Opinião (Rogério Copeto/ Oficial da GNR): MAIS VALE EVACUAR DO QUE REMEDIAR.


Numa altura em que se verifica um interregno na ocorrência de incêndios, por motivo da alteração das condições meteorológicas, depois de termos assistido ao país a arder durante dois meses, propomos uma reflexão sobre as evacuações de povoações que ocorreram nestas últimas semanas.

Rogério Copeto

Tenente-Coronel da GNR

Mestre em Direito e Segurança e Auditor de Segurança Interna

Chefe da Divisão de Ensino/ Comando de Doutrina e Formação

Estamos certos que uma das consequências do trágico incêndio de Pedrógão Grande, ocorrido a 17 de junho, que matou 64 pessoas e feriu outras duas centenas, terá sido decidir pela evacuação dos habitantes de todas e quaisquer povoação que se encontravam no percurso dos incêndios, de modo a evitar a repetição da tragédia de Pedrógão Grande e a consequente perda de vidas civis.

Para além de outras eventuais consequências que serão retiradas no final deste ano por motivo, não só do incêndio de Pedrógão Grande, bem como de todos os outros grandes incêndios que destruíram quase duzentos mil hectares de floresta e dezenas de habitações, será a introdução no léxico dos portugueses, do conceito de “evacuação preventiva”, usado e aplicado vezes sem conta e que terá obrigado à deslocação de milhares de pessoas e a evacuação de centenas de povoações, em todo o país, facto a que não estávamos habituados, por se tratar de uma medida excepcional.

Para além desta medida excepcional, que tem como principal preocupação salvar vidas humanas, em detrimento do combate aos incêndios, também os cortes de estrada, que ocorreram num elevado número este ano, também terão limitando a liberdade de circulação de outras tantas pessoas.

O constante corte de estradas e as sucessivas evacuações preventivas das povoações, que terão sido decididas pelas autoridades responsáveis, num número, que apesar de desconhecido até momento, foi com certeza o mais elevado de que há memória, obrigou a um empenhamento de efectivos da GNR, na execução dessas medidas, por serem competência desta Força de Segurança, concluindo-se no entanto que este elevado número de evacuações preventivas e de cortes de estrada, terão sido responsáveis pela ausência de vítimas civis, desde o incêndio de Pedrogão Grande, apesar de todas estas evacuações e cortes de estrada poderem ser considerados como excesso de zelo.

Conforme já referido a evacuação de pessoas, num incêndio florestal, é uma medida expepcional, existindo muito poucas referências em documentos oficiais, sobre a evacuação de povoações, encontrando-se na “Diretiva Operacional Nacional nº 2” (DON2), da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e que aprova o DECIF 2017, apenas três referências à palavra “evacuação”, todas elas respeitantes às missões atribuídas à GNR, PSP e Forças Armadas (FA).

Na missão atribuída à GNR é referido que “para além do cumprimento das missões que legalmente lhes estão cometidas, exerce ainda a missão de apoio à evacuação de populações em perigo”, para a PSP é referido “conduz, a pedido do CODIS ou do COS, na área de competência territorial, missões de apoio à evacuação de populações em perigo” e FA é referido que “a pedido da ANPC, e de acordo com os planos próprios e disponibilidade de recursos, colaboram no apoio à evacuação de populações em perigo”, concluindo-se que a evacuação das populações deve ser executada pela GNR, PSP e FA.

No que diz respeito à decisão de evacuar pessoas, esta deverá acontecer em incêndios de média ou grandes proporções, quando exista reforço de meios e for activado o respectivo Plano Municipal de Emergência, sendo a evacuação decidida pelo responsável municipal pela protecção civil, atribuindo a responsabilidade de a executar à GNR, com a colaboração dos bombeiros, FA, dos municípios e do INEM.

Ao contrário das evacuações de edifícios, por motivo de incêndio urbano, onde esse procedimento é planeado e treinado, nas evacuações de povoações, por causa de incêndio florestal, o planeamento é diminuto e o treino inexistente, tornado a medida de difícil execução, que só a colaboração das populações a torna possível, pelo que a informação é essencial, tendo por isso a ANPC elaborado um folheto denominado “O que fazer em caso de incêndio florestal” onde consta que “em caso de evacuação, ajude a sair de casa as crianças, idosos, e deficientes. Não volte atrás por motivo nenhum. As autoridades só aconselham a evacuação se existir perigo para a sua vida”, confirmando a excepcionalidade da medida, que só é implementada quando exista perigo de vida para as populações.

