O presente artigo tem como objetivo assinalar o “Dia do Pai”, explorando as incompatibilidades de um profissional de uma Força de Segurança (FS) com a condição de Pai ou de Mãe.
Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda
Ser profissional de uma Força de Segurança (FS) em Portugal é para muitos jovens um ato de vocação e de serviço público, cuja profissão é essencial para a segurança do país, enfrentando presentemente uma crise, que se manifesta, pelas incompatibilidades que os mais recentes profissionais têm em constituir família, por motivo dos baixos salários, turnos desgastantes, risco físico e emocional, custos elevados de habitação e colocações fora da área de residência, que se constituem como incompatibilidades, que comprometem não apenas o bem-estar destes profissionais, mas também a sustentabilidade da própria carreira, cujos fatores transformam o sonho de uma vida familiar estável num obstáculo intransponível para a maioria.
O salário médio de um profissional das FS em início de carreira ronda os 1.100€ líquidos mensais, dependendo de eventuais suplementos, valor próximo do salário mínimo nacional, que neste ano se situa nos 820€, estando este valor muito aquém do necessário para garantir uma vida estável, sobretudo tendo em conta o custo de vida crescente em Portugal, nomeadamente o aumento das rendas e dos preços das habitações, que dificulta ainda mais a situação, tornando-se praticamente impossível para um profissional alugar casa sem recorrer a partilhas ou viver com familiares, e comprar casa, está fora de questão para a maioria, dado que o acesso ao crédito exige rendimentos mais elevados e poupanças que poucos conseguem reunir.
Assim, para um jovem profissional das FS, mesmo em casal, a aquisição de habitação é uma miragem e muitos acabam em periferias distantes, aumentando o tempo de deslocação e reduzindo horas preciosas com a família e cujo aluguer consome pelo menos 50% do salário, deixando pouco para a educação de filhos, que ficam adiados para dias melhores.
Outro obstáculo para quem pretende constituir família é o regime de turnos, incluindo noites, fins de semana e feriados, a que estão sujeitos os profissionais das FS, que desregula rotinas familiares, sendo o mesmo, muitas vezes imprevisível, onde trabalhar à noite, aos fins de semana e em feriados implica uma grande dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida familiar, pelo que para um jovem profissional das FS, que pense em ter filhos, terá que ultrapassar a incompatibilidade da gestão do dia a dia, que se tornará mais complexa, pois nem sempre é possível garantir horários compatíveis com escolas ou creches.
Além disso, a incerteza quanto a horários e folgas dificulta o planeamento da vida em casal, sendo que aniversários, eventos escolares ou familiares são muitas vezes sacrificados em prol do serviço, cuja exigência afeta não apenas o profissional, mas também a(o) companheira(o), que muitas vezes tem de assumir sozinha(o) a gestão familiar.
Esta profissão está ainda associada a um elevado nível de stress e risco, fatores que têm impacto direto na vida pessoal e familiar, cuja exposição a situações de conflito, violência e criminalidade coloca os profissionais das FS sob uma constante pressão psicológica, que pode levar a quadros de ansiedade e burnout, sendo que este ambiente de tensão prolongada afeta as relações familiares, uma vez que o desgaste emocional pode dificultar a comunicação e a estabilidade no lar, tornando-se esta realidade numa incompatibilidade difícil de ultrapassar.
Verificando-se assim, que o perigo, a possibilidade de sofrer agressões ou a incerteza quanto ao futuro na profissão são fatores que muitas vezes afastam os profissionais das FS da ideia de constituir família, com a agravante que para as(os) companheiras(os) e filhos, a incerteza sobre a segurança do profissional torna-se uma carga emocional permanente.
Outra incompatibilidade é a mobilidade geográfica imposta pela carreira, com colocações em zonas distantes da residência original, fragmenta redes de apoio familiar, pelo que um profissional destacado no Porto enquanto a família permanece em Trás-os-Montes enfrenta custos duplicados de habitação e a logística de viagens, podendo estas colocações significar anos de separação, adiando indefinidamente planos de parentalidade e para aqueles que já têm família, a separação forçada pode gerar tensões conjugais e tornar o dia a dia ainda mais difícil.
A conjugação destes fatores reflete-se em taxas de natalidade nos profissionais das FS abaixo da média nacional e em divórcios acima da média, onde a pressão para acumular horas extras agrava o ciclo, reduzindo ainda mais a disponibilidade emocional, pelo que para muitos, a escolha torna-se cruel: a dedicação à profissão ou à família.
Diante destas incompatibilidades, não é surpreendente que muitos jovens profissionais das FS sintam dificuldades em constituir família ou até ponderem abandonar a profissão em busca de melhores condições de vida, e se nada for feito para melhorar os salários, garantir maior previsibilidade nos horários e facilitar o acesso à habitação, Portugal poderá enfrentar um futuro em que cada vez menos jovens veem a carreira nas FS como uma opção viável para construir uma vida estável, porque afinal, a segurança de um país depende também do bem-estar daqueles que a garantem.
Conclui-se, que as incompatibilidades dos jovens profissionais das FS em ter filhos não são apenas um problema da profissão, mas um reflexo de falhas estruturais na valorização de quem protege a sociedade, pelo que sem medidas concretas, Portugal arrisca-se a perder uma geração de profissionais desmotivados, com implicações profundas na segurança e coesão social, sendo tempo de garantir que aqueles que garantem a segurança da população portuguesa, possam também construir um lar e que se reconheça o esforço e o sacrifício destes profissionais, garantindo-lhes as condições necessárias para que possam cumprir a sua missão sem abdicar do sonho de terem alguém que os trate por Pai ou Mãe.
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