Opinião (Paulo Vilela/ Oficial da GNR): CAVALARIA DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA (1ª PARTE).
Neste artigo pretendo abordar a Cavalaria a cavalo da GNR e mesmo só este aspeto, já não será tarefa simples para ser apresentado em “andamentos tão concentrados”.
Tenente-Coronel de Cavalaria da GNR e Auditor de Segurança Interna
Juiz Nacional de Ensino
Treinador de Equitação grau 3
Será sempre melhor deixar aqui este pequeno tributo, do que não deixar coisa nenhuma, pelo que espero que não sejam muito duros nas críticas e consigam ter uma visão mais abrangente sobre o trabalho que os cavalos e cavaleiros da GNR desenvolvem em prol da Grei.
Algumas vezes trata-se de trabalho duro e nem sempre bem compreendido, apesar de gratificante para quem o desempenha. É preciso gostar, gostar mesmo muito … mas não se iludam, quem não detiver uma vontade férrea é melhor abster-se.
Alexandre O’Grande, já no seu tempo, proferiu as seguintes afirmações: – Força da Cavalaria é a velocidade e o choque; – Uma linha de Cavalaria estática não é de todo Cavalaria; – Um cavalo deve ser um pouco louco para ser uma boa montada de cavalaria, e o seu cavaleiro deve sê-lo completamente; – A coesão das fileiras, fundamental na infantaria, é ainda mais crucial na Cavalaria. Um inimigo a pé pode defender a sua posição contra cavalos espalhados, seja qual for o seu número, mas nunca contra Esquadrões montados que ataquem lado a lado; – À Cavalaria não cabe ser o carrasco num assalto. Apenas lhe cabe penetrar. Poderemos matar o inimigo com calma assim que provoquemos a sua debandada; – São necessários cinco anos para treinar um Soldado e dez para treinar um Cavalo;- Uma Cavalaria de novatos é inútil.
O que pretendo de uma montada de cavalaria é “energia”, ou como lhe chamam os Mestres de equitação, “impulso”; – As artes da guerra a cavalo exigem uma prática constante e; – Até uma breve licença pode deixar cavalo e cavaleiro “sem jeito”, antes que recuperem a sua agudeza graças a um regresso aos treinos.
É claro que os tempos mudaram e as exigências que se colocam atualmente ao serviço a cavalo são totalmente diferentes, até porque estamos inseridos num contexto de segurança interna, cumprindo missões de âmbito militar e policial, mas certos princípios enunciados são imutáveis e com o devido ajuste continuam bem pertinentes e atuais.
Hodiernamente, podemos assinalar que a Cavalaria a Cavalo da GNR está presente em três tipos de atividades, nomeadamente: – Atividade Operacional; – Atividade da Doutrina e Formação e; – Atividade Complementar.
Neste sentido e sempre em linhas muito gerais, importa destacar a complementaridade entre estas atividades e como elas se conjugam entre si, de modo a que o serviço a cavalo da GNR, contribua com competências distintivas para o cumprimento da Missão Geral da Guarda, em áreas bastante diferenciadas.
No que respeita ao emprego dos meios a cavalo em termos operacionais é possível definir três grandes áreas, nomeadamente e pela seguinte ordem: – Honorífica e de Representação de Estado; – Patrulhamento a Cavalo e; – Manutenção e Restabelecimento da Ordem Pública.
Estas são, sem margem de dúvida, as áreas fundamentais em que diariamente o esforço das forças a cavalo da Guarda são empenhadas operacionalmente.
O serviço honorífico executado pelas forças a cavalo da GNR, marca decisivamente qualquer cerimónia onde estejam envolvidas, consequência de todo o equipamento e fardamento utilizado pela força, quer ainda pela forma cuidada e briosa como se apresentam, de grande impacto visual e psicológico, a que ninguém fica indiferente.
As missões honoríficas e de representação, representam uma atividade essencial e consistem na prestação de Guardas e Escoltas de Honra a Cavalo, não só a altas entidades nacionais, como também às entidades estrangeiras que visitam Portugal, em que o Protocolo de Estado considere que devam receber esta deferência, sendo de destacar as realizadas aos Chefes de Estado e Embaixadores residentes e ainda na representação nacional, no estrangeiro, em cerimónias militares.