Apesar de ser uma medida excepcional, de planeamento diminuto e de treino inexistente, a medida de evacuação de povoações foi determinada desde 17 de junho, dezenas de vezes, sempre com sucesso, verificando-se que o profissionalismo dos militares da GNR que a executaram, promovendo a evacuação de milhares de pessoas, muito contribuiu para que nenhuma vida fosse perdida.

Apesar de não ter estado presente em nenhuma dessas evacuações e delas só ter podido assistido através da TV, arrisco a dar minha perspectiva sobre o assunto, porque enquanto Comandante do Destacamento Territorial de Évora também me foi atribuída essa responsabilidade, durante o incêndio da Serra d’Ossa em agosto de 2006.

O chamado incêndio da Serra d´Ossa teve início no dia 7 de agosto, pelas 11H00, no Monte Infante, na Serra D’Ossa, concelho de Estremoz, tendo de imediato se propagado aos concelhos de Borba, Vila Viçosa e Redondo e na noite do terceiro dia mereceu a visita do, na altura, Ministro de Estado e da Administração Interna e 1º Ministro em exercício, Dr. António Costa.

Ao quarto dia, depois de ter testemunhado o salvamento de três vidas humanas, num acto de grande heroísmo protagonizado por um bombeiro, dos Bombeiros Voluntários de Estremoz, cuja Câmara Municipal de Estremoz lhe atribuí-o em 2007, a Medalha de Comportamento Exemplar – Grau Prata e auxiliado na evacuação de helicóptero, de três bombeiros feridos, pertencentes aos Bombeiros Voluntários de Arraiolos, que foram vítimas de um capotamento da viatura de combate que os transportava, tive de planear, durante essa noite, a evacuação da Aldeia da Serra, localizada na Serra d’Ossa, depois da Governadora Civil ter ativado o Plano de Emergência Distrital, conforme dava conta na altura o blog “Estremoz em debate” que citava a LUSA, no artigo de 10 de agosto de 2006 com o título “Sem dar tréguas incêndio evacua Aldeia da Serra”.

A responsabilidade da evacuação da Aldeia da Serra foi atribuída pela Governadora Civil à GNR, que contou com a colaboração de efetivos do Exército, nomeadamente um pelotão de militares da ex-Escola Prática de Vendas Novas e outro proveniente de Santa Margarida, que sob o comando da GNR tinha como missão fazer um varrimento da povoação, com o objectivo de ninguém ficar nas habitações, pelo que foram transmitidas orientações aos militares do Exército que a sua atuação estava legitimada, tendo em conta o preceituado na legitima defesa de terceiros e que por isso nenhum civil podia contrariar as suas ordens de evacuação.

Para a operacionalização da evacuação foi ainda necessário definir os corredores de emergência, onde foram colocadas as viaturas necessárias e suficientes, para transporte da população, nomeadamente ambulâncias e autocarros, onde a logística municipal teve um papel preponderante, na preparação dos locais de acolhimento dos residentes da Aldeia da Serra.

Entretanto também os meios de combate ao incêndio foram reforçados com máquinas de rasto civis e militares oriundos do Regimento de Engenharia de Tancos, que se revelaram fundamentais no controlo do incêndio, tendo novamente nessa noite comparecido no Teatro de Operações o Ministro de Estado e da Administração Interna e 1º Ministro em exercício, só abandonando o local na manhã do dia seguinte, depois de se ter verificado não ser necessário a evacuação da Aldeia da Serra, uma vez que o incêndio se encontrava circunscrito.

Apesar de não ter sido necessária a evacuação da Aldeia da Serra, foi possivelmente a medida de maior complexidade a que tive de dar cumprimento, verificando que aquele desfecho só foi possível, graças à atuação dos bombeiros que com risco de vida combateram o incêndio e pela conduta de grande profissionalismo dos militares da GNR, que revelaram em todas as situações abnegado empenho e coragem, tendo respondido com eficiência e eficácia a todas as solicitações que lhe foram colocadas, adaptando-se constantemente ao evoluir da situação, onde o conhecimento do Teatro de Operações foi de uma enorme mais-valia, na recolha de informações essenciais na previsão da evacuação das populações, que acabou por não ser necessário.


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