SÓ UMA NOVA AVALIAÇÃO DE RISCO NÃO É SUFICIENTE


O fenómeno da Violência Doméstica (VD) em Portugal apresenta atualmente índices preocupantes, mas infelizmente não é um problema novo, exigindo estratégias eficazes para a sua prevenção e combate, onde a implementação de um instrumento de avaliação de risco é fundamental para identificar as situações de perigo, não sendo só por si suficiente para inverter o crescimento da VD.

Rogério Copeto

Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda

Conforme o Observador, no dia 15 de junho, deu conta no artigo “Governo garante ficha de avaliação de risco em violência doméstica estará disponível em fevereiro”, está previsto no próximo mês iniciar-se a aplicação da “nova ficha de avaliação de risco em violência doméstica”, cuja reformulação visa dar cumprimento à “Resolução da Assembleia da República n.º 81/2021” de 18 de março, que recomendou no dia 15 de fevereiro de 2021, ao Governo “a reformulação das fichas de avaliação de risco para situações de violência doméstica, de modo a garantir uma maior proteção das vítimas”.

Por esse motivo, desde de 2022 que no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) começou a constar uma referência ao assunto, nomeadamente no RASI 2022 onde é referido que “em matéria de violência doméstica, aí se prevendo, em especial, a revisão do instrumento de avaliação de risco em vigor” e no RASI 2023 consta “no contexto do Grupo de Trabalho das 72h foi elaborado o caderno de encargos para efeitos do procedimento concursal relativo à revisão da ficha de avaliação de risco no âmbito da Violência Doméstica…prevendo-se que a revisão da ficha RVD esteja concluída no prazo de 10 meses.”  

Sobre o instrumento de avaliação de risco da VD, importa referir que o mesma existe  desde 2014, sem ser alterado, através de dois documentos a “Ficha RVD-1L” e a “Ficha RVD-2L”, compostos por 20 perguntas de resposta “sim/não”, e cuja aplicação é obrigatória para todas as instituições que atendam uma vítimas de VD, sendo a Ficha RVD-1L preenchida no primeiro contacto com a vítima e a Ficha RVD-2L aquando das reavaliação do risco, em momento posterior, nomeadamente 3 a 7 dias se o risco for “Elevado”, até 30 dias de for “Médio” e até 60 dias ser for “Baixo”.

Ninguém dúvida que para um combate mais eficaz da VD, a existência de um instrumento de avaliação de risco revela-se de extrema importância, porque através desse instrumento é possível uma deteção precoce de potenciais situações que poderão escalar para ocorrências de maior violência, inclusive o homicídio, onde a aplicação de critérios objetivos permite identificar padrões de comportamentos abusivos e que podem não ser evidentes à primeira vista.

A avaliação de risco oferece assim um suporte técnico e científico para orientar as decisões das FS, tribunais, serviços de ação social e profissionais de saúde, podendo dessa forma, as medidas de proteção ser aplicadas com base em informações concretas, reduzindo a subjetividade das decisões, permitindo prevenir a escalada da violência através da aplicação de medidas, onde se inclui a possibilidade de propor ao Ministério Público (MP) a aplicação de uma medida de coação ao/à ofensor/a.

A utilização de uma ferramenta padronizada facilita a comunicação e a troca de informações entre as diferentes instituições, garantindo uma resposta integrada e coordenada, evitando lacunas na proteção da vítima, que ao participar no processo de avaliação de risco, é informada sobre a gravidade da situação e orientada quanto às melhores opções para sua a segurança, com a vantagem da sua rede de apoio (família, amigos e vizinhos) poder ser preparada para oferecer o suporte adequado.

Conforme referido o nível de risco pode mudar ao longo do tempo, pelo que as reavaliações periódicas, permitem que sejam reajustadas as estratégias de proteção e de atuação conforme a evolução da situação, permitindo ainda o instrumento avaliar fatores de risco, como histórico de violência, acesso a armas, ameaças anteriores, abuso de substâncias e comportamento controlador.

Pelo que a implementação de um instrumento de avaliação de risco é uma ferramenta essencial no combate à VD, permitindo uma abordagem mais eficiente e orientada, contribuindo para a proteção das vítimas, a responsabilização dos agressores e a atuação coordenada entre as diferentes instituições envolvidas, promovendo um ambiente mais seguro e uma sociedade mais justa, cuja eficácia da sua aplicação é garantida através da capacitação contínua dos profissionais envolvidos, da integração entre tribunais, FS, serviços de ação social e a saúde, cuja revisão periódica dos critérios de avaliação garante a sua atualização e eficácia.

No entanto tal como propusemos no artigo de 19 de junho de 2024, com o titulo “Violência Doméstica onde tudo continua a falhar” não é suficiente a revisão do instrumento de avaliação de risco da VD, pelo que urge implementar um verdadeiro sistema de proteção das vítimas de VD, nomeadamente através da criação de estruturas semelhantes ás Multi-Agency Risk Assessment Conference (MARAC), tal como existem no Reino Unido e que poderão ser denominadas “Comissões Multidisciplinares de Avaliação de Risco da Violência Doméstica” (CoMARVD), á semelhança das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ), sendo as mesmas constituídas por representantes de todas as instituições que lidam com o fenómeno da VD, debaixo da supervisão do MP, posicionando-se a sua intervenção entre as “Entidades de Primeira Linha” e os tribunais, tal como acontece com as CPCJ.

Terminamos reiterando, que a alteração do instrumento de avalização de risco é importante para que os seus resultados sejam o mais próximos possível do risco que a vítima enfrenta, mas que só por si não será suficiente para reverter o crescimento dos crimes de VD, sendo também urgente a entrada em funcionamento da Base de Dados de Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica (BDVMVD), que reuna todos os dados recolhidos pelas FS, propondo-se ainda que o Serviço de Teleassistência a Vítimas de VD (STVD), cuja operacionalização é responsabilidade da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e da Cruz Vermelha Portuguesa, passe para a alçada das FS, porque quanto mais próximo tiverem as vítimas de VD das FS, mais rápido será a resposta destas às situações de emergência.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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