Este serviço é desempenhado praticamente em exclusivo pela Unidade de Segurança e Honras de Estado (USHE) da GNR, podendo empenhar um efetivo variável da força a cavalo, nos seus vários escalões (Regimento; Grupo; Esquadrão; Pelotão; Esquadra).
A GNR tem ainda na Cavalaria uma representação excecional com dois ex-libris, materializados através da emblemática Charanga a Cavalo, única no mundo inteiro e mais recentemente a Reprise a Cavalo.
A Charanga a Cavalo foi criada em 1942, sendo hoje composta por militares que tocam instrumentos musicais de sopro e percussão, nos três andamentos naturais do cavalo, passo, trote e galope, sendo possivelmente a única no mundo a tocar trechos musicais a galope e que devido a esta singularidade granjeou um prestígio ímpar.
A Reprise a Cavalo representa o expoente máximo do ensino equestre praticado na GNR, refletindo a formação realizada internamente na instituição. É constituída por um número variável de militares de cavalaria que executam, nas suas evoluções de conjunto, uma série de exercícios de equitação complementar e superior, nos vários andamentos e de forma sincronizada, evidenciando o ensino do cavalo.
O Patrulhamento a Cavalo é também um produto operacional bastante importante para o cumprimento da missão geral da GNR. Este serviço, com mais de dois séculos de existência, remonta à própria génese da Guarda e tem como principais objetivos a vigilância e a fiscalização, com uma finalidade essencialmente preventiva, visando a manutenção da tranquilidade pública e o respeito pelas leis, constituindo ainda uma importante fonte de recolha de informação, de modo a contribuir para o policiamento orientado pelas informações (intellegence led policing), para além da sua facilidade no policiamento de proximidade.
O Patrulhamento a Cavalo é executado com relativa facilidade, por uma força de efetivo variável, devidamente instruída, uniformizada, armada, equipada e comandada, destinada ao cumprimento da missão geral da Guarda ou, de uma missão específica.
Este tipo de patrulhamento cria no cidadão um aumento considerável do sentimento de segurança e facilidade de aproximação à sociedade, motivada pela atração natural ao cavalo, ao mesmo tempo que contribui para a segurança e prevenção da criminalidade.
Nas cidades de Lisboa e Porto este tipo de patrulhamento teve início no século XIX e no resto do território de Portugal nos princípios do século XX. É um tipo de patrulhamento que goza de grande mobilidade e pode cobrir uma área considerável de terreno em pouco tempo, em que o militar se encontra numa posição sobrelevada e, portanto, privilegiada em vários aspetos.
Por outro lado, proporciona um policiamento ecológico e pouco oneroso e que, na maior parte das vezes, reduz significativamente os níveis de criminalidade, pelo que se constitui numa mais-valia em razão dos custos associados e pela mobilidade que possui. Estes são fatores não despicientes nos modelos de gestão atuais.
Tendo em conta o seu baixo custo de aquisição, o baixo valor na manutenção e a longevidade dos cavalos, que em certos casos pode chegar aos vinte anos de serviço efetivo, sendo segundo estudos efetuados, um meio relativamente barato.
É ainda de salientar que a imponência do cavaleiro e o impacto visual que produz, transmite ao cidadão um sentimento de tranquilidade, confiança e de segurança.
O patrulhamento a cavalo tem sido empregue com bons resultados em zonas urbanas, zonas florestais, zonas balneares e de lazer. Neste particular, nas zonas de floresta tem sido também eficaz na redução dos incêndios florestais. Nas zonas balneares e parques de estacionamento os crimes de furto têm também reduzido acentuadamente, sempre que é introduzido este tipo de patrulhamento.
O emprego em reforço ao dispositivo territorial em Operações de maior relevo também tem vindo a ser acautelado, como sejam, o Verão Seguro, a Feira do Cavalo na Golegã, peregrinos em segurança em Fátima, Natal e Ano Novo e muitas outras de menor dimensão.
As áreas privilegiadas de atuação do patrulhamento a cavalo, com resultados confirmados e um reconhecimento cada vez maior por parte do cidadão, verifica-se em: – Espaços abertos com boa visibilidade; – Espaços sem grandes constrangimentos de tráfego; – Zonas ajardinadas; – Florestas e bosques e; – Parques e grandes áreas de estacionamento.
Tendo em conta o muito que há para escrever sobre a Cavalaria da GNR e porque já vai logo o presente artigo, deixamos o resto para o próximo.