Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): FASE CHARLIE E PERÍODO CRÍTICO.


Por esta altura do ano seria de esperar que os incêndios florestais não estivessem na ordem do dia, muito menos que estivéssemos a lamentar a morte de 41 cidadãos portugueses, que faleceram vítimas dos incêndios, que resultaram de mais de 500 ignições verificadas no último domingo, 15 de outubro.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando e Doutrina e Formação

Por coincidência ou não os incêndios mais mortíferos deste ano ocorreram fora da “Fase Charlie” do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais – 2017 (DECIF-2017), aprovado pela “Diretiva Operacional Nacional nº 2” (DON2), da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), que prevê cinco Fases: Alfa de 1 de janeiro a 15 de maio; Bravo de 16 de maio a 30 de junho; Charlie de 1 de julho a 30 de setembro; Delta de 1 de outubro a 30 de outubro e; Echo de 1 de novembro a 1 de dezembro.

Por motivo dos incêndios de Pedrógão Grande ocorridos no dia 17 de junho, ainda na “Fase Bravo”, e dos quais resultaram na morte de 64 pessoas, a “Fase Charlie”, foi antecipada em 9 dias, tendo-se iniciado no dia 22 de junho, passando o DECIF-2017 a poder contar com “9.740 operacionais e 2.065 viaturas, apoiados por 48 meios aéreos e 236 postos de vigia da responsabilidade da Guarda Nacional Republicana”, conforme peça da TVI24 de 22 de junho com o título “Fase Charlie, do período crítico de incêndios, foi antecipada”.

Sobre estes incêndios tivemos oportunidade de escrever vários artigos, tendo o primeiro sido no dia 20 de junho, sobre precisamente o assunto da “Fase Charlie” e do “Período Crítico”, com o título “O Período Crítico é quando a natureza quiser”, onde referimos, que apesar de todas as falhas apontadas pelos especialistas que na altura tiveram oportunidade de analisar o ocorrido nos referidos incêndios, estamos em crer que estes incêndios não teriam tido as trágicas consequências, se os mesmos tivessem ocorrido durante a “Fase Charlie”, concordando com todos aqueles que defendem que a existência de fases no DECIF não faz qualquer sentido.

Esta opinião é sustentada pelo facto de que aquando da deflagração dos incêndios de Pedrógão Grande, apesar de se encontrarem reunidas todas as condições climatéricas, para que fosse considerado “Período Crítico”, tal não foi determinado e por esse motivo não foram implementadas as medidas que estão previstas a “Fase Charlie”, nomeadamente a “Vigilância Armada”, que não é mais do que o preposicionamento de equipas de primeira intervenção, com viaturas de combate a incêndios, em Locais Estratégicos de Estacionamento (LEE), sempre que o Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) emita alerta amarelo ou superior, que era na altura o caso.

Sobre este assunto, o famigerado “Relatório – Análise e apuramento dos factos relativos aos incêndios que ocorreram em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã, entre 17 e 24 de junho de 2017”, elaborado pela Comissão Técnica Independente (CTI), que por coincidência, foi divulgado três dias antes dos incêndios ocorridos no dia 15 de outubro, refere, entre outros aspectos que terão falhado nos referidos incêndios, que “não houve pré-posicionamento de forças”, tendo existido uma “incapacidade para debelar o fogo nascente na primeira meia hora após a eclosão, dado o tempo decorrido desde a ignição do fogo e os meios empregues no ataque inicial, que foram insuficientes para as condições do dia”, conforme também a peça da RTP no dia 12 de outubro “Pedrógão Grande: Relatório da Comissão Técnica” refere que “o relatório aponta falhas na previsão do risco associado às condições meteorológicas, bem como na mobilização de meios que tornaram o fogo praticamente incontrolável”.

