ESSA DROGA É PARA CONSUMIR OU PARA TRAFICAR?


Tendo em conta a promulgação pelo Presidente da República do diploma da Assembleia da República que clarifica o regime sancionatório relativo à detenção de droga para consumo independentemente da quantidade, alterando o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e a Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, logo que entre em vigor, vai obrigar as Forças de Segurança (FS), sempre que apreenderem droga, a questionar o seu detentor, se a droga é para consumir ou para traficar?

Rogério Copeto

Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

A pergunta torna-se necessária porque com a nova redação, a detenção de droga em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, passará a constituir um mero indício, de que o propósito poderá ser o de tráfico, sendo necessário por isso que as FS juntem mais prova, para além da droga apreendida, nomeadamente prova testemunhal.

Este diploma para além de equiparar as drogas sintéticas às ditas drogas “clássicas”, termina com um quadro claro para a distinção entre tráfico e consumo, podendo também terminar com uma Lei que tem sido um exemplo para o mundo e criar graves problemas a todos aqueles que lidam com o problema do consumo e tráfico de droga.

Para os menos atentos a estes assuntos, importa referir que através da Lei 30/2000 de 29 de novembro, Portugal inclui-se no restrito lote de países onde o consumo de drogas não é crime, sendo por isso este “modelo” português, que pretende afirmar, através do trabalho em rede, o desvalor do consumo e da posse de drogas, sido nestes últimos mais de 20 anos alvo de avaliação por parte de outros países, que veem na resposta portuguesa, um exemplo a seguir, no que diz respeito ao combate ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Foi esta Lei que descriminalizou a aquisição e a detenção para consumo próprio de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, que excedam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, assumindo dessa forma a dissuasão como uma estratégia de intervenção global e integrada, tendo por esse motivo ganho o nome de “Lei da Descriminalização”.

A “Lei da Descriminalização” implementou em Portugal um “modelo”, que junta as áreas da intervenção, da dissuasão e da proteção sanitária dos consumidores e das populações, e opera numa rede de respostas articuladas trabalhando para a redução do consumo de substâncias psicotrópicas e dependências, e para a prevenção da exclusão social.

A instituição que em Portugal tem por missão promover a redução do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências é o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), o antigo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), tendo como enquadramento a já referida “Lei da Discriminização”, que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica. Esta resposta normativa permitiu criar e manter em funcionamento uma forte componente de promoção da saúde que tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida do cidadão e das comunidades, associada aos valores da inovação e do pragmatismo.

São as Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT) que primeiramente têm a responsabilidade de operacionalizar este “modelo”, acolhendo os indiciados (consumidores de estupefacientes e substâncias psicotrópicas) encaminhados pelas FS e  pelos tribunais, procedendo a uma avaliação rigorosa da sua situação face ao consumo, valorizando sempre as suas necessidades psicossociais, tendo como objectivo aproximar os consumidores de substâncias ilícitas dos serviços de saúde.

Para além da primordial importância das CDT na operacionalização da “Lei da Descriminalização” importa referir também o papel fundamental das FS, que por força das alterações promovidas pelo Decreto-Lei 114/2011, de 30 de novembro, viram as suas competências aumentadas, ao receberam as que eram dos Governos Civis, nomeadamente no âmbito da guarda das substâncias apreendidas, em sede de processo contraordenacional por consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Mas o trabalho das FS não se esgota na elaboração dos autos de contraordenação por consumo, sendo a sua intervenção transversal a todas as áreas, a começar pela “Informação e Prevenção”, nomeadamente em contexto escolar, no âmbito do “Programa Escola Segura”, ao realizarem acções de sensibilização sobre consumos e comportamentos de risco.

Assim os elementos das FS afetos ao “Programa Escola Segura”, no âmbito do policiamento de proximidade, têm como missão sensibilizar toda a comunidade educativa para a problemática da segurança, nas suas múltiplas vertentes, aconselhando boas práticas e recomendando a adoção de medidas preventivas adequadas, com o objetivo de fazer com que as escola venham a constituir-se como locais seguros e tendencialmente livres de drogas, sendo por isso o seu trabalho essencialmente preventivo, dissuasor e pedagógico, realizando nas escolas à sua responsabilidade, por esta altura no ano, ações de informação direcionadas ao alunos do 12º ano, que aproveitam para as Férias da Páscoa para realizar as chamados “Viagens de Finalistas”.

Também no contexto laboral as FS realizam ações realizadas direcionadas aos seus elementos, sobre “Alcoolismo e Toxicodependência”, especialmente durante os cursos de formação inicial, e também externamente, em contexto rodoviário, através da fiscalização do consumo de álcool e de estupefacientes e substâncias psicotrópicas aos condutores, durante o ato da condução.

E no âmbito da “Redução da oferta” o trabalho das FS tem como principais resultados as detenções, as apreensões e as operações de combate ao tráfico de estupefacientes, sendo o combate ao tráfico e consumo de estupefacientes um objetivo ao qual as FS têm vindo a conferir especial cuidado, dentro da sua competência legal, onde as matérias da droga e da toxicodependência são pontos fulcrais da atuação e investigação das FS, quer a nível preventivo e dissuasivo, nos locais habituais de consumo, quer nos locais de entrada de estupefacientes em território nacional, nomeadamente nas vias terrestres de ligação a Espanha e faixa costeira.

Nesta vertente as FS efetuam milhares de ações de vigilância, controlo e fiscalização, com vista ao reforço das atividades de vigilância, controlo e fiscalização da fronteira externa da União Europeia de molde a eliminar as possibilidades de introdução de droga em território nacional e no espaço europeu, promovendo ações de vigilância, controlo e fiscalização em mar e em terra, sendo os resultados do trabalho desenvolvido pelas FS não raras vezes noticia, por motivo das apreensões de droga que efetuam, revelando elevados níveis de eficácia no cumprimento da sua missão.

Para além desse trabalho na vertente da repressão, as FS centram-se especialmente na vertente da prevenção do tráfico de distribuição direta a consumidores, do tráfico-consumo localizado e da criminalidade a estes associada, e por isso são realizadas diversas acções de sensibilização, dirigidas especialmente à comunidade educativa, com o objectivo de os alertar para a problemática dos consumos, do pequeno tráfico e da criminalidade associada à droga, reforçando ainda a vigilância nos locais públicos, habitualmente utilizados para o consumo de estupefacientes.

Concluindo-se assim, que desde 2000 Portugal tem uma Lei que a todos nos deixa orgulhosos, porque o “modelo” português distingue consumidores de traficantes e tem contribuído para a redução do consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas nas últimas duas décadas, mas que provavelmente com a entrada em vigor do novo regime, Portugal poderá deixar de ser um exemplo a seguir, porque a distinção entre consumidores e traficantes, poderá deixar de existir, dificultando o trabalho das FS e aumentando a impunidade dos traficantes.


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