Comentário/Esclarecimento: Notícia da morte de jovem em Pias (Serpa).


Notícia publicada do Lidador Notícias, datado de 13 de setembro, com o título “Pias/Serpa: Arma carregada encostada entre armários numa garagem torna festa em pesadelo”.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

O presente comentário tem como objetivo esclarecer os leitores do LN, sobre algumas afirmações constantes no artigo em título e que motivaram este comentário/esclarecimento, não querendo, no entanto, pôr em causa o jornalista, o qual me solicitou este esclarecimento, nem as fontes no mesmo referidas, salvaguardando ainda a dor imensa que todos os intervenientes neste lamentável episódio estão a sentir, sendo essa dor também partilhada pelas respetivas famílias, sejam da vítima, do presumível autor, das testemunhas e de toda uma Aldeia.

Na última terça-feira, dia 12 de setembro, tivemos conhecimento através do artigo do LN com o título “Pias/Serpa: Jovem mata amigo de 16 anos com disparo acidental na aldeia de pias”, do falecimento de um jovem de 16 anos, provocado por um disparo fatal de uma arma de fogo, tendo a arma sido disparada por outro jovem de 15 anos durante uma festa de aniversário, referindo o artigo que “o incidente aconteceu cerca das 00:25 horas de hoje, no decurso de uma festa de aniversário, quando o jovem manuseava uma arma, uma pressão de ar transformada, que desconhecia estar carregada, esta disparou e atingiu Bernardo”.

Sobre este primeiro artigo pouco ou nada podemos concluir sobre o que aconteceu, sabendo-se no entanto de o “incidente” provocou uma vítima mortal, com a idade de 16 anos e que o presumível autor terá sido um jovem de 15 anos, tendo o instrumento usado, sido uma “arma, pressão de ar transformada”, podendo-se assim presumir que terá se tratado de um homicídio na forma negligente, cujo presumível autor é inimputável em razão da idade, por ter idade inferior a 15 anos e que a arma de fogo usada não estará conforme a Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, (Lei das Armas), que “estabelece o regime jurídico relativo ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência, armazenamento, circulação, comércio, aquisição, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas, seus componentes e munições, bem como o enquadramento legal das operações especiais de prevenção criminal”, onde através da leitura da alínea t) do seu artigo 2º, ficamos a saber que uma “’Arma de fogo transformada’ o dispositivo que, mediante uma intervenção mecânica modificadora, obteve características que lhe permitem funcionar como arma de fogo”, e através da alínea f) do mesmo artigo ficamos a saber que uma “’Arma de ar comprimido’ a arma accionada por ar ou outro gás comprimido, com cano de alma lisa ou estriada, destinada a lançar projéctil metálico”.

Tendo como ponto de partida o atrás referido importa agora esclarecer algumas afirmações constantes no artigo com o título “Pias/Serpa: Arma carregada encostada entre armários numa garagem torna festa em pesadelo”, onde é referido, entre outras afirmações, que “a espingarda, ao que foi possível apurar é pertença do pai da jovem, conhecido na aldeia como o ‘Avante’, era uma arma de ar comprimido, que depois de modificada ficou apta a levar uma munição de calibre 9mm … Por se tratar de um crime público, ‘Avante’ proprietário da arma, arrisca a ser acusado dos crimes de homicídio por negligência, posse de arma proibida e transformação de arma proibida ”.

Foram as afirmações atrás referidas, que mereceram da nossa parte uma reflexão, e que motivou o presente comentário/esclarecimento, sem querer colocar em causa o jornalista nem as suas fontes, porque induzem em erro os leitores do LN, pelo que se impõem os comentários seguintes, sem no entanto recorrer a uma linguagem excessivamente jurídica, de modo a ser entendível pela generalidade dos leitores:

1º – O presumível autor da morte do jovem de 16 anos é outro jovem de 15 anos, e não o proprietário da arma, que por acaso é o seu progenitor;

2º – O presumível autor é inimputável em razão da idade (tem idade inferior a 16 anos) e por isso não lhe pode ser aplicada a punição prevista para o crime de homicídio, na forma negligente, presumindo-se ser esse o crime enquadrável na situação em concreto;

3º – Ao presumível autor, por ser inimputável aplica-se-lhe a Lei Tutelar Educativa, que estabelece para “a prática, por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime dá lugar à aplicação de medida tutelar educativa em conformidade com as disposições da presente lei”, podendo ser-lhe assim aplicada uma das seguintes medidas tutelares educativas: “– A admoestação; – A privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; – A reparação ao ofendido; – A realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; – A imposição de regras de conduta; – A imposição de obrigações; – A frequência de programas formativos; – O acompanhamento educativo; – O internamento em centro educativo”;

4º – Sobre o proprietário da arma, presume-se que o mesmo pratica o crime previsto na alínea c) do artigo 86.º da Lei das Armas (Detenção de arma proibida), por detenção de arma de fogo transformada ou modificada, podendo ser punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, sem prejuízo de lhe pode ser aplicada outras punições por motivo da prática de outras infracções criminais e/ou contra-ordenacionais;

Pelo exposto, verifica-se que a afirmação inclusa no referido no artigo não está correta, não podendo o proprietário da arma ser acusado pelo pressuposto crime de homicídio, mesmo tratando-se de um crime público, conforme é referido na afirmação, podendo no entanto ser acusado do crime de detenção de arma proibida, desconhecendo-se no entanto se também pode ser acusado pela transformação da mesma, porque da notícia não se retira que a transformação foi executada pelo proprietário da mesma, causando no entanto surpresa que a transformação seja de uma arma de ar comprido, numa arma de fogo calibre 9 mm, sendo o habitual as transformações de armas de ar comprimido em armas de fogo calibre .22 (5,5 mm).


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