O crime de “Incêndio florestal” está tipificado no Artigo 274.º do Código Penal, com a seguinte formulação: “Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. Na forma agravada é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos e a negligência também é punida, pelo que tratando-se de um crime, pode o mesmo ser prevenido e reprimido.
Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
É sabido que o crime de incêndio florestal em Portugal representa um grave problema para a segurança nacional e de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna de 2022, foram registados 7167 crimes de “incêndio, fogo posto em floresta, mata, arvoredo ou seara” em 2022, tendo-se verificado um aumento de 1462 crimes, comparativamente ao ano de 2021.
E de acordo com as estatísticas do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a média dos últimos 10 anos (de 2013 a 2022), do “Número de incêndios rurais com causa de início intencional (de acordo com a investigação realizada)” é de 17%, do total de todos os incêndios rurais, tendo sido em 2022 de 19% e como o incêndio florestal por negligência também é crime, há que somar a média do “Número de incêndios rurais com causa de início negligente (de acordo com a investigação realizada)”, que é de 31%, tendo atingido no ano passado o máximo de 36% , sem esquecer que a média do “Número de incêndios rurais com causa de início desconhecida (apesar de ter a investigação realizada)” dos últimos 10 anos também é de 31%, tendo sido em 2022 de 35%.
Pelo exposto no paragrafo anterior, conclui-se, que de acordo com as estatísticas do ICNF, a percentagem de crimes de incêndio florestal é superior a 60% de todos os incêndios rurais.
Mas tendo como exemplo o caso de sucesso da erradicação do crime de metais não preciosos (ver o nosso último artigo), a seguir damos conta de um conjunto de medidas cuja implementação ou reforço, poderão contribuir para que se consiga também no crime de incêndio florestal esse objetivo.
Assim, começamos por referir o reforço das campanhas de sensibilização e informação dirigidas à população, sobre os riscos e consequências dos incêndios florestais, devendo este esforço se realizar durante todo o ano, incluindo a educação sobre prevenção de incêndios nas escolas, ensinando as crianças sobre os seus perigos e como evitá-los.
Reforçar a presença da vigilância em áreas de risco, especialmente durante os períodos de maior probabilidade de incêndios florestais, fomentando programas de voluntariado para vigilância das florestas, aumentado a instalação de câmaras de vídeo vigilância em áreas propensas a incêndios florestais, para monitorização de atividades suspeitas e identificar possíveis criminosos.
Estabelecer um sistema de denúncias anónimas para incentivar a população a relatar atividades suspeitas relacionadas com a prática de incêndios dolosos, devendo-se restringir o acesso às áreas florestais durante os períodos críticos, medida que foi também implementada no âmbito da prevenção dos furtos de metais não preciosos, nalguns municípios do distrito de Santarém, onde foi instalada sinalização, que proibia o acesso a determinados locais e a determinadas horas, a pessoas estranhas.
Reforçar a fiscalização de produtos inflamáveis e regulamentar o seu armazenamento.
Fomentar a cooperação entre comunidades locais e autoridades para proteção de áreas vulneráveis, incentivando-as a se envolverem na prevenção, reportando atividades suspeitas, incluindo os agentes económicos neste esforço de combate ao crime de incêndio florestal.
Aumentar a moldura penal para o crime de incêndio florestal, como medida dissuasora.
Reforçar o investimento em tecnologia, nomeadamente em sistemas de deteção de incêndios, sistemas de alerta precoce e sistemas aéreos não tripulados.
Capacitar os combatentes com formação específica para lidar com os incêndios criminosos, nomeadamente na preservação das provas.
Promover a partilha de informações entre as diferentes instituições, devendo ser implementada uma base de dados única, onde constem todos os crimes de incêndio florestal, sendo a mesma alimentada por todos os intervenientes e gerida por uma única entidade, de preferência posicionada supra instituições, onde a terminologia deve ser a mesma para todos.
E porque não existem crimes perfeitos, os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciais, também têm um papel importante, porque é fundamental uma abordagem abrangente que envolva todas as partes interessadas, para lidar eficazmente com o crime de incêndio florestal e suas consequências.
Nomeadamente no reforço dos investigadores especializados em incêndios dolosos, com conhecimentos técnicos e experiência em investigações complexas.
Realização de análises detalhadas no local do incêndio, recolhendo todas as provas, necessárias e suficientes, que possam ajudar a determinar a origem e causa do incêndio, recorrendo à utilização de tecnologias de analise de dados, nomeadamente registos de comunicações, movimentações de veículos e de dispositivos eletrónicos próximos ao local de início do incêndio, diminuindo assim a elevada percentagem de incêndios cuja origem é desconhecida.
Desenvolver perfis de incendiários com base em padrões comportamentais e psicológicos, auxiliando na identificação de suspeitos.
Colaboração com outros especialistas em incêndios, tais como peritos forenses, engenheiros florestais, bombeiros e investigadores académicos, partilhando informações, conhecimentos e recursos.
Monitorizar atividades online suspeitas, incluindo nas redes sociais.
Promover a formação contínua dos investigadores e dos magistrados, fomentando a colaboração com as agências internacionais para partilha de informações, nomeadamente sobre o que melhor se faz na investigação do crime de incêndio florestal.
Acreditamos assim, que em resultado da implementação e o reforço de estratégias de combate ao crime de incêndio florestal, contribui para que toda a sociedade e agentes económicos participem no esforço de prevenção e repressão do crime de incêndio florestal, e que os órgãos de polícia criminal e as autoridades judiciais aperfeiçoem a sua capacidade para investigar e punir os crimes de incêndio florestal de maneira eficaz, tendo como objetivo o decréscimo deste tipo de crime, de modo a que deixe de ser um problema de segurança nacional.