A SERRA D’OSSA ARDEU HÁ 18 ANOS


Completam-se hoje, dia 7 de agosto, 18 anos sobre o início dos grandes incêndios da Serra D’Ossa, no distrito de Évora, ocorridos em 2006, sendo o presente artigo uma homenagem a todos aqueles que arriscam a vida no combate aos incêndios rurais.

Rogério Copeto

Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Os incêndios da Serra D’Ossa de 2006 foram os maiores que se registaram no distrito de Évora neste século e provavelmente também no século passado, tendo por isso a obrigação de relembrar essa tragédia, para que não voltem a acontecer, sabendo no entanto que muito se tem feito para reduzir o número de ignições e quando acontecem, seja o alerta dado no mais curto espaço de tempo, de modo a que os meios sejam de imediato despachados, segundo o principio que “Um incêndio nos primeiros minutos se apaga com um copo de água”.

Mas não sendo possível acabar com todos os incêndios, porque as suas causas são complexas e variadas, todos os anos é colocado no terreno um dispositivo, composto por meios humanos e materiais, para que as consequências resultantes dos incêndios sejam as menores possíveis, especialmente em danos pessoais.

Por isso, os combatentes, que todos os anos arriscam a vida na supressão de incêndios, merecem o nosso maior reconhecimento, pelo que é importante recordar os trágicos acontecimentos de agosto de 2006 na Serra D’Ossa, onde com grande risco de vidas humanas se conseguiu travar um incêndio de enormes proporções e que causou grandes prejuízos materiais.

Os factos relatados nas linhas seguintes, servem para homenagear todos aqueles que ano após ano arriscam a vida no combate aos incêndios rurais, em especial os que combateram os incêndios da Serra D’Ossa em 2006 e relata uma visão dos acontecimentos na primeira pessoa, sem prejuízo de existirem outras mais precisas e completas.

Segunda-feira, dia 7 de agosto (1º dia), pelas 11H00 teve início em Monte Infante na Serra D’Ossa, concelho de Estremoz, um incêndio florestal de grandes proporções, que imediatamente se propagou aos concelhos de Borba e Vila Viçosa, tendo nesse dia ainda atingido o concelho de Redondo, pelo que foi necessário reforçar os meios de combate, nomeadamente com recurso a um helicóptero de combate. Desde o primeiro momento foi instalado no Teatro de Operações (TO), o Posto de Comando Avançado do Comando Distrital de Operações de Socorro de Évora, que alterou o seu posicionamento, tendo em conta o evoluir do incêndio.

Terça-feira, dia 8 de agosto (2º dia), o combate ao incêndio é feito por todas as corporações de bombeiros do distrito de Évora, tendo sido distribuídos pelos vários sectores, cuja responsabilidade foi a atribuída a um comandante. Durante a noite o incêndio perde força, resultado das condições climatéricas favoráveis, temperatura baixa, humidade relativa alta e ausência de vento.

Quarta-feira, dia 9 agosto (3º dia), com o avançar da noite, verifica-se que grande parte do perímetro do incêndio está consolidado, mas pelas 03H30 é registado uma reativação na zona do Monte Abraão e o incêndio recomeça com grande intensidade, lavrando em direção da Aldeia da Serra. Por ser necessário prever a evacuação da Aldeia da Serra foram deslocadas várias ambulâncias para a povoação, tendo ainda sido evacuadas algumas pessoas. O incêndio só foi travado junto ao aglomerado de casas, nomeadamente nos quintais, tendo o combate sido feito de cima dos telhados das primeiras casas. Algumas das casas mais isoladas tiveram ainda rodeadas pelo fogo. Nessa mesma noite compareceu no TO o Exmº Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna e Primeiro-Ministro em exercício Dr. António Costa. O Incêndio registava várias frentes.

