Timor-Leste: Milhares de cidadãos em Portugal enganados por redes criminosas.


Cerca de cinco mil timorenses foram aliciados, este ano, com promessas de emprego, alojamento e legalização, a troco de três a quatro mil euros. Muitos foram abandonados e estão sem abrigo. A maioria casos ocorreu nos concelhos de Beja e Serpa.

As autoridades estão preocupadas com o recente fenómeno. Nos anos anteriores, havia uma média de 500 mil timorenses que entravam em Portugal à procura de uma vida melhor. Desde janeiro, já foram registados cerca de cinco mil. E tudo aponta para que sejam vítimas de redes criminosas de tráfico de pessoas para exploração laboral, a quem pagaram entre três e quatro mil euros, com promessas de emprego, alojamento e legalização. Muitos deles já são sem-abrigo e o SEF tem uma dezena de investigações em curso sobre este êxodo timorense.

São mais de 550 cidadãos timorenses que, ao abrigo da isenção de visto, chegam todos os meses a território nacional. O fluxo anormal de imigração e as centenas de casos de abandono reportados em todo o país, como no Fundão ou Serpa, levaram as autoridades a abrir investigações por suspeitas de tráfico de pessoas para exploração laboral. Conheça algumas das histórias de vida destes cidadãos.

Mariana Costa Belo, 38 anos, Dili (Vive numa casa em Serpa, num grupo de 23 pessoas. Já foram ameaçados de despejo):  “Já estou em Serpa há dois meses, cheguei em Julho e a minha irmã veio comigo. Paguei 2.000 dólares a uma agência de nome New Generation, com a promessa de trabalho e de habitação, mas depois de chegar as coisas foram muito diferentes, não tenho trabalho nem dinheiro e já fui, tal como os outros 22 timorenses que vivemos na casa, ameaçada de despejo, por falta de pagamento. No total trabalhei 24 dias, mas só recebi o dinheiro de duas semanas (não revelando o valor), porque o patrão (contratador) desapareceu e não pagou o resto. Não sei como vai ser sem dinheiro e se calhar sem casa”.

Bendita Costa Belo, 37 anos, Dili (Vive numa casa em Serpa, num grupo de 23 pessoas. Já foram ameaçados de despejo): “Vim com a minha irmã e tal como ela paguei à New Generation 2.000 dólares e as promessas foram iguais e depois tudo foi diferente. Trabalhei alguns dias e pouco recebi. O meu patrão (contratador) era o mesmo, por isso a vivo os mesmos problemas. Sem dinheiro não sei como vão ser os próximos tempos”.

Isac de Jesus, 25 anos, Dili (Vivia em Pias, Serpa, que foi encerrada e está alojado no Pavilhão Multiusos de Serpa): “Pessoas da agência New Generation falou comigo e disse-me que se tivesse dinheiro levavam para Portugal para trabalhar. Paguei 4.000 dólares pelo bilhete de avião, casa e contrato de trabalho, tendo chegado a Portugal no dia 7 de julho. Depois de chegar a Lisboa estavam pessoas à espera e pediram mais 500 euros para pagar a renda da casa. Vim direto para Pias, terra de que nunca tinha ouvido falar. Fui deixado na casa e nunca trabalhei desde o dia em que cheguei. Depois viemos para aqui (Pavilhão de Serpa) onde somos bem tratados. Falar português tem ajudado”.

Faustino Barreto, 30 anos, Dili (Vivia em Pias, Serpa, que foi encerrada e está alojado no Pavilhão Multiusos de Serpa):   “A minha situação foi como a do Isac e do grupo de 21 que viemos nesse dia. Tenho um filho com 7 anos e vim para Portugal com o objetivo de lhe dar um futuro melhor, mas afinal fomos enganados. Paguei à New Generation 4.000 dólares, a minha família fez um grande esforço para conseguir o dinheiro, depois fui abandonado e nunca trabalhei um único dia. Apesar do que estou a passar gostava de ficar em Portugal a trabalhar, porque falo português”.

