No último domingo de manhã, toda a população residente em Portugal recebeu no seu telemóvel da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) a seguinte mensagem: “Risco extremo incêndio próximas 72 horas. Não use fogo em áreas rurais/florestais. Siga recomendações das autoridades. Info: 800246246 www.prociv.pt”.
Coronel da GNR
Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Mas apesar de estarmos todos avisados, parece que ninguém estava à espera dos graves incêndios, que ainda decorrem, tendo apanhado todos de surpresa, e que deflagraram no domingo e na segunda-feira no Centro de Portugal, trazendo-nos à memória o dia 15 de outubro de 2017, quando ocorreram quase 500 ignições em cerca de 24 horas, das quais resultaram incêndios de maior ou menor dimensão, atingido particularmente 27 concelhos da região Centro, sobretudo os distritos de Viseu, Guarda, Castelo Branco, Aveiro e Leiria, e que tiveram como consequência a perda de 50 vidas humanas, cuja conjuntura de fatores, que potenciaram este dramático cenário, foi atribuída ao “Furacão Ofélia”, apenas dois meses depois dos graves incêndios de Pedrógão Grande de 17 de junho.
Tal como há sete anos, para além das imagens da floresta em chamas e o dia transformar-se em noite, foram as imagens de casas a arder e das viaturas a circular em autoestradas envoltas em chamas, cujos condutores para fugir ao fogo tiveram que transitar em contramão, que mais nos impressionaram, fazendo pensar que estávamos perante imagens de arquivo do ano de 2017, com a agravante de tal como em 2017, para além dos elevados prejuízos materiais, também agora temos a lamentar a perda de vidas humanas.
Mas sobre aquilo que se sabia há vários dias, tomamos como exemplo o artigo de sexta-feira, dia 13 de setembro, do Público, que no seu artigo com o titulo “Incêndios: GNR detém 26 suspeitos e reforça patrulhamento com aumento de calor”, dava conta que “previsões de calor e vento forte levam a GNR a reforçar o patrulhamento de visibilidade”, tendo a GNR anunciado o reforço do patrulhamento enquanto o risco de incêndio o justificar face às previsões de calor, dando conta ainda que a GNR “deteve este ano, até quinta-feira, 26 suspeitos de fogos florestais”.
Sabemos hoje através do artigo do Observador, de 16 de setembro, com o titulo “Combinação atípica de fatores (única em duas décadas) potenciou as chamas. Situações extremas vão ser mais frequentes, avisam especialistas”, que “esta segunda-feira foi o dia com maior risco de incêndio dos últimos 23 anos em cinco distritos”.
Voltando ao ano de 2017, que ficou para a história, como um dos mais negros, no que diz respeito aos incêndios, não só em número de ocorrências, como em área ardida, mas sobretudo no que se refere à perda de vidas humanas, por motivo do incêndio de Pedrógão Grande de 17 de junho e o de 15 de outubro no Centro e Norte de Portugal, de onde resultaram mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área ardida, sendo necessário recuar até 2003, quando arderam 423 mil hectares, mas em relação ao número de mortos, nem antes nem depois, se registou tamanha perda de vidas, assim como as consequências politicas, levando à demissão da então Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, no dia 18 de outubro, bem como o Presidente da então Autoridade Nacional de Proteção Civil, Joaquim Leitão, pediu a demissão, um mês depois de o Comandante Nacional Operacional da Proteção Civil, Rui Esteves, ter feito o mesmo.
E por coincidência ou não, as noticias em agosto de 2017, davam conta do aumento do número de detenções pela prática do crime de incêndio florestal, como é exemplo o artigo do Público de 14 de agosto, com o título “Sobe para 60 o número de detidos por suspeita de incêndio florestal”, referindo que até àquela data teriam sido detidas 60 pessoas por suspeita do crime de incêndio florestal em Portugal.
Por motivo do elevado número de detenções realizadas em 2017, o Presidente da Liga de Bombeiros, da altura, afirmou que “que mais de 80 % dos fogos têm origem criminosa”, conforme peça da SIC Notícias de 10 de agosto com o título “Liga dos Bombeiros reforça que 80% dos fogos tem origem criminosa”.
O perfil do incendiário é conhecido desde de 2010, sabendo-se que “os incendiários têm em geral 20 a 35 anos, são solteiros ou viúvos, têm baixos índices de escolaridade e estão desempregados”, conforme é referido na peça da TSF de 23 de Setembro de 2010, com o título “PJ traça perfil de incendiário português”, onde foi divulgado um estudo do Instituto Superior da Policia Judiciária, que concluiu que este grupo totaliza 70%, sendo que só em 10% dos incêndios há mulheres envolvidas e geralmente são duas as motivações “problemas amorosos mal resolvidos e fascínio pelo espetáculo”.
Tendo também, na altura, o professor Rui Abrunhosa Gonçalves, da Universidade do Minho, definido o incendiário como “indivíduos com baixo nível educacional e de qualificação profissional, habitantes em zonas rurais, consumidores de substâncias – nomeadamente álcool – e em muitos casos com um atraso cognitivo e com patologias do foro mental”, e que provoca incêndios por “vingança ou simplesmente por motivos fúteis”, sendo que “muito poucos são os casos em que aparece um aliciamento monetário”, cuja maior dificuldade está no “nível de reincidência”, que este tipo de criminoso apresenta.
Pelo exposto, conclui-se que agora, tal como em 2017, todas as envolventes ao fenómeno dos incêndios rurais são conhecidas de todas as entidades, nomeadamente que a maioria das ignições são da responsabilidade do ser humano, as áreas de maior risco de incêndio estão identificadas, especialmente onde o desordenamento da floresta é maior e consegue-se identificar quais os períodos de risco extremo de incêndio, com grande antecedência, cujos avisos são transmitidos às populações e a todos as entidades, que têm como responsabilidade a prevenção, a vigilância, o combate e a investigação dos incêndios rurais, com o objetivo de salvaguardar bens e vidas humanas, devendo assim os avisos de “Risco Extremo Incêndio” ser cumprido por toda a população e entidades.
Por isso, sugerimos que o procedimento denominado “Vigilância Armada”, que se consubstancia no pré-posicionamento dos meios de combate em Locais Estratégicos de Estacionamento, conforme vem descrito nos “Procedimentos para Vigilância, Primeira Intervenção, Apoio ao Combate, Rescaldo e Vigilância pós-Incêndio” da Autoridade Florestal Nacional, datado de março de 2012, seja alargado a todos as entidades, que intervém na prevenção, vigilância, combate e investigação dos incêndios rurais, devendo todas estas entidades, sempre que seja anunciado o risco extremo de incêndio, pré-posicionar meios humanos e materiais, com o objetivo de acorrer mais rapidamente aos incêndios e às suas consequências, porque conforme o artigo do Expresso de 23 de julho de 2024 com o titulo “Há mais meios e melhor prevenção, mas matas continuam sem vigilância contra incêndios” era referido que “não há vigilância armada, feita com aviões com água ou viaturas em patrulhamento”.
Terminamos deixando as nossas sentidas condolências às famílias e amigos dos civis e combatentes falecidos, fazendo votos para que os incêndios sejam rapidamente dominados e extintos.
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