Quinta-feira, dia 10 de agosto (4º dia), o combate continua durante a noite e madrugada, com registo de várias reativações, tanto no Vale Abraão como na zona da Igreja da Virgem e Alto de São Gens. Nessa manhã verificou-se na Herdade da Contenda a existência de um foco de incêndio e com o objetivo de o extinguir, foram empenhados meios dos bombeiros de Évora, de Estremoz e de Vila Viçosa, que após uma primeira intervenção, tiveram de retirar, devido ao intensificar do vento. Todas as viaturas conseguiram retirar, sem reparar que tinham ficado para trás três bombeiros de Vila Viçosa. Imediatamente vários bombeiros regressaram à frente do incêndio e verificando que os camaradas em falta se encontravam no interior do incêndio e sem possibilidade de lá saírem, por motivo do fumo e da desorientação associada á falta de visibilidade. Nesse momento um bombeiro de Estremoz correu em direção à frente do incêndio, ultrapassou a linha do fogo e entrou dentro da zona queimada, o que pareceu uma eternidade, não demorou mais do que alguns segundos, tendo o bombeiro de Estremoz, regressado com um dos bombeiros amparado pelos braços, vindo os restantes dois imediatamente atrás. Naquele momento constatei que tinha testemunhado o salvamento de três vidas humanas, num ato de grande heroísmo protagonizado por um Bombeiro de Estremoz de seu nome José Pernas, tendo o mesmo evidenciado grande coragem e invulgar desprezo pelo perigo e sangue-frio (a Câmara Municipal de Estremoz atribui-lhe em 2007, a Medalha de Comportamento Exemplar – Grau Prata). Um dos bombeiros teve de receber tratamento no Centro de Saúde de Redondo e foi retirado do TO. Ainda nesse dia verificou-se um capotamento em que foi interveniente uma viatura de combate dos bombeiros de Arraiolos, tendo resultado três bombeiros feridos, que foram evacuados do local do acidente por helicóptero e posteriormente de ambulância para o Hospital de Évora. Em virtude de o incêndio da Herdade da Contenda continuar a lavrar com grande intensidade em direção à Aldeia da Serra foi necessário prever, novamente a sua evacuação, tendo a Srª Governadora Civil, ativado o Plano de Emergência Distrital. A responsabilidade da evacuação da Aldeia da Serra foi por isso atribuída ao Comandante do ex-Grupo Territorial de Évora (agora Comando Territorial de Évora), da Guarda Nacional Republicana (GNR). Para efeitos de colaborarem na evacuação da Aldeia da Serra, foram ativados dois pelotões do Exército, vindos de Vendas Novas e de Santa Margarida. Para complementar os esforços de combate foram também requisitadas máquinas de rasto civis (das autarquias) e militares (da Engenharia do Exército), que se revelaram fundamentais para que o incêndio começasse a ser dominado a partir desse momento e que sejam hoje considerados um meio imprescindível no combate aos incêndios. Compareceu no TO pela segunda vez o Exmº Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna e Primeiro-Ministro em exercício, Dr. António Costa, tendo abandonado o TO só na manhã do dia seguinte. Por não ser necessário a evacuação da Aldeia da Serra, os meios foram sendo desmobilizados ao longo da noite, nomeadamente os autocarros e as ambulâncias, que foram mobilizados para a evacuação da população.

Sexta-feira, dia 11 de agosto (5º dia), o incêndio da Herdade da Contenda foi circunscrito e considerado extinto durante a tarde, tendo-se iniciado os trabalhos de rescaldo.

Sábado, dia 12 de agosto (6º dia), o Plano de Emergência Distrital foi desativado e continuação dos trabalhos de rescaldo e vigilância.

Domingo, dia 13 de agosto (7º dia), continuação dos trabalhos de rescaldo e vigilância.

Segunda feira, dia 14 de agosto (8º dia), o Posto de Comando avançado abandonou o Teatro de Operações, dando-se por terminados os trabalhos.

Para além da atuação dos bombeiros que com risco de vida combateram o incêndio, é de inteira justiça referir também a atuação dos militares da GNR, que revelaram em todas as situações grande profissionalismo e abnegado empenho, que de dia e de noite, durante oito dias, não vacilaram perante o acréscimo de esforço que lhes foi solicitado, tendo respondido com eficiência e eficácia a todas as solicitações que lhe foram colocadas, adaptando-se constantemente ao evoluir da situação.

De salientar a prestação dos militares do Posto Territorial de Redondo, que por serem grandes conhecedores da área onde lavrava o incêndio, foram de uma enorme mais-valia, bem como os militares da estrutura do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) dos Destacamentos Territoriais de Évora e de Estremoz, que foram incansáveis na recolha de informações que posteriormente eram transmitidas ao Posto de Comando, bem como o papel importantíssimo que desempenharam na informação às populações, que maior risco corriam, prevendo antecipadamente a possibilidade da sua evacuação, sendo por isso que não se verificou a perda de qualquer vida humana.

Terminamos desejando que no ano de 2024 não se repitam no distrito de Évora os incêndios que ocorreram em 2006 na Serra D´Ossa ou noutra qualquer mancha florestal do país, sabendo no entanto que a negligência é a principal causa de incêndios em Portugal e por isso a responsabilidade passa por todos os cidadãos: A Prevenção começa por si.

Nota: O texto constitui a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição da instituição onde presta serviço.


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