Aleixo Gonçalves, 35 anos, Dili (Vivia em Cabeça Gorda, Beja. Está alojado e come na Cáritas Diocesana de Beja): “Um conhecido disse que me podia trazer para Portugal para trabalhar se tivesse dinheiro. Pedi dinheiro emprestado a amigos e paguei 2 mil e tal dólares (percebeu-se o medo de dizer o valor real). Cheguei a Lisboa no dia 9 de julho e estava uma pessoa à espera e levou-me para Cabeça Gorda, depois pediram-me mais 100 dólares para poder ter o contrato de trabalho, mas nunca cheguei a trabalhar. A família tem mandado uma pequena ajuda. Só me preocupa não ter trabalho e há muita gente na mesma situação. Estou disposto a trabalhar como ajudante de cozinha ou mesmo na construção civil. Na Cáritas tratam-me bem, mas não vai durar sempre”.

Alberto Matos, SOLIM-Solidariedade Imigrante: “O apelo feito pelo Presidente da República para que os timorenses viessem para Portugal, foi aproveitado pelas máfias locais que rapidamente se organizaram e começaram a trazer pessoas. É necessário que definitivamente em Portugal sejam responsabilizados os novos e os velhos latifundiários, os donos da terra, uma vez que são eles que lucram com exploração dos trabalhadores. As instituições, SEF, GNR, PSP, ACT, Autoridade Tributária e Segurança Social não podem trabalhar de forma individual é necessário cruzar dados”.

Isaurindo Oliveira, Presidente da Cáritas Diocesana de Beja: “Depois de conhecer a situação, a Segurança Social encaminhou os cidadãos para a Cáritas. Tem existido alguma rotação de entradas e saídas, mas o número de quatro dezenas de cidadãos daquele país asiático mantém-se. Há um grupo significativo, em particular os mais jovens, que estão desde o princípio desta vaga de novos excluídos na região. Algo correu mal desde a chegada dos timorenses, porque muitos nunca trabalharam. Nunca houve grande atenção em situações anteriores, porque num mês mais de uma centena de timorenses ficou ao abandono”.

Novo regime de entrada de imigrantes em Portugal entra em vigor em novembro.

O novo regime de entrada de imigrantes em Portugal entra em vigor no início de novembro, passando a existir um visto de seis meses para um estrangeiro procurar trabalho no país, segundo um decreto publicado na sexta-feira.

Entre as novas medidas consta a criação de um visto de duração limitada que permita a entrada legal de imigrantes em Portugal com o objetivo de procura de trabalho.

Este visto para procurar trabalho em Portugal é válido por 120 dias e poderá ser prorrogado por mais 60 dias, sendo concedido nos postos consulares portugueses, que comunica de imediato ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Também os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) vão ter um regime de facilitação de emissão de vistos em Portugal no âmbito do acordo sobre a mobilidade entre Estados-membros da CPLP.

Segundo o decreto, os cidadãos da CPLP podem obter um visto para procura de trabalho ou visto de residência CPLP.

“Estes pedidos devem ser liminarmente deferidos, salvo se o requerente estiver identificado no Sistema de Informação Schengen como sendo objeto de indicação para efeitos de regresso ou de indicação para efeitos de recusa de entrada e de permanência. A autoridade consular comunica imediatamente ao SEF a concessão dos vistos referidos”, refere o decreto.

O novo regime acaba com o regime de quotas para a imigração, facilita a obtenção de visto de residência aos estudantes estrangeiros que frequentam o ensino superior em Portugal e permite atribuir um visto de residência ou estada temporária aos nómadas digitais.

Os últimos dados do SEF indicavam que a população estrangeira residente em Portugal ultrapassa 800.000 pessoas, sendo maior a brasileira, estimada em mais de 250 mil pessoas.

Teixeira Correia

(jornalista)


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