O sentimento de segurança é um dos pilares fundamentais da qualidade de vida nas sociedades contemporâneas, mas mais do que a simples ausência de crime, este sentimento reflete a perceção de ordem, estabilidade e previsibilidade no quotidiano, pelo que quando o cidadão sente que pode circular livremente, frequentar o comércio local ou utilizar o transporte público sem receio, entende-se que a segurança está assegurada.
Coronel da GNR, Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna
Dirigente da Associação Nacional de Oficiais da Guarda
Pelo que nesse contexto, ganha particular relevância o combate ao consumo de droga, para o aumento do sentimento de segurança, embora o combate ao tráfico seja essencial para enfraquecer as redes criminosas, é o combate ao consumo que mais diretamente reforça o sentimento de segurança, na medida em que atua sobre os fatores que afetam o dia a dia das comunidades e a criminalidade urbana visível.
O tráfico de droga constitui uma atividade criminosa complexa e transnacional, frequentemente organizada e dotada de fortes meios económicos e logísticos, sendo o seu combate indispensável para reduzir a disponibilidade de substâncias ilícitas e desarticular redes criminosas que lucram com a dependência alheia, todavia, na maioria das situações, estas operações ocorrem longe dos centros urbanos ou em contextos pouco visíveis para a população, mesmo quando se obtêm resultados relevantes, tais como apreensões ou detenções de traficantes, cujo impacto imediato sobre o quotidiano dos cidadãos é limitado.
O cidadão comum raramente sente diferença direta, após uma grande apreensão de droga, sendo que em termos de sentimento de segurança, o que prevalece é a perceção imediata de tranquilidade nas ruas e a ausência de criminalidade de proximidade, dimensões que estão mais associadas ao consumo do que ao tráfico.
Por outro lado, o consumo de droga está estreitamente ligado à criminalidade urbana e de oportunidade, existindo diversos estudos que demonstram que o consumo problemático, especialmente de substâncias com elevado potencial de dependência, conduz a comportamentos desviantes e à prática de furtos, roubos ou vandalismo, com o objetivo de sustentar o vício, afetando estes crimes diretamente as comunidades locais, deteriorando a imagem dos bairros e das ruas, levando ao encerramento de estabelecimentos comerciais, e aumentando a sensação de abandono e desordem, tendo como consequência o comerciante que fecha mais cedo por receio de furtos, o morador que evita circular em certas zonas ao anoitecer ou o passageiro que se sente inseguro nos transportes públicos, sendo estas expressões concretas de um sentimento de insegurança enraizado no contacto diário com este tipo de criminalidade.
A ligação entre consumo e sentimento de insegurança é, portanto, imediata e percetível, mesmo que o tráfico seja combatido com êxito a nível macro, se os efeitos do consumo persistirem nas ruas, o cidadão continuará a sentir-se inseguro, tornando-se assim evidente que as políticas de segurança que privilegiam o combate ao consumo, através de estratégias de prevenção, tratamento e reinserção social, têm um impacto mais direto e sustentável na perceção de segurança coletiva, sendo que reduzir o consumo é reduzir a motivação económica para muitos crimes urbanos e, consequentemente, fortalecer o sentimento de confiança na comunidade e nas instituições.
No entanto, esta constatação não significa que o combate ao tráfico deva ser secundarizado, sendo que ambos os eixos, tráfico e consumo, são complementares, mas atuam em escalas distintas, devendo o tráfico ser combatido de forma estratégica e coordenada, com recurso à cooperação internacional, inteligência criminal e vigilância fronteiriça, desempenhando as Forças de Segurança (FS) um papel ativo na desarticulação de redes criminosas e na interrupção dos fluxos de substâncias ilícitas, garantindo que o abastecimento diminui, contudo, a ação repressiva deve ser acompanhada de políticas integradas de segurança urbana, voltadas para os territórios onde o impacto social do consumo é mais visível.
As FS têm aqui um papel determinante, cujas ações devem combinar visibilidade, proximidade e repressão, sendo que entre as formas de intervenção mais eficazes destacam-se: Patrulhamento de visibilidade, através do reforço da presença policial em zonas urbanas com elevada incidência de consumo e pequenos furtos, criando uma perceção de vigilância constante e reduzindo comportamentos de risco; Programas de policiamento de proximidade ao fomentar o diálogo entre elementos policiais, comerciantes e moradores, recolhendo informação útil e criando uma rede de confiança que facilite a denúncia e o apoio social; Ações conjuntas com equipas de saúde e serviços sociais, articulando a intervenção policial com equipas de redução de danos, centros de tratamento e programas de reinserção, abordando o consumo não apenas como um problema criminal, mas também como uma questão de saúde pública; Monitorização de espaços públicos e reabilitação urbana, através da melhoria da iluminação, da promoção e recuperação de zonas degradadas e ocupação dos espaços públicos com atividades sociais e culturais, reduzindo o ambiente propício ao consumo em via pública, e; Formação especializada de todos os elementos policiais, fornecendo-lhes competências para lidar com populações vulneráveis, dependências e comportamentos associados, de modo a intervir de forma eficaz e humanizada.
Estas estratégias contribuem não apenas para a redução objetiva da criminalidade, mas sobretudo para a perceção subjetiva de segurança, que é o que mais condiciona o bem-estar e a confiança da população, porque quando um cidadão que vê policiamento ativo, espaços públicos cuidados e respostas sociais coordenadas tende a sentir-se protegido e integrado numa comunidade resiliente.
Em síntese, embora o combate ao tráfico de droga seja essencial para a estabilidade estrutural e para o enfraquecimento das redes criminosas, é o combate ao consumo que mais diretamente melhora o sentimento de segurança, porque ao reduzir a criminalidade urbana, restaurar a vitalidade do comércio e devolver às pessoas o controlo sobre os seus espaços, o combate ao consumo reforça a confiança nas instituições e a coesão social, não sendo a segurança apenas o resultado da repressão do crime, mas também da reconstrução do tecido social, pelo que uma política de segurança moderna e eficaz deve ser simultaneamente firme na repressão ao tráfico e inteligente na abordagem ao consumo, porque só assim se constrói uma sociedade verdadeiramente segura e confiante.
Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.