Três dias após o conhecimento do teor do relatório elaborado pela CTI ocorreram os segundos piores incêndios deste ano, de onde resultaram 37 vítimas mortais em resultado de mais de 500 ignições verificadas num único dia, pelo que recordamos o segundo artigo que elaboramos no dia 16 de agosto, com o título “Um país de incendiários”, onde fizemos um apanhado do número de incendiários detidos pela GNR e pela PJ, que este ano atingiu o número recorde, conforme refere o artigo do Público de 16 de outubro, com o título “Detenções por fogo posto são quase o triplo do ano passado”, onde é referido que “desde o início deste ano, a Polícia Judiciária (PJ) já identificou e deteve 101 pessoas por suspeita de crime de incêndio florestal. A Guarda Nacional Republicana, no mesmo período, deteve 51”, concluindo-se por isso, e tendo em conta o elevado números de ignições que todos os anos ocorrem e que têm como consequência a perda de vidas humanas e a destruição de património privado e público, empobrecendo o país, que este país de incendiários não merece a floresta que tem.

O terceiro artigo sobre os incêndios deste ano foi publicado no dia 30 de agosto, com o título “Mais vale evacuar do que remediar”, por motivo da realização de centenas de evacuações de povoações, resultando na deslocação de milhares de pessoas, onde demos a conhecer que o planeamento desta medida é diminuta e seu o treino inexistente, tornando-a de difícil execução, que só a colaboração das populações a torna possível, pelo que a divulgação de informação é essencial, tendo também sido a ausência desta medida, nos incêndios de Pedrógão Grande, sido apontada pela CTI, como uma das causas para que tivesse ocorrido um tão elevado numero de vítimas mortais, referindo o relatório que as medidas de proteção civil (condicionamento de estradas, evacuações e acompanhamento da população), deveriam ter sido equacionadas “logo às 16h00-17h00 e cumpridas a partir das 18 horas”.

Voltando ao tema do presente artigo, para referir que ainda antes da “Fase Charlie” ter terminado no dia 30 de outubro, o governo prolongou no dia 29 de setembro, o “Período Crítico” até dia 15 de outubro, por motivo das “circunstâncias meteorológicas excepcionais prováveis para a primeira quinzena de Outubro”, conforme consta no artigo do Público de 29 de setembro com o título “Governo prolonga período crítico do sistema de defesa da floresta”, onde é referido que “este prolongamento não está relacionado com os meios de combate a incêndios florestais, cuja fase Charlie termina no sábado, com a redução de meios no terreno a partir de domingo”.

Assim, durante a “Fase Charlie” o DECIF-2017 contou com 9.740 combatentes, apoiados por 2.065 viaturas, 48 meios aéreos e 236 postos de vigia e a partir de 1 de outubro os meios de combate foram reduzidos para 5.518 combatentes, apoiados por 1.307 veículos e 22 meios aéreos até 5 de outubro, 18 até 15 de outubro e dois até 31 de outubro, para além do encerramento dos 236 postos de vigia, conforme deu conhecimento a TSF no dia 10 de outubro na peça “Todos os 236 postos de vigia contra incêndios estão fechados desde 1 de outubro”, tendo sido mandado reactivar pelo governo, nesse mesmo dia, a “Rede Primária de Postos de Vigia”, constituída por 72 postos, até ao dia 31 de outubro, conforme deu a conhecer o Público no artigo “Governo manda reactivar postos de vigia após críticas”.

Pelo atrás referido conclui-se que quando em 22 de junho foi antecipado o “Período Crítico”, foram também implementadas as medidas da “Fase Charlie” com reforço de meios, e quando esse mesmo “Período Crítico” foi alargado até 15 de outubro, não se mantiveram os meios da “Fase Charlie”, tendo sido reduzidos os meios disponíveis em mais de 40%, ou seja, se não existissem as cinco fases que dividem o ano civil, não tendo em conta que as condições climatéricas adversas podem ocorrer em qualquer altura do ano, estamos em crer que os incêndios de Pedrógão Grande e os incêndios do último domingo, tinham sido debelados logo na sua fase inicial.


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