consegue proteger, em média, 40 crianças em simultâneo? Sabendo que existem CPCJ´s com a responsabilidade de protegerem milhares de crianças por ano. Não é humanamente possível, por isso o trabalho desenvolvido pelos técnicos, vai para além do que lhes é exigido, com prejuízo para a sua vida familiar e profissional. Sim porque todos os técnicos que integram as CPCJ´s têm a sua profissão, a qual é relegada para segundo plano para poderem desenvolverem a sua actividade nas CPCJ’s.
Possivelmente, ou não, devido à conjuntura de austeridade, atingiu-se a actual situação, e já manifestada na Assembleia da Republica, pelo Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, o Juiz Conselheiro Armando Leandro, como “emergencial” e que as CPCJ’s estão em “manifesta dificuldade para levar a bom termo as suas responsabilidades”.
Lembramos que essas responsabilidades são proteger milhares de crianças e jovens em perigo, sendo provavelmente a mais elevada responsabilidade que se poderá atribuir a um cidadão, o que com as atuais condições de falta de técnicos, meios informáticos, viaturas, etc, representa dizer que os técnicos das CPCJ’s fazem literalmente trabalho de super-herói, mas sem os superpoderes e a capa.